Entretenimento e responsabilidade

Correio Braziliense
postado em 14/08/2021 06:00 / atualizado em 14/08/2021 15:10
 (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press)
(crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press)

Para alguns produtores culturais, a pandemia trouxe outro olhar sobre o entretenimento, o de que não basta levar os projetos aos locais, mas também o questionamento de qual é o papel social das programações. Um exemplo dessa produção cultural consciente é o Festival Música Solidária, criado por Jeann Cunha, 34 anos, prefeito comunitário da praça 105 da Asa Norte. Ele, outras prefeituras comunitárias, musicistas e produtores independentes se reuniram sob o intento de levar música aos moradores da Asa Sul mesmo com o distanciamento social. Para isso, foram criadas apresentações em formato de serenata. “O movimento foi incrível, bem colaborativo, e estamos gravando um documentário com todo o projeto, desde o ano passado. Queremos lançar no fim do ano”, comenta Jean ao Correio, em primeira mão.

A equipe, que tem feito uma apresentação por mês nas quadras e praças da Asa Sul, vai dobrar as sessões a partir de setembro. As edições são divulgadas apenas na semana em que se apresentarão, para evitar aglomerações. Os envolvidos recolhem doações como comida, roupas, brinquedos, livros e dinheiro para doarem para projetos sociais que atendem a pessoas em situação de vulnerabilidade social do DF. A cada edição, eles ajudam três locais diferentes. Na última ação, as contribuições foram entregues para o R.U.A.S. na Ceilândia, Projeto Cor do Amor e Lar dos Velhinhos em Sobradinho.

Para eles, a paralisação das atividades no ano passado foi um gatilho para essa mobilização, mas a intenção dos integrantes é manter o festival mesmo com o fim da pandemia, e continuar levando cultura, arte e música para as comunidades de diferentes regiões do DF.

A produtora e roadie Angélica Rodrigues, 29, é a proprietária da Kombiando, empresa de sonorização que atua com diversos artistas e no segmento de eventos. Ela conta que, quando soube do projeto, abraçou a ideia e ficou empolgada ao descobrir que beneficiaria vários públicos. “Achei muito legal, porque além de beneficiar instituições carentes, também era uma questão de urgência para os artistas e para a área técnica. Foi um projeto que acrescentou muito. Agora, a gente quer somar o público com a música de qualidade e as doações à instituições em situação de vulnerabilidade”, conta a jovem que acredita no potencial de projetos independentes e solidários.

No ano passado, a professora Patrícia Meschick, 37, ficou sabendo do festival por meio do Instagram. Moradora na Asa Norte, ela diz que não vê a hora de ver o grupo se apresentar sob sua janela. Enquanto isso não acontece, ela conta que acompanhou algumas edições na Asa Sul e, hoje, o projeto Música Solidária está em sua dissertação de mestrado. “Eu pesquiso o uso de espaços públicos da cidade, tendo o recorte do momento pandêmico, e tenho estudado o festival para minha dissertação de mestrado em design sobre imaginários urbanos de Brasília” explica. Para ela, o festival veio como um alento, neste momento de isolamento social, tanto para as pessoas que moram nas quadras — o público —, quanto para os músicos e técnicos que ficaram tanto tempo sem apresentar ao vivo sua arte, seu ofício. “As primeiras edições que acompanhei me emocionaram muito, porque via os músicos se apresentando para pessoas em suas casas, respeitando o momento, mas trazendo esse carinho. Ao mesmo tempo, vi as pessoas agradecidas contribuindo com os músicos e com outros projetos sociais vinculados ao festival”, detalha a professora.

Para o antropólogo Paíque Santarém, 35, a cidade existe pela soma dos espaços públicos. “Falar de cidade é falar dessa possibilidade que a praça criou, que é a tecnologia do encontro. Se formos ver as leituras das cidades, sejam elas greco romanas, das antigas e milenares cidades africanas, cidades incas, a gente percebe que esses espaços foram criados para o encontro de pessoas, que a gente conhece hoje como praças. Então, a cidade é isso, é o encontro de pessoas em espaços públicos denominados como praças”, explica. Ele explica que com o surgimento de shoppings, casas e locais fechados, esses mecanismos de encontro ficaram abafados, só que a pandemia reconfigurou essa dinâmica e a população acabou se reconectando. “De certo modo, foi a reconstrução da cidade e possibilidade dos encontros em praças novamente”, finaliza o antropólogo.


Malacatifa — 12 Formas de Sonhar a Praça

Agosto

» Dia 14, sábado – QI 10 Dia 15, domingo – QI 06
» Dia 21, sábado – QI 14 Dia 22, domingo – QI 22
» Dia 28, sábado – QI 21 Dia 29, domingo – QI 20

Setembro

» Dia 04, sábado – QE 15 Dia 11, sábado – QE 17
» Dia 18, sábado – QE 28 Dia 19, domingo – QE 30
» Dia 25, sábado – QE 34

Outubro

» Dia 02, sábado – QE 21
» Das 14h às 18h, nas praças do Guará I e II
» Entrada franca
» Classificação indicativa livre

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