A Lei Maria da Penha completa, neste sábado (7/8), 15 anos. A legislação sofreu atualizações e, certamente, evitou tragédias, além de garantir uma punição mais rigorosa para agressores e proteção para vítimas. Porém, especialistas destacam que ainda é preciso trabalhar em ações e políticas públicas que interrompam o ciclo de violência, que gerem empoderamento e renda para mulheres vulneráveis, além de educação e acompanhamento para as que denunciarem os crimes não se tornem vítimas.
No Distrito Federal, um estudo liderado por um promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), recebido em primeira mão pelo Correio, mostra que há fatores de risco que, geralmente, são um prenúncio de crimes contra a vida de mulheres. Segundo o documento, o ciúme excessivo, o controle e a perseguição da vítima estão presentes em 88,2% dos casos.
O estudo “Fatores de risco de feminicídio no Distrito Federal” foi liderado pelo promotor de Justiça do MPDFT Thiago Pierobom de Ávila. Segundo a pesquisa, realizada entre 2016 e 2017, na capital federal houve 34 casos de feminicídios. Entre eles, após o ciúme em excesso, o fator que mais apareceu foi o de ameaça ou tentativa de matar ou agredir fisicamente a vítima. Essas características estavam presentes em 73,5% dos casos (veja Fatores de Risco).
Ana Maria (nome fictício), 55 anos, se casou aos 15, em 1981. Desde então, sofreu agressões e ameaças do então marido. “Era briga toda hora. Ele bebia muito. Se eu falasse em separação, dizia que ia me matar. Foram anos desse jeito. Eu não tinha família em Brasília, não podia trabalhar, ter amigos nem falar com ninguém”, lembra. Porém, em 2017, ela conseguiu fugir de casa e buscou ajuda na Casa da Mulher Brasileira. “Na época em que casei, não existia a Lei Maria da Penha. Eu não sabia o que podia fazer, como poderia conseguir ajuda. Depois que a lei foi criada, fiquei sabendo dos meus direitos”, conta.
Hoje, Ana é enfermeira e massoterapeuta. “Descobri um mundo novo. Sei que posso dizer não. Que não sou obrigada a ir para a cama com homem nenhum. Sei dos meus direitos como mulher e muito disso graças à Lei Maria da Penha”, comenta. Ela destaca que a trajetória não foi fácil, mas incentiva as mulheres a denunciarem seus agressores. “Meu ex-marido foi preso, mas hoje não sei onde ou como ele está, prefiro nem saber”, complementa.
A assistente social e doutora em psicologia social Adelina Almeida Moreira explica que a violência contra mulher começa antes de agressões visíveis. “É qualquer conduta — ação ou omissão — de discriminação, agressão ou coerção, ocasionada pelo simples fato de a vítima ser mulher”, diz. Ela explica que, muitas vezes, a mulher duvida de si e não se identifica como vítima. “É preciso que as pessoas, antes de tudo, acolham. Em casos de urgência, procurarem uma delegacia, sendo que a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) é a mais capacitada para ações contra crimes de violência de gênero. O acesso à Justiça é garantido às mulheres no art. 3º da Lei Maria da Penha”, declara.
Sobre o processo de cura, Adelina afirma que a ajuda profissional é importante. “Depressão, ansiedade e até ideações suicidas são consequências resultantes dessa violência. É preciso procurar ajuda de profissionais de saúde e das redes de apoio”, complementa.
Jeane de Sá, 38, foi abusada por um familiar quando tinha 10 anos. Ela conta que um tio tentou estuprá-la inúmeras vezes e que, por causa disso, desenvolveu diversos problemas. “Eu não entendia o que estava acontecendo, o porquê daquilo”, comenta. A psicóloga afirma que só falou sobre o caso mais de 20 anos depois e, por isso, não podia mais denunciar. “Há pouco tempo, ele fez a mesma coisa com outra menina da família, que, dessa vez, conseguiu denunciar. Mas ele foi solto pouco tempo depois”, diz. Sobre a Lei Maria da Penha, ela diz que ainda precisa de melhorias. “Ela pune, mas não previne”, diz.
Em 2015, motivada pela profissão e pela experiência própria de violência, ela decidiu abrir um projeto de apoio a mulheres vítimas de agressões físicas ou psicológicas. “A minha experiência para conseguir seguir com a vida é muito importante para que eu consiga ajudar outras mulheres. O Projeto Suporte começou na Estrutural por ser uma comunidade carente e ter um ciclo de violência familiar. Fomos expandindo e, hoje, atendemos mulheres e meninas de 13 anos ou mais e damos apoio e educação sexual a elas”, conta.
Ajustes
A advogada criminalista Hanna Gomes explica que há cinco tipos de violência que se enquadram na Lei Maria da Penha. “De forma geral, temos proteção contra a violência física, que é a mais evidente e pode chegar ao feminicídio; a moral; a psicológica; patrimonial; e sexual”, diz.
Apesar de ser importante, a legislação, na visão de Hanna, precisa de ajustes. “Temos a sexta melhor lei do mundo, mas temos muito o que mudar. Seria mais efetivo o Estado fomentar políticas públicas que empoderam as mulheres, ou seja, geram emprego e educação para que elas se entendam independentes”, diz. Hanna conclui que a falta de punição para violências mais sutis atrapalha o combate às grandes tragédias.
Mais feminicídios em 2021
Em 2021, durante os três primeiros meses, de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, o número de violência doméstica contra mulheres caiu em 9,2%, quando comparado ao mesmo período do ano anterior. O registro de violência sexual também sofreu uma queda, de 19,5%. Porém, a quantidade de feminicídios cresceu 100%, passando de oito, em 2020, para 16, em 2021.
Onde pedir ajuda?
Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência — Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República
Telefone: 180 (disque-denúncia)
Centro de Atendimento à Mulher (Ceam)
» De segunda a sexta-feira, das 8h às 18h
» Locais: 102 Sul (Estação do Metrô), Ceilândia, Planaltina
Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam)
» Entrequadra 204/205 Sul - Asa Sul
Telefone: (61) 3207-6172
Disque 100 — Ministério dos Direitos Humanos
Telefone: 100
Programa de Prevenção à Violência Doméstica (Provid) da Polícia Militar
Telefones: (61) 3910-1349 / (61) 3910-1350
Webnário
A Secretaria da Mulher do DF (SMDF), em parceria com a Secretaria de Segurança Pública (SSP), realiza o “2º Webinário – 15 Anos da Lei Maria da Penha”. A abertura, nesta sexta-feira (6/8), na Casa da Mulher Brasileira, em Ceilândia, será transmitida, ao vivo, pelo Twitter da Agência Brasília (twitter.com/AgenciaBrasilia) e pelo Facebook do GDF (facebook.com/gdf). Entre 9 e 12 de agosto, serão realizadas palestras virtuais, abertas aos público e transmitidas pelo YouTube da Secretaria da Mulher DF e pelo Facebook @secmulherdf.
Três perguntas para
Thiago Pierobom, promotor de Justiça do MPDFT e pesquisador na área de violência doméstica
Qual a importância de estudos sobre feminicídio?
A maior importância disso é sinalizar às pessoas e gestores públicos que o feminicídio é um crime prevenível, pois existe um conjunto de sinais que alertam para a iminência do crime. Assim, se o Estado tomar conhecimento de alguma situação que tenha um ou mais fatores de risco, ele tem obrigação de prevenir a ocorrência.
Qual o impacto da violência doméstica ou do feminicídio nos familiares da vítima?
A maioria dos familiares sabia das violências domésticas sofridas pelas vítimas, mas, em muitos casos, não houve um incentivo para denúncia, pedido de socorro ou algo nesse sentido. Mas a vida deles é muito impactada pelos crimes. Dos 34 casos de feminicídio que analisamos, só seis mulheres não tinham filhos. Oito tinham filhos com os agressores. No total, desses 34 casos, foram deixados 58 órfãos, sendo que 56% dos filhos das vítimas eram menores de idade. Em quatro casos, o crime foi praticado na frente das crianças. O feminicídio não mata só a mulher, mas destrói toda a família em volta.
E a Lei, em especial a Maria da Penha. Funciona?
Em 96% dos casos, houve condenação de mais de 20 anos dos que foram a julgamento. Posso falar da realidade do DF. Aqui, não há impunidade para feminicídio. Se o homem matar a mulher, ele vai ser preso e é condenado. Ou seja, denunciem, não deixem de denunciar. É importante ter esse tipo de incentivo. Mas só pensar na punição não evita que aconteçam novos crimes. Precisamos pensar em identificar pequenos crimes que antecedem os feminicídios ou violências domésticas. Ao lado de tudo isso, o fortalecimento da sociedade para desconstruir a cultura sexista que normatiza a violência contra mulheres.
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