Amigos de Helga Mietkiewicz, 80 anos, — morta após sofrer maus-tratos supostamente praticados pelo próprio filho, João Cláudio da Costa, 57 — estão revoltados e não conseguem acreditar no ocorrido. Preso na quinta-feira por agentes da Polícia Civil do Distrito Federal, o suspeito foi indiciado por maus-tratos com resultado morte e posse irregular de munição. Ontem, ele passou por audiência de custódia e foi liberado. Em homenagem à vítima, os vizinhos dela marcaram uma missa de sétimo dia, em 3 de agosto, às 19h15, na Paróquia São Pio de Pietrelcina.
Helga tem origem alemã e morava com o filho havia mais de dois anos, em um apartamento na Quadra 305 do Sudoeste, bairro nobre de Brasília. A idosa também tem uma filha, atualmente em Portugal. A rotina da idosa era comum: pela manhã e no fim da tarde, descia para o térreo do prédio e passeava com o cachorro. Diariamente, visitava a loja de conveniência de um posto de gasolina a poucos metros de casa, onde comprava alimentos e bebidas.
Ao Correio, um dos funcionários do edifício, que preferiu não se identificar, contou que a moradora era “tranquila”. “Sempre cumprimentava todos, mas era reservada. Ela não ficava um dia sem descer do apartamento para passear com o cachorro”, contou. João Cláudio aparecia com menos frequência e costumava ficar mais tempo em casa “Há alguns meses, ele saía para (ir a) um clube de tiro, mas, depois, parou”, completou o entrevistado.
A atendente da loja de conveniência trabalha há cerca de três anos no estabelecimento e relatou que a idosa não deixava de ir ao local. “Um dia, ela chegou aqui desesperada, dizendo que o filho estava exigindo um refrigerante e que era para eu passar a compra rápido. Eu via o desespero no rosto dela. No fundo, eu sabia que tinha algo de errado”, relatou a funcionária, que também não quis ter o nome divulgado.
Helga usava as mesmas roupas todos os dias para ir ao comércio. Há cerca de um mês, apareceu com o braço machucado, segundo a atendente. “Perguntei o que tinha acontecido, e ela só me respondeu que tinha caído. Depois, deu para ver que o braço dela estava necrosando, ficando preto”, relatou. Posteriormente, a idosa sumiu. “Ficamos preocupados. Minha gerente até pediu para irmos à portaria (do prédio) ver se descobríamos algo, mas acabamos deixando o tempo passar e não fomos. Estamos todos abalados e revoltados”, desabafou.
Prisão e defesa
Na quarta-feira à tarde, João Cláudio acionou o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) para socorrer a mãe dele. Helga foi levada a um hospital particular do DF em estado grave, com vários ferimentos, escoriações pelo corpo, desnutrida e inconsciente. À noite, ela morreu. Desconfiados da possibilidade de ter havido maus-tratos, a equipe médica acionou a Polícia Civil. “Na quinta-feira, demos início às diligências, no intuito de localizar o único parente da vítima residente no Brasil, e encontramos o filho da vítima no apartamento”, detalhou o delegado-adjunto da 3ª DP (Cruzeiro Velho), Douglas Fernandes.
O imóvel estava bagunçado e sujo. O ambiente insalubre também chocou os policiais que participaram da operação. “Quando entramos no imóvel, logo sentimos o forte odor. Havia fezes e urina no colchão, além de papel higiênico sujo. O apartamento estava revirado”, ressaltou o delegado. No endereço, as equipes encontraram balas e o cachorro dela morto.
Na decisão após a audiência de custódia, o juiz Nilton Mendes de Aragão Filho considerou que “apesar de os fatos serem repugnantes e abomináveis, não há indicativo de que ele (João Cláudio) se furtaria de comparecer aos atos do processo”. Com isso, o suspeito não poderá se mudar do DF ou deixar a capital federal por mais de 30 dias.
Advogado de João Cláudio, Carlos Henrique Melo defende a inocência do cliente. “Ele não tinha contato com a mãe, apesar de morar no mesmo apartamento. Os dois tinham um grande atrito”, relatou. O representante judicial acrescentou que, quando o suspeito entrava no quarto de Helga, procurava “respeitar o espaço dela”. “Na quarta-feira, até por teimosia, ele entrou e ficou espantado ao ver a situação dela. Por isso, pediu a um funcionário do prédio que ligasse para o Samu”, completou Carlos Henrique.
Na avaliação de Fernanda Dutra, coordenadora da Comissão Temática dos Direitos da Pessoa Idosa da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), a violência contra pessoas com 60 anos ou mais resulta da discriminação ou desprezo por esse grupo social. “O enfrentamento disso depende, em grande medida, do desenvolvimento de políticas públicas preventivas que vão desde a conscientização da população até o efetivo mapeamento e o apoio do poder público em diversos setores. Principalmente a idosos com algum grau de dependência, seja de caráter financeiro, de moradia ou de saúde”, comenta.