Samuel Rawet
Uma boa alma me soprou a sugestão de que eu aproveitasse o tempo de confinamento da pandemia para evocar um dos grandes escritores modernos, que marcou e se deixou marcar por Brasília: Samuel Rawet. Ele figura na lista dos mais talentosos contistas modernos. Logo no início da varredura, percebi que o tema não se esgotaria em uma crônica, mas em várias.
Rapidamente, descobri uma pista preciosa: o cronista Danilo Gomes, que conheceu Rawet e conviveu com ele em Brasília. Danilo publicou entrevista com o escritor em livro e assinou a apresentação de Contos do imigrante, publicado pela Editora Horizonte, em que rompe com a família e o judaísmo.
Rawet era engenheiro calculista e integrou a equipe de Oscar Niemeyer na construção de Brasília, ao lado de Joaquim Cardozo. Foi contista, novelista, dramaturgo e ensaísta. Flávio Moreira da Costa incluiu ficção de Rawet na antologia Os 100 melhores contos de crime e mistério da literatura universal. Rawet morreu solitário, em Sobradinho, aos 55 anos. Acompanhemos os passos do caminhante solitário por Brasília pelos olhos de Danilo.
Danilo o conheceu em Brasília quando chegou, em março de 1975, vindo de Belo Horizonte (MG). Em 1976, o filho mais velho, Rodrigo, tinha 4 anos de idade e frequentava o jardim de infância na SQS 303. Danilo o levava à escola quando a mulher não podia fazer isso. Ali, nas imediações, algumas vezes se encontrou com o escritor, naquelas claras manhãs, pois ele, de bermuda, passeava pelas quadras próximas, morador que era de uma delas. Batiam um rápido papo. Estava sempre alegre, risonho. E passava a mão, num gesto paternal, na cabeça do menino Rodrigo.
Encontrava Rawet também nas reuniões da Associação Nacional de Escritores (ANE), então sediada na 415 Sul. Ele era associado e mantinha cordiais conversas. Entrava na roda da cerveja. Em geral, Rawet não demonstrava amargura, tristeza aguda, isolamento. Ele tinha momentos de alegria, confraternização, convivência.
Mas os colegas de associação sabiam que era um prisioneiro da melancolia e mesmo da revolta. Era um solidário convicto. Teve uma vida marcada pela errância, o exílio e o isolamento, como escreveu a ensaísta Stefania Chiarelli nas páginas do caderno Pensar, do Correio. Danilo lembra que, durante almoço na casa da escritora Branca Bakaj e seu marido, o arquiteto Mário Bakaj, em 2004, o poeta Cassiano Nunes disse: “Samuel Rawet foi uma figura trágica, vangoghiana”.
Segundo Danilo, Rawet buscou a solidão para morrer. Nos últimos anos de vida, apresentava sinais de distúrbios mentais, acentuados desequilíbrios de comportamento, mania de perseguição, procura de imaginários culpados para umas tantas mazelas. Entrou num mundo de paranoias. Morreu em 25 de agosto de 1984. Foi encontrado depois de vários dias da ocorrência do óbito, em Sobradinho, DF.
Mas Danilo prefere se lembrar de Rawet de bermuda, alegre sob o sol brasiliano, nas manhãs daquele ano de 1976, afagando a cabeça do filho, hoje, com 49 anos. Carinho que ele talvez não tivesse tido quando menino na sua Polônia natal, observa Danilo. E no Rio. O que talvez tenha ajudado a marcar sua dolorosa angústia pela vida afora.