A poucos dias da chegada de uma frente fria, agentes do DF Legal e da Polícia Militar recolheram cobertores de pessoas em situação de rua, na manhã desta quarta-feira (28/7), no Setor Comercial Sul (SCS). A ação foi denunciada pelo Instituto Cultural e Social No Setor, que trabalha com a população vulnerável do local. Além das cobertas, documentos pessoais e panelas foram recolhidos. Um registro feito pela instituição mostra os pertences sendo jogados no caminhão da SLU:
“Hoje o DF Legal e a Polícia Militar protagonizaram mais uma ação violadora de direitos no SCS. Pertences da população em situação de rua, dentre eles documentos, cobertas e panelas foram levados em um caminhão sem a apresentação do auto de apreensão”, denunciou o perfil do Twitter do Instituto.
O presidente do No Setor, Ian Viana, esteve presente no local para acompanhar e acalmar os moradores, que chegaram a atear fogo em alguns objetos e bloquearam a via S2, como forma de protesto. “Uma situação bem triste e crítica aqui no SCS. Está tendo uma confusão. Indignados, atearam fogo em alguns objetos na rua e isso quase vira uma situação de conflito com a PM. Estamos tentando apaziguar os ânimos”, disse Ian no momento do ocorrido.
A organização ainda aponta a falta de diálogo com os moradores. “A Secretaria de Serviço Social não estava presente no momento, o que poderia garantir o mínimo de diálogo e asseguramento”, escrevem em nota. “A situação dessas pessoas já é muito difícil e, situações como essa, apenas aumentam o descaso e vulnerabilidade da população de rua. Exigimos esclarecimentos e a devolução dos pertences tomados”, declaram.
O instituto ainda recolheu depoimentos dos moradores do local. Um deles diz que agora “está apenas com a roupa do corpo e com Jesus”, além de afirmar que os policiais estavam armados. “Eu sei que Jesus passou pela mesma prova eu tô passando, cara. Pô (sic), vir a polícia armado (sic), levar o nosso cobertor, as nossas coisas, nosso carrinho, nossa panela de comer. Isso é ridículo”, diz o homem.
Em nota, a Secretaria DF Legal afirma que a ação, feita em conjunto com as secretarias de Segurança Pública, Desenvolvimento Social, de Obras e com a Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros e SLU, trata da desobstrução de passagens de pedestres, galerias e frente dos comércios estabelecidos do Setor Comercial Sul.
“O espaço estava impedido de funcionar, inclusive durante o dia, devido à ocupação de pessoas em situação de rua, e não apenas durante o pernoite. A ação visa atender a um pedido da comunidade dessas regiões, trabalhadores e do setor produtivo. Pertences pessoais não estão sendo retidos ou apreendidos”, diz um trecho da nota.
O DF Legal ainda afirma que os policiais presentes apoiavam os fiscais durante a retirada “de materiais inservíveis do local”. “Após a operação, os moradores em situação de rua se exaltaram e obstruíram algumas vias, colocando fogo em colchões e roupas. O Corpo de Bombeiros foi acionado, e extinguiu as chamas, desobstruiu as vias e liberou o tráfego para veículos”, informa o órgão.
Em vídeo divulgado pelo órgão, é possível ver os moradores jogando os pertences no caminhão:
MPDFT: auto de infração para justificar recolhimento de pertences
O advogado da instituição, Alex Lindoso, afirma que a ação é um ato de infração quanto às normas estabelecidas pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
“Sem ter qualquer auto de infração, sem a presença de qualquer tipo de assistência social, foram recolhidos bens pessoais novamente, em completo desrespeito contra a resolução do Ministério Público. Ou seja, novamente, os direitos humanos básicos da população de rua foram violados, sem qualquer respeito e justificativa plausível para este tipo de conduta”, reclama.
Publicada pelo MPDFT em 6 de julho de 2021, a Recomendação nº 3/21 afirma que a apreensão de bens pessoais e documentos precisa ocorrer nas “estritas hipóteses legais e mediante a lavratura de auto com essa finalidade”.
Além disso, os agentes de segurança do DF devem “portar crachá ou outra forma de identificação funcional, em lugar visível e durante todo o decorrer do trabalho”. “As abordagens deverão ser filmadas e as imagens preservadas por, pelo menos, seis meses”, frisa o documento.