Saúde

Sociedade de Pediatria reforça urgência no retorno às aulas

Para Andrea Jácomo, da Sociedade de Pediatria do Distrito Federal (SPDF), a escola é o único local de segurança nutricional, alimentar, física e mental para alguns estudantes

Em entrevista ao CB. Saúde, uma parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília, nesta quinta-feira (22/7), a coordenadora do Departamento de Pediatria Ambulatorial da Sociedade de Pediatria do Distrito Federal (SPDF), Andrea Jácomo, reforçou a necessidade da volta às aulas na rede pública de ensino. À jornalista Carmen Souza, Andrea explicou que, para muitas crianças e adolescentes, a escola é o único local que aborda o desenvolvimento coletivo e individual, pessoal, mental dos pequenos. “Eles precisam voltar. Muitos alunos da rede pública perderam o único local de segurança nutricional, alimentar, física e mental”, ressalta.

Para Andrea, mesmo nas situações de maior gravidade as escolas devem ser as últimas a fecharem e as primeiras a serem reabertas. De acordo com ela, as crianças são chamadas, no meio pediátrico, de “vítimas não fatais da covid-19”, uma vez que há aumento no desenvolvimento de doenças mentais entre os jovens. “Os adolescentes foram privados do convívio social, e é uma idade em que o cérebro precisa se privar do convívio com família e entrar em contato com outras realidades, formar a sua personalidade, que vai refletir na vida adulta. Por isso, os pais, pediatras e professores precisam ficar atentos no desenvolvimento das crianças”, garante.

Para a pediatra, a falta de protocolos definidos para o retorno das aulas não se justifica. “Depois de 53 semanas de escolas públicas fechadas, é inadmissível que o nosso país não tenha pensado e se preparado para esse retorno. No mesmo passo que a gente permite funcionamento de bares, restaurantes, eventos esportivos com plateias, as escolas públicas estão fechadas. Não é a prioridade no nosso país. Os nossos professores, infelizmente, ainda não são reconhecidos como essenciais e isso é triste, porque sabemos que a educação é o que dá a possibilidade de as nossas crianças mudarem o mundo”, completa

A modalidade de aulas híbrida; a suspensão de aulas em caso de mais de três alunos positivados para a doença; e a volta às aulas com idades menores, são os protocolos que foram adotados em escolas particulares e é possível ver que têm dado certo, conforme explica Andrea. “Os mais novos são as crianças que não conseguem acompanhar aulas on-line. Os mais velhos vão conseguir fazer esse acompanhamento de conteúdo de qualidade. Para uma criança de 4, 5, 6 anos, que está no período de alfabetização, que precisa dessa concretude, o desafio é muito maior”, diz.

Segundo a coordenadora, o DF já alcançou mais de 37 mil casos na faixa etária pediátrica de menores de 19 anos. “Quando a gente olha entre 11 e 19 anos, são quase 23 mil casos, porque são quem mais circulam, que têm mais dificuldade de evitar o contato social e acabam sendo mais expostas. Então é interessante preservar aqueles que não conseguem acompanhar a aula on-line por questão de desenvolvimento cerebral, e os maiores também vão precisar desse retorno”, garante Andrea.

Consequência 

Uma das situações que têm acometido a faixa etária pediátrica, de zero a 19 anos, é a complicação ocular. Segundo a pediatra, espaços escuros, ambientes fechados, enclausuramento feito no início da pandemia e o uso maior de telas têm influência no problema. “É um trabalho que temos feito, como pediatras, quanto à conscientização dos pais, da importância de brincar ao ar livre, evitando aglomeração e redução do uso de telas para manter a saúde ocular dos nossos filhos”, diz.

O tratamento e o diagnóstico de câncer pediátrico também foram afetados durante a pandemia. De acordo com Andrea, há um grande índice de interrupção de tratamentos, além de diagnósticos tardios. Segundo um artigo publicado na revista científica de medicina The Lancet, mais de 200 instituições que trabalham com oncologia pediátrica participaram de um estudo, sendo dez do Brasil. De acordo com a publicação, houve redução do número de leitos disponíveis e descontinuação do tratamento. “Estamos diante de uma situação, como é o caso do câncer infantil, que não podem esperar, perder tempo. Algumas batalhas são mais difíceis que outras, e lidar com isso durante a pandemia foi um grande desafio e teve um grande impacto”, garante.

A queda na cobertura vacinal de imunizantes fundamentais na vida das crianças também foi uma consequência da pandemia. De acordo com um artigo publicado no The Lancet em 20 de julho, entre 2000 e 2019 houve queda na cobertura vacinal. “Fica evidente como já fomos melhores em vacinar e em proteger nossas crianças. Já existia a dificuldade de logística. Com a pandemia, o medo das pessoas fez, por muito tempo, a suspensão na ida às consultas de rotina, vacina de rotina”, conta Andrea.

A Sociedade Brasileira de Vacinação e a Sociedade Brasileira de Pediatria fizeram uma campanha, em 2020, falando sobre a importância da vacinação. Segundo a coordenadora, foi possível ver o efeito na campanha de vacinação da gripe. “Em 2020, tivemos uma campanha belíssima que conseguimos imunizar muito dos idosos. Mas este ano, ficou muito a desejar. É uma questão de desmobilização da população, então temos que estar atentos, não falhar nessa cobertura para não correr o risco de enfrentar, por exemplo, o que a região norte enfrentou com o sarampo em 2018 e em São Paulo, em 2019”, diz. De acordo com ela, foram mais de 16 mil casos de sarampo, com mortalidade inclusive na faixa pediátrica. “O Brasil foi declarado livre do sarampo em 2015, e em 2018, passamos toda essa dificuldade por uma queda de cobertura vacinal”, pontua.

Confira a entrevista: