Crônica da Cidade

Viva a democracia

O nosso presidente da República está em campanha aberta e escancarada pelo voto impresso. Já vimos esse filme nos Estados Unidos, ele imita o seu ídolo Trump, que, ao perceber a derrota iminente nas eleições para Biden incentivou a invasão do Capitólio por militantes extremistas.


Não faz o menor sentido a campanha, pois, nos EUA, o voto é impresso e foi acusado por Trump de fraude, sem que apresentasse nenhuma prova. Da mesma maneira, sem apresentar qualquer prova, o nosso presidente alega o inverso: existe fraude por causa do voto eletrônico.


É uma tragédia anunciada ou um golpe anunciado na democracia. Isso abrirá caminho para todas as falcatruas milicianas. Com o voto impresso, será muito mais fácil controlar e exercer a pressão para a compra e o assédio das milícias aos eleitores. A razão é óbvia: desde que portou a faixa presidencial, sua excelência começou a campanha para a reeleição.


Se ele não ganhar, só pode ter sido fraude. A escalada sobe de tom quanto mais sua excelência despenca nas pesquisas de avaliação do eleitor. O próprio ex-marqueteiro da campanha vitoriosa do presidente pelo PSL declarou que sua excelência não ganha mais nem eleição para síndico de prédio.


Ainda bem que o presidente do senado, Rodrigo Pacheco, e o presidente do TSE, Luis Roberto Barroso, deram respostas dignas em tom civilizado, mas firme, à investida da turma alinhada com a vanguarda do atraso.


Pacheco afirmou que não há espaço para retrocessos em relação ao Estado democrático de direito. “Todo aquele que pretender um retrocesso será apontado pelo povo brasileiro como inimigo da nação”. E Barroso alertou que tentar impedir as eleições configura um crime de responsabilidade.


Nada disso prosperaria se não fosse a inação, a cumplicidade e a pusilanimidade do presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lyra. Em meio à crise política, ele posa de estadista, pede comedimento e emite declarações evasivas. Como se o Brasil não soubesse que ele está sentado em um orçamento bilionário de emendas e em mais de uma centena de pedidos de impeachment do presidente.


Enquanto isso, o ministério da Defesa e o comando das Forças Armadas emitiram uma nota extremamente infeliz atacando ao senador Omar Aziz, mas com alvo na CPI da Covid, que está apurando a responsabilidade pela morte de mais de 520 mil brasileiros. Aziz disse o que o Brasil inteiro comenta estarrecido: infelizmente, alguns maus militares se envolveram em gestão e negócios nebulosos durante a pandemia.


A crítica foi dirigida a esses maus militares e não à instituição Forças Armadas. Ora, o próprio Exército não aceitou Pazuello de volta, tiveram que arrumar um lugar para ele no Palácio do Planalto. O MPF avaliou a gestão dele à frente do ministério da Saúde como “antiética” e “dolosa”. Sei que não foi essa a intenção, mas a nota desrazoada pode passar a impressão de anuência com os deslizes e desmandos de comandados.
As Forças Armadas são instituições do Estado, não pertencem a nenhum governo, de esquerda ou de direita. Cabe a elas, a defesa da pátria e dos poderes constitucionais. O que se investiga na CPI da Covid não são narrativas; é a morte de mais de 520 mil brasileiros. A democracia acima de tudo, a Constituição acima de todos.