João Batista tem 75 anos, duas separações, um talão de contas atrasadas e duas filhas que foram morar fora da cidade no ano passado. João Batista tem uma dor. João Batista me disse que nenhuma dor é elegante e que ele, o homem com uma dor sempre forte, é apenas alguém muito cansado para lutar. João Batista me disse que nunca caminhou de lado como se portasse coroas, punhais ou qualquer outra bobagem, ele me disse, que Leminski tenha escrito.
Maria José tem 66 anos. Nunca foi freira, nunca beijou, nunca bebeu cachaça, nem vomitou de bêbada nem transou desesperadamente no banco de trás do carro. Maria José me disse que tem, sim, uma infelicidade, mas não liga para quase nada das coisas que nunca fez. Maria José me disse que viver é coisa muito solitária. Maria José me disse que nunca amou ninguém. E de todos os nuncas esse é o que dói mais.
Carlos Ferreira tem 39 anos. Ainda não tomou a vacina da covid-19, mas lamenta, como nunca antes, não morar em Formosa (GO), onde estaria imunizado ao menos com a primeira dose. Ele é servidor público. Ganha bem, trocou de carro no mês passado e levou, ontem, a noiva para jantar num restaurante brega naquele shopping do início da Asa Norte, onde outros servidores, do Ministério da Saúde, tentaram transações pouco republicanas. Achou o filé muito cru, quase berrando. Voltou para a casa sem graça e pensando no que fazer para parar de se sentir assim, tão triste.
Pedro Augusto tem 29 anos. Ontem, beijou sete pessoas só na festa clandestina da boate chique com nome francês no Lago Sul. Ontem ainda, ele conta, transou com duas dentro de um motel barato. Depois, usaram drogas. Ele já estava muito bêbado e vomitou bastante. Pedro Augusto me disse que é um homem muito triste, se é que “posso me chamar de homem”, assim aos 29, sem eira nem beira, vivendo da grana do pai.
Alice Maia tem 17 anos. Espera se casar e ter dois filhos. Uma filha e um filho, mas só dois, porque três “aí, já é muito”. Alice disse que não tem namorado nem sabe quando vai ter. Está estudando para o vestibular. Quer nota boa e curso bom para agradar aos pais. Alice disse que vai ser médica e que acredita muito na felicidade, mas os últimos dias, sozinha entre logaritmos e bainhas de mielinas, têm sido muito tristes.
Gabriel Braga tem quatro meses. Nunca passeou no Eixão de bicicleta, nunca beijou ninguém, nunca sentiu felicidade. O pai vai dar para ele um carro quando passar no vestibular e também uma guitarra logo no aniversário de dez anos, porque ele, o pai, sempre quis um carro aos 18 e também sempre quis tocar Guns numa Les Paul. Nunca tocou. A mãe só quer que ele seja feliz, mas ela mesma, ela mesma — ela me disse — anda triste, tão triste que “só a chuva para lavar tanta dor”.