“Um dia, a Síndrome de Asperger vai ser só uma síndrome, e não um empecilho para meu filho realizar os sonhos dele”, declarou Luciene de Lima, 46 anos, mãe, diarista e apoiadora do filho Luis Felipe Lima Sales, 19 anos, portador da Síndrome de Asperger. Luis Felipe, 19 anos, estuda jornalismo e produz vídeos para o YouTube desde os 13. Ele adora fotografia e pretende seguir no ramo audiovisual.
Aos 3 anos, ainda na creche, Luciene notou que o filho tinha dificuldade para interagir e conviver em grupo. Além disso, ele gostava de brincar sozinho e tinha sensibilidade a barulho. Com ajuda de uma professora, a mãe decidiu procurar uma especialista em neuropediatria, que investigou o caso do menino. O diagnóstico apareceu aos 5 anos (considerado tardio): síndrome de Asperger. Para Luciene, a descoberta gerou confusão. “Quando a doutora me explicou, eu simplesmente peguei meu filho e fui pra casa. Eu sabia que ele tinha uma síndrome, mas não conhecia, não sabia o que era, onde procurar ajuda, se tinha cura ou remédio. A única coisa que eu sabia é que ele tinha uma síndrome”, disse a mãe, que na época se considerava leiga no assunto. Mas ela não desistiu. Luis começou tratamento com um psiquiatra para tratar o toque e o deficit de atenção.
“A síndrome é um transtorno neurológico do espectro autista, caracterizado por dificuldades significativas a nível dos relacionamentos sociais e comunicação não verbal, a par de interesses e padrões de comportamento restritos e repetitivos, geralmente com maior adaptação funcional. Pessoas com essa condição podem ser desajeitadas em interações sociais e ter interesse em saber tudo sobre tópicos específicos”, explicou o psicólogo clínico Igor Barros. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 1 em cada 160 crianças tem Transtorno do Espectro Autista (TEA), no mundo.
O autismo é um espectro: embora algumas pessoas com o transtorno possam viver de forma independente, outras têm graves incapacidades e necessitam de cuidados e apoio ao longo da vida. Cada diagnóstico é único e se manifesta a partir de um conjunto de fatores — comportamentais, emocionais e cognitivos. A OMS descreve o TEA como um transtorno do desenvolvimento que afeta a comunicação e o comportamento, que pode ser diagnosticado em qualquer idade.
“A Síndrome de Asperger ainda não apresentou um tratamento com resultados de cura, mas tem tratamentos variados, que funcionam melhor de acordo com as singularidades de cada criança. Existem múltiplas abordagens psicossociais apoiadas em evidências científicas. A participação ativa da família e das pessoas mais próximas da criança é fundamental, uma vez que o melhor aproveitamento das terapias e tratamentos só acontecem com algumas mudanças do meio social em que a criança vive”, ressaltou o psicólogo.
Período escolar
Luis estudou toda a educação básica na rede pública do Distrito Federal. Ele passou pela Escola Classe 01, pelo Centro de Ensino Fundamental (CEF) 4 — ambos em Ceilândia — pelo CEF 1 e pelo Centro Educacional (CED) 1 — esses no Riacho Fundo 2. No ensino fundamental, Luis Felipe foi vítima de bullying várias vezes, pois os colegas de sala não o respeitavam. Além disso, devido ao TEA, ele tinha dificuldades de comportamento e não copiava os deveres, não prestava atenção às aulas e recebia diversas reclamações. Apesar disso, o menino continuou batalhando, estudou e nunca reprovou de ano.
Para ele, não foi um período fácil. Esse quadro só melhorou por volta dos 15 anos, quando começou um tratamento psiquiátrico, com auxílio de remédio. O acompanhamento da escola e a maturidade que ele e os demais colegas adquiriram com o passar do tempo foram fundamentais para a melhora do garoto. O estudante contou que teve ajuda de monitor em sala de aula durante o 1º e o 2º anos do ensino médio, mas não precisou mais da assistência no 3º ano. Ele também recorreu à Sala de Recursos, que é utilizada para dar suporte aos alunos com algum tipo de deficiência e transtorno.
Porém, ainda nesse período, ele foi agredido dentro da sala de aula. “Dia 3 de abril, um dia depois do Dia Mundial do Autismo, o Luis Felipe foi agredido por um colega de sala, que convivia sempre com ele. Isso foi tão marcante para nós, porque ele bateu tanto no rosto do Luis, que chegou a quebrar o nariz dele em várias partes. A agressão só parou quando o aluno percebeu que tinha machucado um dos dedos, de tanto esmurrar meu filho”, explicou Luciene, com a voz embargada. Logo após o episódio, o aluno que teve mau comportamento foi transferido da escola, e Luis recebeu todo o apoio necessário para continuar.
A Subsecretaria de Educação Inclusiva e Integral (Subin) realizou, em 2019, um projeto pré-vestibular chamado “Enem Inclusivo”, que auxiliou Luis e outros alunos na escolha de uma profissão durante o último ano do ensino médio. A iniciativa teve como objetivo preparar o público da educação pública inclusiva para fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Foram oito encontros na Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec), nos sábados que antecederam a avaliação.
Youtuber e futuro jornalista
Atualmente, Luis estuda jornalismo na Universidade Paulista (Unip) e está no quarto semestre. A facilidade com as câmeras vem desde 2015, quando o jovem criou um canal no YouTube. Com celular, tripé e criatividade, ele faz treinos de repórter com direito a aplicativo de celular que simula um teleprompter. O canal tem 3,8 mil inscritos e não possui um foco específico; Luis Felipe gosta de falar da própria rotina. Ele posta sobre exercícios, ensina receitas, faz lives, conta histórias, grava músicas autorais e compartilha bons momentos com os seguidores, como quando tomou a primeira dose da vacina contra covid-19. Um dos vídeos de maior alcance chegou a ter 25 mil visualizações.
“Eu estava no terceiro ano. Como eu gostava de câmera, decidi pesquisar sobre as profissões. Fiz algumas listas, sobre o que encaixava melhor para mim, de acordo com meus gostos, e acabei decidindo pelo jornalismo. Eu respeito qualquer profissão que uma pessoa queira seguir, até porque somos livres e podemos escolher o que queremos”, disse Luis Felipe.
Na faculdade, alunos e professores respeitam e apoiam Luis na jornada. “Hoje em dia, o que nós temos que colocar à frente é o respeito. Seja qual for a diferença, deficiência, escolha de vida das pessoas ou no projeto dos sonhos, o respeito é algo mais valioso”, afirmou Luciene.