Com seis meses de campanha de vacinação contra a covid-19, o Governo do Distrito Federal (GDF) determinou o retorno ao trabalho presencial de servidores ligados ao Executivo local que estavam em home office — cerca de 178 mil pessoas, segundo o Portal de Transparência do DF. Um decreto assinado pelo governador Ibaneis Rocha (MDB) prevê que todos os funcionários devem retornar, inclusive os não imunizados contra a doença. O texto também permite que empresas privadas e o Poder Judiciário voltem às atividades no escritório. No entanto, com a circulação da variante Delta — identificada primeiro na Índia —, alguns trabalhadores têm medo de regressar aos postos.
O decreto, publicado em edição extra do Diário Oficial (DODF) de 1º de julho, estabelece que o retorno não se aplica às gestantes nem a servidores com hipersensibilidade ou reação anafilática às vacinas. Além disso, pessoas com mais de 60 anos ou comorbidades podem voltar para o regime presencial só após 15 dias da conclusão do ciclo de imunização — seja por meio da aplicação do reforço ou da dose única do imunizante.
A funcionária pública Ana*, 33 anos, atua em uma secretaria do DF e contraiu a covid-19 no trabalho, no fim de 2020. “Quando um colega e eu pegamos a doença, a chefia testou todos e pediu para quem tivesse tido contato conosco ficar em casa, sob observação”, relata. Após o decreto, a moradora do Noroeste voltou ao regime presencial, mesmo sem estar vacinada. “Fico de máscara o dia inteiro, mas, mesmo assim, não sinto segurança. Até pessoas jovens e sem comorbidade têm ficado em estado grave. Só com a vacina nos sentiremos seguros”, completa.
Às chefias de cada órgão ou empresa caberá determinar como será o fim do teletrabalho. O Executivo local informou que as medidas de proteção a serem seguidas estão dispostas no Decreto nº 41.913/2021. Elas incluem a manutenção da distância de dois metros entre as pessoas; o uso de equipamentos de proteção individual por todos; escalas de revezamento das equipes; disponibilização de álcool em gel; garantia da ventilação natural no ambiente; e aferição da temperatura dos funcionários ao longo do expediente, com registro em planilha.
Para o Sindicato dos Servidores e Empregados da Administração Direta, Fundacional, das Autarquias, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista (Sindser-DF), a volta ao trabalho presencial é inoportuna. “Queríamos que os funcionários só voltassem a trabalhar 15 dias depois da segunda dose, porque conhecemos o sistema. Sabemos que nem sempre há estrutura de espaçamento para os trabalhadores e que pode haver o contato com o vírus”, afirma o diretor da entidade, André Luiz da Conceição.
O Sindicato dos Empregados em Empresas de Asseio, Conservação, Trabalho Temporário, Prestação e Serviços Terceirizáveis no Distrito Federal (Sindserviços-DF) também é contra o retorno. “Se o servidor vai trabalhar, nós temos de ir. Não tem como faltar. Mas isso não é ok”, critica Maria Isabel Caetana, presidente da instituição.
Judicialização
Recentemente, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), que conta com 7,5 mil servidores, autorizou que a volta dos que fazem parte do grupo de risco ocorra 30 dias depois da imunização. Em 7 de julho, magistrados, colaboradores e funcionários de empresas que atuam na sede da corte puderam voltar, mesmo sem vacinação, se tivessem autorização dos responsáveis pelo respectivo cada setor. Desde 3 de agosto de 2020, há a autorização para a realização de audiências presenciais. O acesso ao prédio só é liberado caso a pessoa use máscara e tenha temperatura corporal abaixo de 37,5°C.
O advogado César Semensatti, integrante da Comissão de Direito Trabalhista e Sindical da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF), destaca que a procura por apoio judicial aumentou após a publicação do decreto. No entanto, ele recomenda tentar um acordo com a chefia antes de recorrer à Justiça. “(A covid-19) pode ser considerada uma doença decorrente do trabalho. Se o funcionário ficar incapacitado por mais de 15 dias, pode receber benefício previdenciário do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social)”, alerta. O especialista reforça que a empresa pode ser responsabilizada caso o funcionário tenha sequelas ou gastos com o tratamento, que podem ser ressarcidos.
Apesar disso, em 8 de julho, a OAB-DF, o Conselho Federal da instituição (CFOAB) e a Associação de Advogados Trabalhistas do Distrito Federal (AATDF) pediram que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) retomasse as atividades presenciais. Em ofício à presidente da corte, os signatários mencionaram o decreto publicado pelo GDF no início de julho.
Empresas privadas ligadas a órgãos públicos também convocaram os funcionários de volta. João Marcello Marques, 24, é operador de teleatendimento em uma terceirizada do Banco do Brasil. Há quase um mês, retornou ao trabalho presencial, mas ainda não foi vacinado. Na área onde ele atua, há quase 400 trabalhadores. A empresa distribuiu máscaras e reforçou a higienização dos ambientes, mas isso não levou tranquilidade à equipe. “Ainda corremos risco de nos contaminarmos, porque estamos em um ambiente onde há aglomeração. Estamos navegando conforme a maré, porque ficar sem emprego não dá”, lamenta.
Com a confirmação da transmissão comunitária da variante Delta no DF, o epidemiologista e vice-coordenador da Sala de Situação da Universidade de Brasília (UnB) Mauro Sanchez avalia que o momento não é ideal para o retorno às atividades presenciais. Além de cobrar o cumprimento das medidas não farmacológicas, é necessário monitorar a evolução dos indicadores relativos à pandemia. “Se eles mostrarem tendência de subida do número de casos e mortes, o governo não pode esperar para voltar a restringir a circulação de pessoas. Estamos em uma corrida entre a cobertura vacinal e a iminência do estabelecimento da variante (Delta), que já infectou pessoas daqui”, ressalta.
*Nome fictício
Palavra de especialista
Retorno com segurança
É fundamental que mesmo as pessoas vacinadas mantenham o uso da máscara. O ideal é ter uma de qualidade, que realmente proteja, como a N95 ou a PFF2, pois podem ficar no rosto um dia inteiro. No caso das cirúrgicas, é preciso trocá-las de quatro em quatro horas. As de pano têm uma capacidade de filtração muito ruim e baixa; por isso, não são indicadas para o ambiente de trabalho. Além disso, é importante manter o local arejado e, se possível, um distanciamento de, ao menos, dois metros entre as pessoas. Também não é recomendável usar ar-condicionado, pois ele puxa e devolve o ar para o mesmo ambiente diversas vezes. Os filtros retêm grandes partículas que ficam suspensas, mas não seguram o novo coronavírus. Limpar o espaço com álcool também ajuda, como uma questão de higiene geral. Pessoas mais velhas e com comorbidades, mesmo que vacinadas, se trabalham em local pouco ventilado e com muitas pessoas, devem ficar em casa. Ainda temos uma transmissão muito alta do vírus e, para ter um retorno totalmente seguro, é bom esperar que ela caia mais.
Marcelo Daher, infectologista e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI)
Atividades mantidas
Funcionários que atuam no Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) e nas unidades do Na Hora estão em regime presencial desde o ano passado, após a primeira onda da covid-19. Desde então, as atividades nos endereços se mantiveram, com horário reduzido e disponibilização de serviços on-line. Nas delegacias, não houve redução do efetivo.
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