Entrevista

"A CPI tem que dar nome e CPF dos corruptos", diz Simone Tebet

A senadora acredita que a "CPI já tem fortes indícios e muitos elementos probatórios da prática de crimes, incluindo a corrupção passiva e ativa"

Ana Dubeux
postado em 18/07/2021 21:31 / atualizado em 18/07/2021 23:42

Não é sobre abrir portas; é sobre empurrá-las. Assim a senadora Simone Tebet (MDB) reflete a respeito do seu pioneirismo na política. Primeira prefeita de sua cidade natal, Três Lagoas (MS), não parou mais de derrubar muros. Mas não se sente só na empreitada: “Não sinto que é uma presença solitária. Ainda somos poucas, mas a luta coletiva não nos faz sozinhas”.

Sabe, no entanto, que a luta é árdua. “Isso exige sacrifícios, o que compromete, não raras vezes, a vida pessoal. Ficamos suscetíveis às críticas, à difusão de fake news e a muitas outras formas de violência política. Sofremos, sim, assédio de todos os tipos, especialmente o psicológico”, conta, nesta entrevista ao Correio.

Essa realidade não é mais branda na CPI da Covid-19, na qual tem tido participações destacadas. “A CPI tem sido um celeiro de atitudes grosseiras para com a bancada feminina. A melhor forma de combater é fazer o que estamos fazendo. Mostrar que somos capazes, que nossa atuação faz diferença e é importante para o país. Tentaram, mas não conseguiram calar a nossa voz”, diz.

A senadora acredita que a “CPI já tem fortes indícios e muitos elementos probatórios da prática de crimes, incluindo a corrupção passiva e ativa”. “Temos documentos, troca de mensagens, quebras de sigilos. Na volta do recesso, a CPI terá de colocar nome, sobrenome e CPF dos responsáveis. Quem foram os corruptores, os cooptados, os atravessadores, os servidores, os agentes políticos”, avalia.
Sobre uma possível candidatura à presidência, Simone Tebet diz que não é hora de pensar em 2022, mas que a possibilidade de uma terceira via, fora dos extremos, é bem-vinda.

 

A primeira a presidir a Comissão de Constituição e Justiça do Senado,
a primeira vice-governadora do Mato Grosso do Sul, a primeira
líder de bancada do PMDB… Como encarou a presença solitária,
como mulher, nos diversos postos que assumiu quebrando tabus?
Na minha trajetória política, realmente fui pioneira por diversas vezes. Comecei sendo a primeira prefeita da minha cidade natal, Três Lagoas. Depois, foi uma sequência de “abrir portas” embora, muitas vezes, tenha sido preciso “empurrá-las”.
Claro que isso me dá orgulho, mas também não nego uma ponta de tristeza. Já estamos na década de 20 do século 21, e eu ainda tenho sido a primeira a ocupar postos importantes na política. O que me conforta é que isso significa saber que, depois de mim, virão muitas outras mulheres. Não sinto que é uma presença solitária. Ainda somos poucas, mas a luta coletiva não nos faz sozinhas.

O que diria a uma jovem adolescente que sonha em ingressar na política?
Eu fui uma jovem que gostava muito de política, mas achava que meu papel era trabalhar nos bastidores. Mas eram outros tempos. Hoje, precisamos, sim, apoiar mulheres, especialmente as jovens, que sintam e queiram se engajar politicamente. Na verdade, há, hoje, talvez como em nenhum outro momento, um chamado para a vida pública. Isso exige sacrifícios, o que compromete, não raras vezes, a vida pessoal. Ficamos suscetíveis às críticas, à difusão de fake news, e a muitas outras formas de violência política. Sofremos, sim, assédio de todos os tipos, especialmente o psicológico.
Mas, o sobrenome da mulher é coragem. E sei que o Brasil tem milhares de jovens insatisfeitas com o que estão vendo na política e com esse desejo, tão ímpar, da juventude de promover mudanças. Então, venham para a política! Não tenham medo! Tragam a sua verdade e trabalhem por um país com mais desenvolvimento, educação e justiça social. Sigam o caminho da boa política.

As mudanças na legislação eleitoral aprovadas pelo Senado
vão mesmo garantir espaço maior às mulheres na política?
Há anos temos lutado por isso. Fazendo uma retrospectiva, percebemos que estamos num crescente nas conquistas. A “bancada do batom”, na Assembleia Nacional Constituinte em 1987-1988, foi fundamental para inserir na Carta Magna direitos essenciais para as mulheres brasileiras. Depois, conseguimos estabelecer a cota de 30% de candidaturas, brigamos na Justiça por mais recursos e tempo de rádio e TV nas eleições e, agora, esta semana, aprovamos uma PEC e um PL importantíssimos, neste mesmo sentido. É um passo a mais para termos mulheres nos Legislativos. Queremos 30% de vagas — e não mais somente candidaturas — de mulheres nos Legislativos federal, estadual e municipal. Será um grande avanço. Hoje, somos 15% no Congresso e cerca de 10% nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Como a realidade atual é de prevalência dos homens no Congresso, precisamos ir, aos poucos, conquistando nosso espaço. Por isso, o texto propõe a ampliação das vagas de forma gradual, começando com 18% já nas próximas eleições, subindo para 20%, 22% e 30%, até 2040.

As mulheres precisam trabalhar mais do que os homens para obter o mesmo reconhecimento. A senhora enfrentou
discriminação e preconceito ao
longo da sua carreira?
Sim. Certamente. Infelizmente, ainda vemos mulheres que, exercendo a mesma função, ganham menos do que os homens. Isso implica que as mulheres precisam, sim, fazer mais, estudar mais, se dedicar mais, porque somente assim conseguem ter o tratamento igualitário. A esperança é que a nova geração já se comporta de forma diferente. O tal “empoderamento” já entrou no vocabulário das meninas. Os meninos também estão aprendendo que não existe mais profissão exclusivamente “de homem”.

Qual a forma adequada de lidar com os preconceitos sexistas no dia a dia dentro e fora do parlamento? A discriminação de gênero ainda é demolidora na política?
Qualquer forma de preconceito é demolidora. Infelizmente, temos visto episódios muito tristes de preconceito e machismo. A CPI tem sido um celeiro de atitudes grosseiras para com a bancada feminina. A melhor forma de combater é fazer o que estamos fazendo. Mostrar que somos capazes, que nossa atuação faz diferença e é importante para o país. Tentaram, mas não conseguiram calar a nossa voz.

A senhora é filha de uma lenda política. A política brasileira decaiu?
Obrigada pela referência tão carinhosa ao meu saudoso pai, Ramez Tebet. Infelizmente, sou obrigada a concordar que estamos vivendo um apagão de grandes lideranças. Fazem falta homens públicos como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Teotônio Vilela,Mário Covas, e tantos outros de outros tempos políticos. Temos hoje bons políticos, aqueles que indicam caminhos, mas nos faltam grandes estadistas, os que caminham, e nós os seguimos. O estadista é aquele que, como diria o poeta, quando parece não haver caminho, o faz ao caminhar.

Seu nome aparece bem nas listas de pré-candidatos à presidência em 2022. Essas citações a encorajam? A presidência é um sonho? O MDB se uniria em torno da sua candidatura?
Estamos diante da pior crise sanitária da história do Brasil. Graças às vacinas, o número de mortes tem caído. Estamos em meio a uma CPI que pode ter um desfecho demolidor na política nacional. Temos de resolver a gravíssima crise econômica, com índices assustadores de desemprego e de fome. Não é hora de falar de 2022. Sou a favor da construção de uma terceira via consistente com reais chances de vitória. O Brasil não merece a repetição de uma disputa entre os extremos. Em relação ao meu partido, tenho dito que meu nome está à disposição, mas não escondo a minha preferência por concorrer à reeleição ao Senado. Mas, em política, tudo muda muito rapidamente. Então, o momento é de serenidade para aguardar a hora certa para decidir.

Por que é ainda tão baixo o número de mulheres em cargos significativos de órgãos públicos e empresas? Preconceito? Machismo?
Prefiro olhar pelo lado positivo. As mulheres estão conquistando espaços como CEOs de grandes empresas. Há pesquisas que indicam maior lucratividade nos negócios geridos por mulheres. Então, acredito que é questão de tempo. Hoje em dia, a maioria dos bancos universitários são ocupados por mulheres. Haverá mais equilíbrio na ocupação de postos-chave no futuro, seja nas grandes corporações, seja nas ciências ou na política. O machismo é cultural e estrutural, mas está sendo quebrado, ainda que mais devagar que o devido.

Qual a materialidade de corrupção no caso da Covaxin?
Temos fortes indícios e muitos elementos probatórios da prática de crimes. Isso mesmo: no plural, incluindo a corrupção passiva e ativa. Temos documentos, troca de mensagens, quebras de sigilos. Na volta do recesso, a CPI terá de colocar nome, sobrenome e CPF dos responsáveis. Quem foram os corruptores, os cooptados, os atravessadores, os servidores, os agentes políticos.

Está convencida de que houve prevaricação do presidente Bolsonaro? Que provas a CPI já elencou para comprovar o crime do presidente?
Houve omissão do governo federal na condução errática da pandemia. Da primeira fase da CPI, temos elementos que dão conta do estímulo ao uso de medicamentos sem comprovação científica, da ação para fazer a população acreditar na imunidade de rebanho, do atraso na compra de vacinas, da falta de planejamento nacional na condução das ações voltadas à pandemia, da inexistência de comunicação com a população no sentido de uma melhor proteção contra o coronavírus.
Agora, já existe materialidade de crimes relacionados à negociação para a compra da Covaxin. O presidente diz que, ao ser informado pelos irmãos Miranda, passou a bola adiante para o então ministro da Saúde, general Pazuello. Esse, por sua vez, disse ter encaminhado a incumbência da investigação para o então secretário executivo, coronel Élcio Franco, o mesmo que, em um único dia, se deu por satisfeito para encerrar qualquer averiguação de irregularidade. Onde está a comprovação do pedido de investigação? Ainda não chegou à CPI documento que comprove não ter havido prevaricação por parte do governo federal.

Qual o papel e a importância das mulheres nos trabalhos da CPI?
Estamos estudando os documentos públicos e sempre temos conseguido pontuar aspectos importantes que têm contribuído enormemente para as investigações. Todos lembram que, após horas de interpelação, o deputado Luis Miranda revelou o nome do líder do governo, deputado Ricardo Barros, durante os meus questionamentos. Eu também questionei a veracidade dos invoices da Precisa Medicamentos, demonstrando erros primários nos documentos. Temos exemplos de contribuições essenciais das senadoras Eliziane, Leila, Zenaide, Soraya, enfim, a bancada feminina está unida para que sempre estejamos presentes na CPI. Apesar de não terem nos dado direito a uma cadeira, temos nos feito ouvir e estamos procurando fazer a diferença.

Sua atuação firme e implacável na CPI a fez virar alvo do exército bolsonarista nas redes
sociais. Isso a amedronta?
Isso tudo é fruto da divisão que se acelerou nos últimos tempos. Caminho ao largo desses extremos. Já passei por vários momentos difíceis nas redes. O que não admito é mentira. Fake news. Já fui vítima de injustiças. Acho interessante e fico muito grata a todos os que me defendem, porque conhecem, e reconhecem, as minhas ações. Isso é muito bom. Apesar dos ataques, tenho percebido uma mudança de humor nas minhas redes. Muitas manifestações de apoio, e isso me dá força para seguir em frente, sabendo que estou no caminho certo.

O que mudou na sua rotina neste ano de pandemia?
Muita coisa. Acho que, como todos os brasileiros que passaram a atuar em home office, trabalhei até mais. Ganhei maior familiaridade com todas essas ferramentas de reunião virtual. Aliás, o que seria de nós sem essa tecnologia? Esse ano e meio que passou foi muito diferente de tudo o que já vivemos. Entretanto, embora possa ter produzido muito, sinto falta do contato pessoal. É próprio da política a conversa olho no olho. Nas duas últimas semanas, fizemos esforço concentrado, e a volta ao presencial foi muito boa para todos nós.

Como ficam as grandes questões da humanidade no pós-pandemia?
Ficam ainda maiores. Não há dúvida de que teremos de repensar muitos paradigmas de antes, porque o mundo não será mais o mesmo. Certos dogmas, na política, na economia, e na vida no seu todo, terão de passar por um novo crivo. Muitas verdades de antes deverão ser contestadas. Descobrimos, agora, os milhões de “invisíveis”, quando, na verdade, a política é que era cega em relação a eles. Teremos de trazer para mais perto o conceito de desenvolvimento, no lugar do mantra do crescimento. O desenvolvimento é o crescimento com distribuição de renda. A desigualdade social não pode ser, apenas, tema de discursos. Ou de planos que prometem tudo mudar, mas para que, ao final, tudo permaneça como está.

Que ensinamento este momento nos deixa?
É um momento de muita resiliência, solidariedade, saudade. Difícil. Muitas pessoas perderam entes queridos e amigos, muitos ficaram sem emprego, muitos passam fome. É uma crise sem precedentes. Atingiu a economia, mas, especialmente, o emocional de todos nós. Claro que, depois de tudo isso, a vida ganhou novo significado. Espero que possamos sair melhor.

Como vê a perda de tantos brasileiros na pandemia? Os governos deveriam ter sido mais céleres nas decisões? Que exemplo no mundo poderia ser usado no Brasil?
É muito triste. Sinto a dor das famílias enlutadas que, em muitos casos, perderam seus entes queridos prematuramente. O mais revoltante é que muitas vidas poderiam ser poupadas, se as pessoas tivessem sido vacinadas a tempo, e se a ciência também tivesse se poupado do negacionismo que imperou entre nós, neste momento tão difícil. Nesse quesito, o mundo está repleto de bons exemplos. A recíproca não é verdadeira. Aqui, o que mais se viu foram os maus exemplos.

A importância da união em torno de um projeto suprapartidário para mitigar os efeitos da pandemia nos próximos anos é possível?
Eu sou uma pessoa que valoriza o diálogo. Temos de nos sentar à mesa para absorver as melhores ideias de cada um e construir programas consistentes e políticas públicas eficazes. Entendo que o caminho seja mesmo esse. De forma republicana, uma união suprapartidária seria importante para encontrar as melhores saídas para o pós-pandemia. Não é hora de extremismos. Não é hora de muros que nos dividam, muito menos de cercas que nos segreguem.

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