Vez por outra o nome Leila Barros, ou simplesmente Leila do Vôlei, aparece na lista de possíveis candidaturas ao governo do Distrito Federal. A atleta, nascida em Taguatinga, tornou-se senadora do DF em 2019 pelo PSB, mais uma vitória para sua coleção de troféus, está longe das quadras — “o maior desafio da minha vida”, confessa. Sobre a disputa ao Buriti, ela aguarda o momento certo para entrar no jogo. Por enquanto, admite apenas sentir-se lisonjeada com a lembrança de seu nome.
No período da pandemia, Leila, assim como todas as mulheres, viu sua carga de trabalho dobrar. Recuperada da covid-19, que afetou 40% dos seus pulmões, experimentou, ali, a “sensação de finitude”. “Mexeu muito comigo”, confessa. Crítica da forma como o governo federal agiu na pandemia e também da exclusão de mulheres na composição da CPI da Covid, não deixou de participar e questionar depoentes. E acredita que o trabalho já surtiu efeito: “A CPI da Covid-19 já deu certo. Ela mostrou uma linha cronológica do que ocorreu para que chegássemos à triste marca de mais de 530 mil mortos. Ela jogou luz, por exemplo, na estratégia equivocada do governo federal de apostar na tese da imunidade de rebanho”.
Agora, trabalha para que as mulheres tenham garantias melhores de participação tanto nas próximas CPIs quanto nas próximas eleições. Acredita que, por razões históricas, culturais e estruturais, elas ainda são vítimas de misoginia em todos os ambientes, inclusive na política. Nesta entrevista, resume sua experiência: “Difícil conhecer alguma mulher que jamais tenha sido vítima de ataques sexistas. Foi assim nas quadras, na Secretaria de Esportes, quando tive que lidar com a desconfiança daqueles que toparam com a primeira mulher a ocupar esse cargo no GDF, e é assim no Senado Federal, um ambiente predominantemente masculino e que reflete as dificuldades de vivermos em uma sociedade cujo machismo é estrutural”.
Como atleta, presente em três Olimpíadas, acostumou-se a vencer barreiras e limites. Com o machismo, não é diferente: “Isso não me para. O preconceito e as atitudes sexistas são combustíveis para que eu lute mais por igualdade de direitos e pelo fim da violência contra a mulher”.
Autora de duas leis já em vigor, Leila acredita que o grande desafio brasileiro será o crescimento econômico sustentável e com a responsabilidade fiscal e social andando lado a lado. “Ninguém quer quebrar o Brasil e precisamos pensar em um Estado inclusivo e que acolha os mais pobres. Atualmente, o país é um grande concentrador de renda e um grande gerador de desigualdades”, diz.
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Ser a primeira senadora eleita do DF é tão desafiador quanto participar de três Olimpíadas?
Sem dúvida. Ser senadora é tão desafiador quanto jogar as Olimpíadas. Porém, quando analisamos a responsabilidade de estar no Senado, principalmente, neste cenário de extrema polarização política e de convívio com uma pandemia que virou o mundo de cabeça para baixo, entendo que este é o maior desafio da minha vida. As lições que aprendi no esporte têm me ajudado muito a lidar com as pressões que vivemos diariamente dentro do Senado e nas ruas. Aprendi muito cedo em minha vida que o único atalho para a excelência e o sucesso é o trabalho. Então, cada vez que eu acordo, sempre me coloco em alerta para trabalhar e desempenhar minha função com ética, responsabilidade, humildade e respeito pelos meus colegas e, principalmente, pelos brasilienses.
Sua origem taguatinguense, o bom trânsito em todos os partidos, a atuação em causas sociais e forte presença como liderança feminina a credenciam como uma potencial candidata ao Governo em 2022. Você será candidata ao GDF?
O fato de estar no Senado Federal faz com que uma candidatura ao GDF seja um caminho natural, mas as eleições ainda estão distantes para definir qual caminho seguir. Fico lisonjeada com as notícias que leio envolvendo o meu nome. Inclusive aquelas que tentam depreciar o que venho construindo. É sinal de que o mandato está sendo bem executado. Tenho um grande orgulho dos resultados alcançados até agora e de poder dialogar respeitosamente com todos os partidos. Em dois anos e meio como senadora, sou autora de duas leis já em vigor. Leis que estão impactando a vida de milhares de pessoas. Uma delas é a Lei nº 14.132, que criminaliza a prática do stalking. Está em vigor há apenas três meses, mas já registra milhares de ocorrências em todo o Brasil. Em São Paulo, já são 686 boletins de ocorrência. No Rio Grande do Sul, foram registrados 1.085 casos e aqui no DF, também nos primeiros meses, a polícia recebeu 242 denúncias.
Partidos de esquerda, centro e direita cobiçam o seu apoio. Em que palanque político subirá nas eleições?
Na minha trajetória de vida, eu sempre estive inserida em grupos que eram compostos por pessoas com costumes, culturas e personalidades distintas. Talvez por isso eu tenha uma certa facilidade de conviver de forma harmoniosa com todos. É algo que prezo muito e está na minha essência como mulher e cidadã. Portanto, estarei ao lado de quem se propor a fazer política com equilíbrio, moderação, espírito público, sem ataques gratuitos e desmedidos e, sobretudo, com muito respeito por aqueles que pensam de forma divergente, sejam eles adversários ou aliados políticos.
Na sua trajetória como atleta de vôlei, como secretária de Esportes e como senadora da República já foi vítima de preconceito sexista?
Claro. Difícil conhecer alguma mulher que jamais tenha sido vítima de ataques sexistas. Foi assim nas quadras, na Secretaria de Esportes, quando tive que lidar com a desconfiança daqueles que toparam com a primeira mulher a ocupar esse cargo no GDF, e é assim no Senado Federal, um ambiente predominantemente masculino e que reflete as dificuldades de vivermos em uma sociedade cujo machismo é estrutural. Mas isso não me para. O preconceito e as atitudes sexistas são combustíveis para que eu lute mais por igualdade de direitos e pelo fim da violência contra a mulher.
A que se deve o reduzido número de mulheres na política? Como reverter isso?
Existem diversas razões históricas, culturais, políticas, econômicas e sociais que impuseram às mulheres brasileiras uma baixa ocupação nos cargos eletivos do país. A conquista de mais espaço na política passa obrigatoriamente pela identificação e o incentivo às candidatas que se mostrem realmente vocacionadas para a atividade. E os comandos partidários também deveriam ser mais atuantes neste sentido, garantindo espaço e recursos às mulheres que queiram entrar na atividade política para promover mudanças sociais. Mas a melhor maneira de termos mais mulheres na política é mostrando à sociedade que podemos ocupar nosso espaço nos cargos de representatividade. Estamos em vias de discutir outra reforma eleitoral e, juntamente à bancada feminina, vou batalhar pela manutenção das cotas femininas e do suporte dos partidos para as candidatas.
Foi preciso um esforço enorme para que a bancada feminina participasse da CPI da Covid. Por que isso ainda acontece no Brasil?
Uma imagem vale mais do que mil palavras. Os mais atentos viram, ali, as dificuldades para as mulheres conquistarem espaços na política. Somos apenas 12 senadoras, entre os 81 integrantes da Casa. Na CPI, alguns homens tentaram calar a nossa voz. Não conseguiram, nem vão. Estamos dispostas a lutar por mais direitos, inclusive fazendo alterações no Regimento Interno do Senado. O fato de a maioria das mulheres serem senadoras independentes fez com que fossem indicados outros nomes para a CPI. Estamos negociando com o presidente do Senado uma saída para que problema desse tipo não se repita. Queremos garantir que a bancada feminina tenha assento em colegiados onde nenhuma mulher for indicada inicialmente. É uma forma de assegurar que a nossa voz ecoe.
Qual a sua avaliação sobre os trabalhos da CPI?
Na minha avaliação, a CPI da Covid-19 já deu certo. Ela mostrou uma linha cronológica do que ocorreu para que chegássemos à triste marca de mais de 530 mil mortos. Ela jogou luz, por exemplo, na estratégia equivocada do governo federal de apostar na tese da imunidade de rebanho. Também revelou a omissão na negociação de vacinas da Pfizer e os ataques à vacina fabricada pelo Instituto Butantan. Agora estamos investigando indícios de corrupção no caso da Covaxin. Está muito claro que faltou a liderança do governo federal para construir um plano de enfrentamento ao vírus e que o Ministério da Saúde não soube cumprir o seu papel constitucional de coordenar o SUS. É como o próprio ex-ministro Eduardo Pazuello disse na CPI, em resposta a um dos meus questionamentos: “todos os gestores públicos são responsáveis” pelo triste cenário que vivemos. Por outro lado, lamentavelmente, por uma decisão do STF, não pudemos nos aprofundar no uso dos recursos federais enviados a Estados e Municípios, o que reforça a necessidade de os poderes Legislativos estaduais, municipais e do Distrito Federal cumprirem seus deveres de investigar os poderes Executivos locais.
Como vê a perda de tantos brasileiros na pandemia? Os governos deveriam ter sido mais céleres nas decisões? Que exemplo no mundo poderia ser usado no Brasil?
É muito triste receber uma ligação de uma pessoa pedindo para conseguir um leito de UTI e você não conseguir ajudar porque todos estão ocupados. É massacrante. Dói ver que mais de 3 mil vidas foram perdidas em um único dia. É revoltante porque tivemos tempo para nos preparar. A doença veio avançando da Ásia pela Europa e, até chegar aqui, levou pelo menos três meses. O Hospital de Campanha de Ceilândia, por exemplo, foi entregue à população com 8 meses de atraso. Sem falar nos indícios de corrupção na Secretaria de Saúde. Não seguimos o exemplo dos países que apresentaram as menores taxas de mortalidade. Eles, aliás, assumiram posturas semelhantes, recomendadas pela ciência. Infelizmente não temos como evitar as mortes, mas poderíamos ter reduzido esse quantitativo. A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, por exemplo, tiveram um bom resultado com medidas que poderiam ter sido implementadas pelo governo federal. O vírus chegou ao Brasil pelos aeroportos. Deveríamos ter investido no fechamento de fronteiras e barreiras sanitárias. Além disso, faltou uma grande campanha de conscientização para o uso de máscaras e o distanciamento social. O atraso na vacinação também provocou milhares de mortes.
Como a pandemia pode reforçar os valores humanistas da sociedade?
A pandemia só será capaz de reforçar valores em quem teve empatia diante de tudo o que estamos vivendo. O que me faz ter esperança é que muitos não cruzaram os braços e resolveram agir por respeito e solidariedade. Foram milhares de campanhas de arrecadação de alimentos, lives solidárias, grupos de costureiras fazendo máscaras de pano para doação, pessoas se oferecendo para fazer compras para o vizinho que faz parte do grupo de risco. Sou imensamente grata a Deus por viver em um país formado por pessoas com um grande espírito de solidariedade.
É possível ter um olhar poético diante desse momento difícil? Como faz para aliviar a tensão?
Difícil ter um olhar poético diante de tanta tristeza. Mas em todo sofrimento há lições que podem ser aprendidas. A pandemia trouxe para mim um novo olhar sobre a minha responsabilidade e a minha missão no Senado. As únicas formas possíveis de aliviar a tensão foi trabalhando para aprovar as pautas necessárias para mitigar os impactos da pandemia e aproveitando os momentos de convívio familiar.
O que mudou na sua rotina neste período de pandemia?
A partir do momento em que o Senado passou para o sistema remoto de deliberação, a minha carga de trabalho dobrou. A urgência das pautas que precisávamos aprovar fez com que as articulações por melhorias nos textos passassem a não ter hora para acontecer. As atividades físicas tiveram de ser adequadas para uma nova realidade. A família também precisou se adaptar a uma nova realidade. A educação por distância exigiu de mim, do meu filho e do meu marido uma nova rotina de estudos escolares. Essa “nova vida” acabou reforçando os laços familiares. Eu tive quase 40% dos pulmões afetados pela covid-19, e pela primeira vez experimentei a sensação de finitude. E isso mexeu muito comigo.
Como ficam as grandes questões do Brasil e de Brasília no pós-pandemia?
O grande desafio será o crescimento econômico sustentável e com a responsabilidade fiscal e social andando lado a lado. Ninguém quer quebrar o Brasil e precisamos pensar em um Estado inclusivo e que acolha os mais pobres. Atualmente, o país é um grande concentrador de renda e um grande gerador de desigualdades. Esse é um debate que está sendo levantado principalmente pela Frente Parlamentar em Defesa da Renda Básica. Não temos uma fórmula secreta para resolver todos os problemas, mas é um norte para guiar os trabalhos legislativos em busca de soluções para aumentar a proteção de renda no país, proteger a primeira infância e proteger os trabalhadores. A Reforma Tributária é uma das soluções para tornar viável o programa de renda mínima e também a política pública mais importante para reduzir o custo Brasil. São medidas que, a meu ver, terão impacto na geração de empregos na capital e no aquecimento da nossa economia que é muito dependente do serviço público.
Como o Senado contribuiu para reduzir os impactos sociais da covid-19?
Em 2020, o Senado deliberou 204 proposições. Foi um dos anos mais produtivos da Casa. Entre elas, aprovamos o Auxílio Emergencial ampliando o valor de R$ 200 para R$ 600, a PEC do Orçamento de Guerra, que permite processos mais rápidos para compras, obras e contratações de pessoal temporário e serviços, um repasse de R$ 125 bilhões para estados e municípios enfrentarem os impactos da pandemia, a criação de programas emergenciais para o esporte, cultura e micro e pequenas empresas, além de uma proposição para proibir ações de despejo e desocupação de imóveis entre tantas outras proposições. Também aprovamos um projeto de lei para desburocratizar a aquisição de vacinas, o que na prática permitiu a aquisição de vacinas da Pfzier e da Janssen. O parlamento brasileiro deu respostas e vai continuar trabalhando para promover as mudanças legislativas necessárias.
O momento exige resiliência e ativismo solidário. Pessoalmente, se engajou em alguma atividade coletiva — a distância?
Eu mantive a rotina de ajudar as instituições que tenho um contato mais direto. Ajudei nas campanhas de arrecadação de alimentos e doação de roupas que os amigos da minha equipe estavam promovendo. Essa ajuda ao próximo é um legado muito forte da minha mãe, que sempre dizia para retribuir o que o esporte me proporcionou.
Que ensinamento este momento nos deixa?
O ensinamento é que não podemos perder a esperança no nosso país. Mais do que nunca vamos ter que nos unir para reconstruir as pontes que a pandemia destruiu. Algumas áreas foram fortemente atingidas e deixaram um enorme prejuízo. É o caso da educação, da ciência, do desenvolvimento social e da economia. Só vamos sair dessas dificuldades com muita unidade.
Como “sentiu” a cidade neste ano de pandemia?
Eu senti a cidade triste pela perda de muitas vidas e as dificuldades impostas pela pandemia. Foi muito difícil olhar para o lado e ver que eu perdi amigos e que outros amigos perderam pais, filhas e irmãos. Eu vi pessoas desesperadas por um leito de UTI. Impossível não ficarmos abaladas com o que está acontecendo. Mas de alguma forma, toda essa dor irá nos impulsionar para superar a crise.
A importância da união em torno de um projeto suprapartidário para mitigar os efeitos da pandemia nos próximos anos é possível?
Esse projeto é possível e necessário. Já tivemos uma pequena mostra disso nos primeiros meses da pandemia, quando aprovamos importantes projetos para o país, como o auxílio emergencial, por exemplo. O desafio é tornar esse projeto suprapartidário contínuo. O primeiro passo é elegermos um líder que acredite, aposte e estimule a união de forças em prol de um bem maior.
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