MEDO

Caso Lázaro: sobreviventes relatam como ficaram frente a frente com o fugitivo

Quatro pessoas que encontraram o fugitivo durante a megaoperação de buscas relatam ao Correio momentos de terror vividos enquanto eram ameaçadas por um dos criminosos mais procurados do país. Acusado foi morto após uma caçada de 20 dias

Darcianne Diogo
postado em 04/07/2021 06:00 / atualizado em 04/07/2021 10:24
Sílvia de Campos teve a chácara invadida por Lázaro um dia após o triplo homicídio na fazenda da família Marques Vidal; ela e um funcionário ficaram reféns do foragido por horas -  (crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)
Sílvia de Campos teve a chácara invadida por Lázaro um dia após o triplo homicídio na fazenda da família Marques Vidal; ela e um funcionário ficaram reféns do foragido por horas - (crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)

Em relatos detalhados, vítimas que estiveram perto de Lázaro Barbosa de Sousa — morto na segunda-feira passada após um confronto com policiais militares — contaram ao Correio momentos de terror que viveram na presença do criminoso. Em vida, ele provocou traumas visíveis e invisíveis enquanto cometia delitos, como homicídios, latrocínios, roubos e estupros. Ao menos 15 inquéritos contra o fugitivo estão sob investigação.

Durante 20 dias, Lázaro desafiou as autoridades e mobilizou uma megaoperação, com cerca de 270 policiais das forças de segurança do Distrito Federal e de Goiás. A caçada teve início depois de a Polícia Civil identificá-lo como principal suspeito de cometer o crime que vitimou quatro pessoas da família Marques Vidal, entre 9 e 12 de junho. Os empresários Cláudio Vidal, 48, e Cleonice Marques, 43, além dos dois filhos do casal — Gustavo Marques Vidal, 21, e Carlos Eduardo Marques Vidal, 15 — foram brutalmente assassinados.

Sem se intimidar com a presença de policiais à procura dele em diversos pontos da região,
em 10 de junho, Lázaro invadiu a chácara de Sílvia de Campos, 40. Ela e o caseiro do imóvel ficaram reféns do criminoso. Por volta das 11h30, ela estava deitada e sentia dores de cabeça. Enquanto isso, as notícias sobre as buscas a Lázaro circulavam nos grupos de moradores da região. “Minha tia me ligou pedindo para eu ter cuidado. Queria que eu saísse da casa, porque o bandido estava solto, mas eu falei que estava tudo bem”, contou.

Assim que entrou no imóvel, ele perguntou onde havia armas e dinheiro: “Disse que precisava de dinheiro, porque ia para muito longe. Olhou minha bolsa e pegou cerca de R$ 390”, continua Sílvia. Ao vasculhar a casa, Lázaro ordenou que Sílvia cozinhasse para ele. Nas panelas, havia carne moída e arroz velho. “Eu estava com medo de morrer. Qualquer afronta poderia ser fatal. Perguntei se eu podia fazer arroz com milho e uma salada”, contou a vítima. Assim que Sílvia terminou de preparar a refeição, o criminoso mandou que ela o servisse.

Enquanto comia, Lázaro ligou a televisão e fez uma declaração importante: “Tá acompanhando essa notícia, né (o assassinato da família Marques Vidal)? Eu matei porque reagiram com uma faquinha pequena. Mas estão jogando a culpa só em mim, só porque pegaram minhas impressões digitais. Não fiz isso sozinho”.

Algum tempo depois, Sílvia e o caseiro foram trancados em um depósito. “Na hora, eu pensei que morreria”, desabafou. Em seguida, Lázaro tomou banho e retornou para conversar com as vítimas. “Ele falou sobre o pai, a filha e que trabalhava para ganhar R$ 5. Em um momento, ficou muito nervoso, dizendo que se tirassem a filha dele, mataria todos e seria pior que a covid-19”, acrescentou a dona da chácara. Lázaro também obrigou as vítimas a fumar maconha. Sílvia ficou tonta e passou mal: “Ele disse que eu estava muito nervosa e precisava me acalmar. Falou que eu era fraca demais para um trago”.

Com o celular totalmente carregado, Lázaro jogou fora a chave do depósito e os mandou “se virar”. Da casa, o criminoso levou leite, iogurte, biscoito, pães, queijo e dois celulares, antes de fugir por dentro do mato. Mãe de cinco filhos, Sílvia ficou traumatizada e se mudou da chácara. Agora, ela mora na casa da mãe, em Taguatinga. Desde então, tem pesadelos e não consegue dormir direito quase todas as noites. “Não quero voltar (para o antigo endereço) tão cedo. Vai que tem um comparsa dele. Senti um alívio (após encontrarem o acusado), mas quem somos nós para desejar a morte de alguém?”, questionou.

Família aterrorizada

Na madrugada de 22 de abril, Vanessa* dormia em casa, uma chácara próxima ao Córrego das Corujas, no Sol Nascente/Pôr do Sol, quando ouviu fortes latidos dos cachorros. Assustado, o marido dela foi para o quintal e encontrou os cavalos fora da baia. “Um dos animais estava com um arreio no pescoço, então meu esposo desconfiou de que alguém estivesse rondando por ali”, relatou a mulher.

O homem e o caseiro da chácara foram ao chiqueiro para verificar a situação, enquanto o cachorro da família não parava de latir para uma moita, perto da plantação de mandioca. Quando os dois moradores se aproximaram, foram surpreendidos por Lázaro, que apontava uma lanterna para o rosto deles. “Ele pediu para meu marido deitar no chão, só que ele fingiu, abaixou-se e saiu correndo. O bandido deu um tiro em direção ao meu esposo, mas não acertou”, relatou Vanessa. O chacareiro chegou assustado em casa e alertou a mulher de que havia um homem armado no quintal. Vizinhos ouviram os disparos e correram até a casa da família para ajudar. “Eles imaginaram que o Lázaro estava na estrada e saíram em busca dele. Meu marido me mandou ficar trancada com as crianças.”

Vanessa estava com os filhos, de 11 meses e 4 anos. Em cinco minutos após a saída do companheiro dela, a testemunha escutou um estrondo de vidro. Em seguida, Lázaro entrou na casa e, segundo ela, pediu os celulares da família. “Dei o aparelho, e ele pediu a senha. Perguntou quem morava na casa ao lado, e eu respondi que era minha mãe. Ele entrou lá, com minha mãe dormindo, e pegou mais celulares”, disse. Depois, Lázaro fugiu. Vanessa só se deu conta de que se tratava do criminoso quando viu o noticiário sobre o caso da família Marques Vidal. “Eu poderia ter morrido com meus filhos”, completou.

*Nome fictício a pedido da entrevistada

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Mensagem sem retorno

Ele me ameaçou. Disse que sabia onde eu morava, falou da minha família e deixou bem claro que, se eu entregasse o esconderijo dele, mataria a mim, minha mulher e meus filhos Alain Reis Santana, Caseiro -  (crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press)
crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press

Na tarde de 15 de junho, durante a megaoperação de buscas pelo fugitivo, um policial penal do Distrito Federal recebeu a seguinte mensagem: “Socorro, o assassino Lázaro tá aqui em casa, fazenda grota da água Valdo Silva”. A resposta chegou quatro minutos depois: “Qual a localização???”. Sem retorno, o agente tentou novamente: “Onde fica??? Oi”. A primeira mensagem partiu de uma adolescente, mantida refém com os pais. Dias antes, integrantes das forças de segurança que visitaram a casa da família haviam deixado um número de telefone, para o caso de algo acontecer.

Ao ver o criminoso entrar, por volta das 13h40, a adolescente se escondeu embaixo da cama e enviou uma mensagem ao policial e a uma amiga, que retornou por meio de ligação. O policial que atendeu a ocorrência detalhou o restante dos acontecimentos: “Ele (Lázaro) colocou as vítimas andando na frente e foi atrás delas, comendo. Quando ouviu o barulho do helicóptero, entrou debaixo de uma pedra e se cobriu com folhas, para não ser identificado. Ficou até a aeronave passar”, contou o agente, que pediu para não ter o nome divulgado.

A intenção do criminoso era despir as vítimas e matá-las em seguida, segundo disse o secretário de Segurança Pública de Goiás, Rodney Teixeira, à época. Com a aproximação das equipes, Lázaro trocou tiros com a polícia e acertou um PM de raspão no rosto. Os reféns foram liberados sem ferimentos.

Dois aparecimentos

Mais próximo de Lázaro ficou Alain Reis Santana, 34 anos. Pai de seis filhos, ele chegou a ser preso por supostamente auxiliar na fuga do criminoso. No entanto, nada ficou provado contra o caseiro, que foi liberado após audiência de custódia. Ele chegou para trabalhar na fazenda do ex-patrão, Elmi Caetano Evangelista, 74 — atualmente preso —, três dias depois da chacina em Ceilândia Norte. O funcionário não tinha ideia do perigo que enfrentaria.

Em 18 de junho, por volta das 18h30, após o expediente, o caseiro se preparava para colocar a comida dos porcos e no curral. Quando acendeu a luz, deparou-se com Lázaro. “Ele estava em pé, encostado na parede, carregando o celular na tomada. Quando me viu, tirou o celular e saiu andando, não correu. De primeira, fiquei em dúvida (se era ele), porque tinha visto o noticiário poucas vezes”, relatou.

Em 23 de junho, enquanto Alain estava agachado em frente ao poleiro, para impedir a saída dos pintinhos, sentiu a pressão de uma mão no ombro. “Olhei para trás e achei que era o meu patrão (Elmi), mas era ele, o Lázaro”, contou. O foragido vestia uma camisa social preta de manga longa, calça preta, sapatos, carregava uma mochila e usava um boné. “Ele me ameaçou. Disse que sabia onde eu morava, falou da minha família e deixou bem claro que, se eu entregasse o esconderijo dele, mataria a mim, minha mulher e meus filhos. Depois, saiu”, continuou Alain.

Atualmente, o caseiro mora com a mulher e os filhos em uma casa em Girassol, distrito de Cocalzinho (GO). No entanto, o imóvel está à venda e precisa ser esvaziado em breve. “Vou ter de desocupar a casa, e não temos para onde ir. Não tenho como pagar aluguel agora, porque estou desempregado”, lamentou. Com experiência em serviços de roça, criação de animais, lavagem de carros, obras e conserto de carros, o caseiro procura um emprego após passar pelo trauma.

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