Horas ininterruptas de trabalho, falta de equipamentos e leitos lotados são realidades que os profissionais da linha de frente do combate à covid-19 encaram diariamente. Com as incertezas e a imprevisibilidade trazidas pela pandemia, o medo está mais presente no cotidiano dos profissionais de saúde, resultando, em muitos casos, quadros de ansiedade e depressão. Uma pesquisa nacional realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no primeiro trimestre do ano, avaliou as condições em que os trabalhadores da área atuavam durante a pandemia e revelou que, para 95% deles, a pandemia deixou impactos significativos.
No Distrito Federal, a qualidade da saúde mental desses profissionais passou a ser objeto de preocupação por parte das entidades de classe e da própria população, afinal, esses profissionais continuam atendendo. Iniciativas da sociedade civil e de instituições públicas ofertam apoio psicológico para amparar aqueles que, desde março de 2020, atuam em condições de muito estresse e comoção mundial.
Corrente do bem
O psicólogo Rubens Bias, 38 anos, é integrante do Projeto Escuta e Acolhimento, um grupo formado por especialistas que oferece acompanhamento gratuito aos profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS), da assistência social e da segurança pública do DF. O projeto conta com 20 psicólogos voluntários e atende cerca de 200 pessoas de maneira on-line.
Ele ressalta que os efeitos da pandemia nos profissionais da saúde é mais intenso do que na população em geral. O medo constante de se contaminar no trabalho e levar o vírus para casa é uma das queixas mais frequentes nos atendimentos, além da sobrecarga de trabalho, exaustão física e emocional.
O enfermeiro Rodrigo Araújo, 31 anos, é beneficiado pelo Projeto Escuta e Acolhimento. Rodrigo conta que os órgãos competentes não estavam oferecendo alternativas suficientes de apoio à saúde mental e que a iniciativa voluntária dos psicólogos o ajudou a lidar com a pressão e sobrecarga no trabalho. “Estamos com ótimos profissionais que nos dão esse suporte e ajudam a controlar a ansiedade”, conta.
Segundo ele, quem lida com a pressão, por acompanhar muitos pacientes com o vírus vê de perto o sofrimento de outras pessoas e participa, muitas vezes, de momentos de luto com a perda de pacientes. “A gente se encontra sob muita pressão, e buscar tratamento psicológico, ou um grupo de apoio, é fundamental para conseguir manter a saúde mental. Com o acompanhamento é como ter uma válvula de escape e isso, de certo modo, contribuiu até para a melhora na qualidade do nosso serviço”, avalia.
O Hospital Universitário de Brasília (HUB) também oferece assistência para os profissionais da linha de frente da covid-19 por meio do Projeto Cuidar, com atendimento psicológico e psiquiátrico, acupuntura, auriculoterapia, relaxamento e outras práticas de medicina alternativa. Psicóloga e chefe da Unidade Psicossocial do HUB, Silvia Furtado conta que a iniciativa foi criada no início da pandemia, pensando em uma estratégia de cuidado com os profissionais de saúde, com os residentes e com todos os outros que ali trabalham e precisam desse serviço.
Segundo Silvia, é importante que os profissionais tenham esse acesso no local de trabalho. “Procuramos oferecer esse acolhimento dentro do próprio hospital. Além de tentar pensar tanto em prevenção, como no tratamento de questões de saúde mental para esses funcionários”, destaca. A chefe da unidade ressalta que há muita procura e um retorno positivo das pessoas que foram beneficiadas.
A enfermeira Letícia Maria Barbosa, 28 anos, conta que conheceu o Projeto Cuidar quando o HUB começou a atender os casos de covid-19. “Fizeram uma divulgação por meio de cartazes, grupos de WhatsApp e até mesmo boca a boca”, disse. Em um momento de muito estresse, a enfermeira procurou o projeto para participar de alguns dos tratamentos oferecidos.
Além da Letícia, a técnica em enfermagem do centro cirúrgico do HUB, Elenice Pinheiro, 34 anos, afirma que participa desde o início do projeto e que foi fundamental para conseguir passar pelo período de medo e angústia. “Eu pensava, meu Deus, eu vou pegar essa doença e não vou nem poder ver minha família mais, não terei um último contato. Então, quando soube do projeto no meu setor, marquei logo e fui conversar com um psicólogo”, conta.
A profissional passou aproximadamente três meses sem ver os familiares, incluindo um filho, por medo de transmitir a covid-19. Segundo ela, foi importante não se sentir julgada pelo psicólogo por passar por um período difícil. “Ele me escutou e não me julgou. Isso me deu um conforto e mais força para enfrentar o momento, pois o pior de tudo eram as incertezas sobre a doença. No início, não sabíamos quase nada, e era assustador”, ressalta.
A enfermeira do HUB Thais Alfaia de Santana Pardo, 41 anos, conta que no início da pandemia se voluntariou para ministrar reiki para os colegas de trabalho. De seus atendimentos, ela diz que sentia os colegas mais leves, principalmente após o plantão quando, muitas vezes se depararvam com perdas, um trabalho intensivo e estressante. “Antes de irem para casa, eles passavam em uma sala reservada na área da saúde mental, e a gente tinha o conforto ideal para fazer o reiki nos colegas, que saiam de lá mais leves, motivados e relaxados”, disse.
Thais lembra que a iniciativa teve uma adesão muito grande e acredita que a partir daí houve um amadurecimento que transformou o hospital em um lugar mais humanizado, oferecendo acolhimento não só para os pacientes, mas também para os funcionários. “O Projeto Cuidar é isso, é cuidar de quem cuida, de quem está na ativa precisando de amparo”, completou. Além de participar do Projeto Cuidar, a enfermeira também participa de várias palestras motivacionais que abordam temas como a felicidade e hábitos que possam trazer condições de encarar o cenário atual.
Palavras de carinho
No ano passado, a Universidade de Brasília (UnB), em parceria com o Correio Braziliense, incentivou a comunidade acadêmica a escrever cartas de apoio a todos os profissionais que prestavam serviços essenciais na pandemia. A iniciativa foi retomada este ano até o mês de junho. “Nós entregamos cartas para os profissionais dos cemitérios, para os profissionais da limpeza urbana que continuaram trabalhando e várias para os profissionais de saúde, tanto nos hospitais quanto no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs)”, comenta a professora da UnB e diretora de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária, Larissa Brambatti,
Ela ressalta, também, a importância do projeto tanto para quem escreve como para quem recebe a carta. “O sentido de solidariedade é um grande fator de proteção para a saúde mental, a gente sentir que está fazendo algo por alguém. É bom para quem escreve e para quem recebe”, garante. Ela ressalta que pesquisas apontam o reconhecimento como um dos fatores de proteção da saúde mental.
Fazendo a diferença
Desenvolvido pela equipe do Hospital da Região Leste (HRL) no Paranoá, o projeto Psicólogo Amigo da Saúde atende os servidores que atuam na região de São Sebastião, Itapoã e Paranoá. “A gente viu que seria interessante os profissionais terem esse apoio. É feito um acolhimento, os profissionais conversam e tentam entender as necessidades do servidor para retirá-lo desse estado de sofrimento”, explica Alberto Sabala da Superintendência de Saúde da Região Leste.
Idealizado em julho do ano passado, o projeto teve início em setembro e até o momento foram atendidos 75 profissionais em mais de 290 sessões entre a primeira consulta e os retornos. Devido à grande demanda, foi preciso incluir psicólogos voluntários para fazer os atendimentos dos servidores locais da saúde.
A psicóloga Alice Ferreira, 31 anos, foi uma das voluntárias no projeto. Ela conta que trabalhar na área da saúde é um desafio por si só e que, com a chegada da pandemia, tudo se agravou. Fazendo atendimento presenciais e on-line no projeto, desde outubro, a psicóloga relata o desafio de trabalhar em um período como este e a gratificação de poder ajudar. “Foi um desafio, eu nunca tinha trabalhado em hospital, muito menos na situação em que a gente está vivendo. É uma experiência muito bacana e que me agregou muito nesses oito meses que estou como voluntária. Contribuir de alguma forma é uma honra”, conta.
Serviços
» Projeto Escuta e Acolhimento
Para agendar, basta entrar em contato pelo WhatsApp: 9 8118-6296 e falar com Rubens Bias.
» Projeto Cuidar HUB
Agendamento de horário pelo ramal 5276 ou pelo e-mail: comhumanizacao.hub@ebserh.gov.br
» Projeto Psicólogo Amiga da Saúde (HRL)
Através do link https://forms.gle/Xh84H72dwTCmRV5Q7
*Estagiárias sob a supervisão de Juliana Oliveira
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