A vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB-DF), Cristiane Damasceno, criticou a falta de transparência das forças de segurança que atuaram na captura e na morte de Lázaro Barbosa de Sousa, 32 anos. Em operação liderada pela Casa Militar de Goiás, o foragido foi morto com mais 30 tiros na manhã desta segunda-feira (28/6).
Para a especialista em direito processual penal, as secretarias de Segurança Pública de Goiás e do Distrito Federal devem esclarecer como foi feita a operação e se houve transgressão de direitos do foragido. “Há muito o que se explicar. Como ele reagiu? Para onde ele disparou? Se descarregou a arma, onde estão os feridos? Não foi explicado qual o armamento utilizado por ele”, questiona.
“Estavam presentes 270 pessoas, drones e helicóptero. Com todo esse aparato, não conseguiram alvejar o foragido no ombro para pará-lo? Foram 38 tiros!”, destaca. Ela pede que a perícia seja feita e que os responsáveis pelo caso informem à sociedade como a captura e a morte ocorreram, assim como a motivação dos crimes cometidos por Lázaro. “Com informações claras e transparência, toda a sociedade poderá desenvolver mecanismos para proteger melhor a sociedade, além de melhorar os sistemas de buscas”, pontua.
Cristiane afirma que a morte de Lázaro não deveria ser comemorada, principalmente se ela revela uma maneira clandestina de a polícia agir. “Quando uma pessoa mata e rouba, ela quebra um pacto social e deve pagar legalmente sobre esse ato. Não é porque ela fez isso que a polícia pode fazer também. Estamos em um estado democrático e não podemos achar que quem comete crime não pode ter mais nenhum direito”, critica.
Para ela, aceitar acriticamente uma operação com tantas perguntas a serem respondidas é permitir que a força de segurança estatal possa ter poderes inconstitucionais. “Uma coisa que a população tem que entender é: o Estado não pode agir clandestinamente”, afirma. Se pegarmos a estrutura estatal e legitimarmos a clandestinidade, iremos permitir que ele possa invadir nossas casas e descumprir diversas outras leis. O Estado precisa ser regido, especificamente, pela legalidade”, frisa.
Apesar das críticas à polícia, Cristiane deixa claro que não dá razão a Lázaro, mas, sim, que a sociedade precisa exigir transparência nas operações policiais. “As pessoas não enxergam o perigo de legitimar uma ação ilegal do Estado. Em nenhum momento, falo que ele está com razão ou que sinto pena dele. Mas, sim, que ele deveria pagar pelo crime de acordo com as leis brasileiras”, completa a advogada.
A morte de Lázaro impede o esclarecimento sobre os crimes cometidos, avalia Cristiane. Além do fazendeiro Elmi Caetano Evangelista, preso em flagrante por colaborar com o foragido, o secretário de Segurança Pública do Estado de Goiás, Rodney Miranda, informou que Lázaro não agia sozinho. “Quem estava ajudando Lázaro? O que realmente estava por trás dos assassinatos? Não saberemos porque ele está morto”, lamenta a advogada.
Polícia brasileira é a que mais mata
Cristiane ressalta que a ação pode ser resultado de uma cultura policial de morte presente no país, na qual é possível observar dados alarmantes de assassinatos cometidos por forças policiais. “O Fórum de Segurança Nacional revela que há uma guerra civil entre a polícia e a sociedade. A polícia brasileira é a que mais mata, e Goiás e Rio de Janeiro estão entre os estados mais letais”, relata.
“Os agentes também morrem, mas não tanto quanto matam, principalmente pessoas negras. Quando alguém age de maneira errada, nós o punimos. Isso também deve ocorrer com a polícia”, analisa.
Sistema penal é falho
Com a repercussão do caso e o levantamento da ficha criminal de Lázaro, a facilidade do criminoso em fugir dos presídios em que esteve na Bahia e no Distrito Federal rendeu críticas ao sistema prisional brasileiro. Cristiane afirma que as falhas ocorrem por falha de gestão.
A especialista em direito processual penal diz que a legislação brasileira garante a produção de um centro de observação, no qual o preso é analisado cuidadosamente por um equipe médica interdisciplinar, principalmente psicológica, para entender o grau de periculosidade que ele oferece à sociedade. A partir dos resultados da análise, o sistema penal deveria traçar um plano que garanta que ele permaneça preso, inclusive em alas diferentes das dos presos comuns.
“Psicopatas são altamente perigosos, não mudam e não melhoram. Mostram um grau elevado de inteligência e, por vezes, usam isso nas prisões. Por isso, é preciso categorizar cada criminoso e tratá-lo de forma diferente”, diz. “Tantos casos no Brasil de psicopatas e, até hoje, não sabemos quantos existem. São 820 mil pessoas no sistema prisional brasileiro, e eu não sei dizer quantos são psicopatas. Simplesmente este dado não existe”, protesta.
Ela exemplifica que países como Suíça e Noruega são exemplos de análise eficaz para os presos, os quais cumprem tratamentos específicos para psicopatas, acompanhados de atendimento psicológico para entender cada vez mais como agem. “Lei nós temos, o que não temos é gestão”, avisa.
“Lázaro tinha uma vida pregressa complicada. Era preciso montar um exame criminológico e seguir um plano para que ele não saísse mais da prisão”, afirma. “Uma pessoa dessa colocada na rua vai delinquir de novo. Psicopata não é doido, é inteligente, tem problema de convivência social e, por isso, deve ficar separado dela”, conclui.