“O triste nisso tudo é isso.” O verso da canção dos dois Sérgios, Sampaio e Natureza, parece um resumo exato do Brasil atual. Para os que não vivem em outra dimensão, é difícil encontrar qualquer razão para celebrar em um país pintado de sangue e, constantemente, trajado de luto. Ter que lutar pelo óbvio e explicá-lo o tempo todo cansa. Mas é imprescindível. Não há espaço para o muro durante um genocídio e a isenção é quase uma confissão de culpa.
Nessas trincheiras pela vida, perdemos um tanto de dignidade e de autoestima. Nem falo de podermos usar verde e amarelo, ostentar bandeiras e camisas da seleção de garotos sem coragem. Isso é o de menos — por mais que doam os símbolos perdidos. O duro, à vera, é uma certa vergonha de ser brasileiro, como se o nosso país fosse isso que está aí, essa gente que nos governa e nos mata.
A uma amiga que me perguntou como eu estava dia desses, respondi: “sobrevivendo, o que é muito no Brasil de hoje”. Estamos cansados para resistir, para não nos entregar, para ter vontade de seguir em frente. Entre crises de ansiedade e noites insones, confesso que paira um desejo de desistir, uma sensação de que, para citar de novo Sérgio Sampaio, não adianta, “não adianta o bonde, a esperança”.
Há uma parte utópica de mim, entretanto, que sobrevive aqui. Há uma esperança teimosa. Uma lembrança do que temos e do que somos para além das tragédias e dos canalhas. Há, eu diria, um dever de resistir e de continuar na tentativa penosa de seguirmos vivos neste país e de mostrar que há mais do que fascistas e ignorantes.
Não vou nomear aqueles que nos envergonham. Todos sabemos quem são. A história os marcará — e marcará também quem os apoia depois de tudo, depois de meio milhão de vidas, depois do negacionismo covarde. Vou, porém, citar alguns dos que me fazem acreditar, dos que me lembram, vivos ou mortos, por que vale a pena resistir.
Escolho pensar, por mais difícil que seja, no Brasil de Aldir Blanc, de Sérgio Sant’Anna, de Elza Soares, de Cátia de França, de Patativa do Assaré, de Clarice Lispector, de Vitor Ramil, de Milton Nascimento, de Amaro Freitas, de Giovani Cidreira, de Josyara, de Bruno Batista, de Juliano Guerra, de Djonga, de Itamar Assumpção, de Guimarães Rosa, de Machado de Assis, de Graciliano Ramos, de Ana Martins Marques, de Paulo Mendes Campos, de Angélica Freitas, de Paulo Freire, de Severino Francisco, de André Dahmer, de Maria Valéria Rezende, de Zé Manoel, de Maurício Pereira, de Rubi, de Ná Ozzetti e de Mônica Salmaso.