Jornal Correio Braziliense

Literatura

Machado de Assis ganha edição especial da Confraria dos Bibliófilos

Os contos O alienista e O anjo Gabriel sem em volume especial da Confraria dos Bibliófilos do Brasil com ilustrações de Naura Timm

A loucura da gestão de saúde dos governantes sobre a pandemia atualizou a obra de Machado de Assis. O conto O alienista promove uma inversão de todos os valores de sanidade e loucura. Ao fim, o médico Simão Bacamarte, instalado na cidadezinha de Itajaí, chega à conclusão de que está louco e se interna no hospício.

Para celebrar os 25 anos de existência, a Confraria dos Bibliófilos do Brasil publica dois contos de Machado sobre o tema tão presente da loucura que nos ronda, com ilustrações da artista plástica brasiliense Naura Timm: O alienista e O anjo Gabriel. As duas ficções têm prefácios de John Gledson e de Maria Elisane, Aluisio Ferreira e Maria Vanesse.

Se O alienista explora o tema da loucura institucional, O anjo Gabriel trata da insanidade individual, em uma trama extremamente engenhosa. Sob o trauma de uma suposta traição da mulher, o major Tomás se insula em uma casa, se investe da identidade divina do anjo Gabriel e envolve a bela filha Celestina no delírio.

Tudo muda quando o doutor Antero entra na trama. “Cansado da vida, descrente dos homens, desconfiado das mulheres e aborrecido dos credores, o doutor Antero da Silva determinou um dia despedir-se do mundo”, conta Machado. Ele se salva ao se envolver em um enredo de peripécias mirabolantes.

O anjo Gabriel mereceria entrar nas melhores antologias de ficção fantástica. Só faltou para fechar a tríade machadiana da loucura incluir o romance Quincas Borba, que tematiza o desvario de um misterioso emplastro capaz, supostamente, de curar qualquer mazela, levando vários personagens rumo ao manicômio. Basta substituir emplastro Brás Cubas por cloroquina para termos um quadro completo dos desmandos das autoridades charlatãs sobre a saúde pública durante a pandemia que nos assola.

O alienista é obra-prima da literatura brasileira e mundial, enquanto O anjo Gabriel é um conto quase inédito de Machado. Só foi publicado três vezes e ficou esquecido nas edições das obras completas do bruxo de Cosme Velho.

Para José Salles Neto, presidente da Confraria dos Bibliófilos, O alienista chega em hora muito oportuna da história brasileira: “O alienista mostra um quadro de loucura institucionalizada”, comenta Salles: “Ele tematiza a questão do charlatanismo, da mesma maneira que Quincas Borba. Machado critica e zomba do emplastro Brás Cubas, que é o nosso cloroquinismo atual”.

Manicômio

A atualidade de O alienista decorre do fato de que, no Brasil da pandemia, temos loucos cuidando da saúde pública. “É muito contemporâneo, porque discute a experiência de fazer uma política de saúde baseada em uma experimentação com as pessoas como cobaias. É uma situação que envolve o médico, o prefeito e demais autoridades, que misturam saúde com interesses políticos. O protagonista prende todos e acaba trancafiando a si mesmo no manicômio”.

Machado de Assis foi acusado, durante muito tempo, de ser um autor alienado, insensível aos grandes temas da sociedade brasileira. No entanto, para Salles, O alienista é a prova mais cabal da sensibilidade social e da perspicácia do escritor para captar os problemas do país na ficção: “Isso mostra a agudeza da percepção crítica de Machado”, sublinha Salles. “Se você pega as crônicas dele, a visão crítica sobre os problemas sociais brasileiros está presente o tempo todo. Acredito que se ele estivesse vivo, teria escrito mais uns 10 livros de crônicas nada alienadas, embora ele seja sutil e irônico”.

Esse é o segundo livro sobre a obra de Machado que a Confraria publica. O primeiro foi uma coletânea de contos, com apresentação de Silviano Santiago, com ilustrações de Antonio Henrique Amaral. Mas sempre que promove eleições para indicar os livros a serem publicados, o nome de Machado figura no topo da lista. Salles não queria repetir uma antologia de contos: “Optei pelo tema da loucura.

Não queria fazer só O alienista, então encontrei o conto O anjo Gabriel, em uma tese sobre a loucura de Machado, elaborada pela professora Maria Elisane. É um conto estranhíssimo e muito bom, só publicado três vezes”.

Senda do fantástico

A publicação de O alienista e O anjo Gabriel faz parte da celebração dos 25 anos da Confraria dos Bibliófilos do Brasil, criada em Brasília por José Sales Neto, em 1996. A instituição do gênero mais famosa do Brasil, a Sociedade dos 100 Bibliófilos, fundada no Rio de Janeiro, existiu de 1949 a 1964, e publicou 25 livros. Pois, em 25 anos, a confraria brasiliense publicou 65 obras da literatura brasileira, ilustradas por grandes artistas gráficos. É a mais importante editora de livros artesanais do Brasil.

O documentário sobre a Confraria dos Bibliófilos do Brasil está disponível no YouTube: “Que eu tenha conhecimento, a nossa confraria é a única editora que publica livros artesanais com regularidade atualmente no mundo”, comenta Salles.

O presidente da confraria é um frequentador assíduo de exposições e ficou impressionado com uma mostra das pinturas de Naura Timm, que viu há cinco anos na Cultura Inglesa. Intuiu que ela poderia ilustrar bem algum livro sobre o tema da loucura. Ela criou figuras abstratas, mas que representam personagens, cenas e situações do livro com uma linguagem que envereda pela senda do fantástico.

Com criaturas informes que parecem fios de arame retorcidos, ela ilustra trechos da narrativa com personagens masculinas e femininas, em alta voltagem dramática. É possível perceber a sintonia fina das figuras e da trama de O alienista e de O anjo Gabriel. “Fico feliz quando o texto não é de um realismo tradicional, pois isso permite uma interpretação mais livre do ilustrador”, afirma Salles.

Naura ficou tão fascinada pelos textos de Machado que chegou a fazer mais de 150 desenhos. Salles aproveitou 16: “Foi uma experiência apaixonante, tudo ocorreu na base do sentir”, comenta Naura. “É um livro maravilhoso, que desafia o artista”.

 

O alienista e O anjo Gabriel

De Machado de Assis/Confraria dos Bibliófilos do Brasil

Ilustrações de Naura Timm/92 páginas

Confraria dos Bibliófilos
do Brasil: 3435 2598

E-mail: conbiblibn@yahoo.com.br

 

 

Naura Timm/Reprodução - Naura Timm/Reprodução
Reprodução - Reprodução
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Naura Timm/Reprodução - Naura Timm/Reprodução