Nove dias após o assassinato dos integrantes da família Vidal Marques, no Incra 9, parentes das vítimas vivem dias de angústia, medo e vulnerabilidade. Receosos quanto a uma possível volta de Lázaro Barbosa de Sousa, 32, ao local do assassinato — cuja autoria é atribuída a ele —, eles se mantêm reclusos. Uma parte dos familiares morava perto do endereço do crime, mas, agora, prefere ficar em outras regiões e reforçar a segurança das chácaras que deixaram para trás.
Em entrevista ao Correio, uma parente das vítimas, que pediu para não ser identificada, disse que a família está muito abalada. “O fato de ele (Lázaro) ainda estar solto nos aterroriza demais. Pensamos que, a qualquer momento, ele pode estar por aqui (Incra 9) de novo. Ninguém sabe”, relata. Ela acrescenta que, apesar de o homem ter invadido a casa de um dos irmãos de Cláudio Vidal 15 dias antes dos assassinatos, ninguém havia pensado em reforçar a segurança do imóvel, pois o local, até então, era considerado tranquilo. “Claro que a primeira invasão assustou, mas, como foi algo pontual, não pensamos que seria necessário investir em segurança pesada. Além disso, o intervalo de dias entre os crimes foi muito curto. Não teria como reforçar algo em apenas duas semanas”, completa.
Agora, a família e os amigos aguardam por justiça: “Não estaremos em paz até esse cara ser preso. Estamos muito vulneráveis com tudo isso. Foi algo extremamente brutal. Evitamos falar sobre e nos expor. É por medo. Vai que existe algum outro homem como Lázaro por aí. Não queremos que isso volte a acontecer de jeito nenhum”, desabafa.
A morte de Cláudio e Cleonice, além dos filhos deles, Carlos Eduardo e Gustavo, não foi a primeira tragédia registrada na família. Há cerca de 20 anos, um dos três irmãos de Cláudio foi assassinado em um bar de Ceilândia Norte, também no Incra 9. “Como faz muito tempo, era algo que não nos afetava tanto. Curou com o passar do tempo. Mas, com essa nova tragédia, vem tudo à tona de novo”, diz.
Paixão
A família Vidal Marques gostava de morar no Incra 9. O negócio de vendas de plantas frutíferas e ornamentais era outra paixão que os quatro compartilhavam. Depois do crime, a loja segue de portas fechadas. Alguns trabalhadores que ajudavam a família na administração do viveiro afirmam que as plantas têm sido vendidas abaixo do preço a outros empresários. Os funcionários receberam orientação para continuar a cuidar do local, mas mantendo tudo fechado.
Cláudio ficava responsável pela parte agrária e focava na manutenção dos produtos vendidos. Cleonice administrava a parte financeira e pessoal do negócio. Já os filhos ajudavam no dia a dia e nas vendas da loja. “Cláudio teve a oportunidade de sair da fazenda para morar em outro lugar, mas não quis. Era a paixão dele. Dizia que queria ficar na chácara até morrer. E, infelizmente, foi o que aconteceu”, lamenta a parente.
A entrevistada conta que os Vidal Marques tinham perfil tranquilo. No dia anterior aos três primeiros assassinatos — Cleonice foi levada da casa e só teve o corpo encontrado três dias depois —, todos haviam trabalhado no viveiro que mantinham em frente à casa. “Estavam todos lá. Tudo normal. Eles gostavam muito do Incra 9 e não queriam sair de jeito nenhum”, relata. A família decidirá o que vai fazer com o terreno de cerca de 33 hectares — o equivalente a 46 campos de futebol — das vítimas. “Ninguém tem cabeça para pensar nisso agora. Vamos ver depois”, completa.
Ela lembra que, no dia do crime, a família estava na última fase de recuperação de um quadro de covid-19. “Haviam se passado 20 dias do início da contaminação. Eles estavam saindo do isolamento. Fazia tempo que alguns de nós não os víamos”, relata. Ela fica emocionada ao se recordar dos parentes: “Foi muito cruel e rápido. Eles devem ter sofrido demais”. O último contato que Cleonice teve com o restante da família foi pelo telefone, para pedir socorro. “Ela ligou para uma cunhada e falou que estavam invadindo a casa. Não sei se Lázaro a pegou enquanto ela estava ao telefone ou o que aconteceu lá dentro. A única pessoa que pode nos dizer isso agora é ele”, finaliza.
Reforço com grupos especiais
O secretário de Segurança Pública de Goiás, Rodney Miranda, comandante das buscas por Lázaro Barbosa de Sousa, afirmou que a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) deve reforçar as buscas em breve. Até ontem, o efetivo da megaoperação contava com cerca de 200 pessoas, entre policiais civis e militares de duas unidades da Federação, além de bombeiros e integrantes das polícias Federal e Rodoviária Federal.
Rodney Miranda recebeu a proposta do ministro da Justiça e Segurança Pública, o delegado Anderson Torres. A FNSP é composta por policiais militares, civis, bombeiros e peritos das unidades da Federação. A Força integra um convênio de cooperação entre a União, os estados e o DF e atua em situações de calamidade e emergência, para preservar a ordem pública e garantir a segurança da população e do patrimônio (leia Para saber mais). Instituída em 2004, forma uma tropa federativa, não federal, uma vez que a atuação nos estados fica sob comando dos gestores locais.
Composta por servidores cedidos por outras corporações, os integrantes ficam na tropa por até dois anos. A permanência da FNSP no território ocorre por tempo definido pelo governo federal.
No caso das buscas por Lázaro, a megaoperação ganhou reforço de grupos especializados na quarta-feira. A Polícia Militar do Distrito Federal liberou parte do efetivo que atuava na caçada para manter como força principal da corporação o Batalhão de Operações Especiais (Bope).
Para saber mais
Confira em quais situações o Ministério da Justiça e Segurança Pública autoriza o uso da Força Nacional:
» Atuação na prevenção a crimes e infrações ambientais;
» Apoio às atividades de conservação e policiamento ambiental;
» Execução de tarefas de defesa civil em defesa do meio ambiente;
» Preservação da ordem pública e da segurança das pessoas e do patrimônio;
» Auxílio às ações da polícia judiciária na investigação de crimes ambientais;
» Apoio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos;
» Auxílio na ocorrência de catástrofes ou desastres coletivos, inclusive para reconhecimento de vítimas;
» Apoio às ações de fiscalização ambiental desenvolvidas por órgãos federais, estaduais, distritais e municipais na proteção do meio ambiente;
» Apoio a ações para proteção de indivíduos, grupos e órgãos da sociedade que promovem e protegem os direitos humanos e as liberdades fundamentais;
» Auxílio às ações de polícia judiciária estadual na função de investigação de infração penal, para a elucidação das causas, circunstâncias, motivos, autoria e materialidade;
» Auxílio às ações de inteligência relacionadas às atividades periciais e de identificação civil e criminal destinadas a colher e resguardar indícios ou provas da ocorrência de fatos ou de infração penal.
Fonte: Ministério da Justiça e Segurança Pública
Mobilizados com empatia e fé
Carlos Vieira/CB/D.A Press
As buscas por Lázaro Barbosa de Sousa, 32 anos, têm concentrado um grande efetivo das forças de segurança do Distrito Federal e de Goiás, onde se acredita que esteja o criminoso. Mais de 200 policiais tentam encontrar o suspeito de matar a família Marques Vidal, em Ceilândia Norte, na semana passada. Diante da movimentação, os moradores do povoado de Girassol, em Cocalzinho (GO), criaram uma rede de solidariedade semelhante à de Edilândia, distrito do mesmo município. Os voluntários trabalham para fornecer alimentos às equipes da operação.
Ontem, um caminhão com um carregamento de cerca de R$ 5 mil em biscoitos e sucos chegou a Edilândia. A doação partiu do dono de uma distribuidora de alimentos e foi deixada na base instalada na Escola Municipal Boa Vista. A Secretaria de Educação de Cocalzinho enviou, ainda, uma carreta com colchonetes que serão emprestados aos policiais enquanto durar a megaoperação. Hoje, completaram-se 10 dias de procura por Lázaro desde o assassinado da família Vidal Marques. O intuito é que as forças de segurança continuem no local até capturarem o criminoso.
Oração
Moradora de Girassol, Maria Silva, 61 anos, também contribuiu. Ela doou arroz, feijão, macarrão, sardinha, café e extrato de tomate para alimentar as tropas. “Foi de coração mesmo. Tive vontade de trazer para ajudar. Era o que eu tinha”, relata. Como Maria, outros habitantes do município têm levado lanches para as equipes da força-tarefa. As entregas são deixadas na base montada às margens da BR-070.
A fé de que a história ganhe um desfecho mobilizou a comunidade, ontem. Do alto de uma passarela para pedestres sobre a rodovia, perto da base das equipes de segurança, um grupo de cerca de 25 pessoas se reuniu para orar e pedir proteção divina aos policiais que atuam na caçada. A preocupação com o caso tem tirado o sono da população; por isso, muitas pessoas deixaram as casas onde moravam, a fim de se proteger.