Família alegre, unida e religiosa

Após assassinatos em série, enterro dos Vidal ocorreu ontem. Entre quarta-feira e sábado, Cleonice, Cláudio, Gustavo e Carlos Eduardo foram mortos no Incra 9, em Ceilândia Norte. Suspeito de cometer barbárie é Lázaro Barbosa de Sousa, que seguia foragido até a noite de ontem

Entre os vários questionamentos feitos por parentes e conhecidos da família Vidal — assassinada entre quarta-feira e sábado da última semana — uma pergunta se repete: por que tanta crueldade? Ontem, Fabiano Freitas, 34 anos, morador de Goiânia e motorista de caminhão, esteve no enterro das quatro vítimas (leia Perfil), no Cemitério de Taguatinga. Ele contou que costumava visitar a casa e a floricultura da família — em frente ao local onde ocorreu a chacina —, no Incra 9, em Ceilândia Norte.

Fabiano conheceu Cláudio e Cleonice em 2005, quando veio do estado de origem, o Pará, à procura de emprego. “Eles me receberam na casa deles. Eram pessoas muito gentis que me ajudaram muito. Conheciam meu avô e foram meu apoio durante o período em que eu estava me acostumando a Brasília. Cheguei a cuidar do Dudu (Carlos Eduardo, o filho mais novo). Ele era uma criança muito contente, mas nos últimos dias, estava bem preocupado, porque o irmão mais velho (Gustavo) e os pais tinham contraído covid-19. O Cláudio (pai dos meninos) chegou a ter 50% do pulmão comprometido, mas o Carlos continuou cuidando do viveiro, para eles não perderem venda nem dinheiro”, relatou Fabiano.

O motorista se emocionou ao falar da família: “O Dudu estava tão preocupado com a recuperação do Cláudio. Embora ele (o empresário) estivesse muito melhor da covid-19 nos últimos dias, o filho comprou um terço para presentear o pai. Eu nem sei se deu tempo de ele entregar o presente, porque, na mesma noite, aconteceu o crime”, lamentou Fabiano. Para tentar vencer a dor da perda, o amigo da família conta que busca refúgio nas lembranças boas que viveu com os Vidal: “Não podemos deixar essa tragédia corromper a memória que temos deles. Temos de lembrar da alegria que eles traziam”.

O comerciante Zacarias José Soares, 49, morador do Incra 9, acrescenta que a família era bastante religiosa. “Eram muito apegados a Deus. Por isso, acreditamos que foram acolhidos em um lugar melhor. Todos estamos desolados, mas nenhum deles será esquecido”, comentou.


Choque

Por onde passava, Gustavo Marques Vidal deixava carisma. “Ele sempre estava sorrindo, levando felicidade para todo mundo. Esse era o ponto forte dele, ser brincalhão, fazer todo mundo se divertir”, contou Adriel de Oliveira, 21, mecânico, morador de Brazlândia e colega da vítima. Para Victor Domiciano Vieira, 20, estudante e morador de Brazlândia, o amigo sempre será lembrado como um uma pessoa de alto-astral. “Ele realmente carregava alegria por onde passava”, relatou Victor.

Victor, Adriel e Gustavo eram amigos de infância e estudaram juntos no Centro Educacional (CED) Incra 8. “A família dele era muito tranquila, quando íamos fazer trabalho na casa deles, éramos muito bem recebidos. Até agora, não entendemos o porquê da crueldade desse homem (que assassinou a família). Nos últimos anos, Gustavo estava tão dedicado ao viveiro. Vinha trabalhando muito com o pai. Ainda não caiu a ficha de que ele se foi”, disse Victor.

A direção do CED Incra 8, colégio em que Gustavo concluiu o ensino médio em 2017 e onde Carlos Eduardo ainda estudava, lamentou a morte dos Vidal. “É muito pesado perder uma família inteira de uma vez. Eles (os pais) estavam presentes na escola, apoiavam os projetos, acompanhavam os filhos. Ainda estamos em choque, sem acreditar em tudo o que aconteceu. Nossa mensagem e nosso pedido são apenas que a família não desista, porque a justiça será feita”, declarou Renalva Ordones, vice-diretora da instituição de ensino.

Despedida

O velório da família ocorreu na manhã de ontem. Carlos Eduardo e Gustavo foram enterrados por volta das 10h30, em uma sepultura conjunta. Um pouco mais tarde, às 10h50, foi a vez de Cláudio e Cleonice, que também ficaram juntos, mas em outro jazigo. O clima dos familiares era de revolta, com pedidos de justiça.

Para o mecânico Vando Rodrigues de Amorim, 54, irmão de Cleonice, o desejo era apenas de que a polícia encontrasse o acusado. “É a única coisa que queremos, que ele (o assassino) pague pelo crime que cometeu”, disse. Um amigo, que preferiu não se identificar, reforçou o pedido: “A família está assustada e desolada. O pior foi a demora para encontrar Cleonice. O que fica é esse misto de revolta e raiva, a sensação de impotência, de não poder fazer nada. Esse homem precisa ser preso, porque, por onde ele passa, deixa um rastro de violência”, destacou.

Reprodução/Redes Sociais - » Carlos Eduardo Marques Vidal, 15 anos » Estudante » Morto a facadas
Reprodução/Redes Sociais - » Cleonice Marques, 43 anos » Empresária » Encontrada morta em um córrego
Reprodução/Redes Sociais - » Cláudio Vidal, 48 anos » Empresário » Morto a facadas durante invasão
Reprodução/Redes Sociais - » Gustavo Marques Vidal, 21 anos » Empresário » Morto a facadas e baleado durante invasão

Histórico de crimes desde 2007

Os integrantes da família Vidal não foram os primeiros a testemunhar atos criminosos de Lázaro Barbosa de Sousa, 33 anos. Ele está envolvido em crimes graves, ao menos, desde 2007, quando foi preso após cometer um duplo homicídio, em Barra do Mendes (BA). Ele se apresentou à polícia após o crime, mas conseguiu fugir cerca de 10 dias depois. Desde então, é considerado procurado pela Justiça. Em 2009, ele foi detido novamente, mas, em 2016, escapou da cadeia após um “saidão” de Páscoa. Recapturado em março de 2018, o acusado cumpriu pena no presídio de Águas Lindas (GO) até julho daquele ano, quando fugiu da prisão mais uma vez.

Lázaro também é investigado por um assalto seguido de estupro, no Sol Nascente, e investigado em um inquérito, em Santo Antônio do Descoberto (GO), por roubo com refém, uso de arma branca, além de tentativa de latrocínio — em abril de 2020, em uma região conhecida como Antinha de Baixo, na zona rural do município goiano. À época, o acusado invadiu uma chácara, agrediu quatro idosos, subtraiu itens do imóvel e atingiu uma das vítimas com um golpe de machado na cabeça, deixando-a com sequelas.


A reportagem apurou que Lázaro não tem endereço fixo. Ele chegou ao Distrito Federal aos 13 anos, morou em chácaras no Entorno e trabalhou como carroceiro. O pai dele não o vê há mais de seis anos e a mãe não tem notícias do paradeiro do filho. Separado há mais de 17 anos, o casal mora em Girassol, distrito do município de Cocalzinho (GO). Entre os motivos da separação estavam consumo de bebida alcoólica e episódios de violência doméstica.

Para Cássio Rosa, especialista em perícia criminal do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), é difícil definir o que motiva as ações de Lázaro. “O que ele buscava? Uma vantagem econômica ou matar por matar, eliminando pessoas que testemunhariam contra ele? Não dá para afirmar com certeza, mas sabemos que ele entrou em fuga, segue roubando carros e invadindo casas. Existe a possibilidade de ele estar em surto e perdendo a noção do próprio risco”, sugere.

Ex-perito da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), Cássio afirma que o cerco pode causar o estresse do suspeito e levá-lo a aparecer. “Se esse cerco se prolongar e ele ficar isolado, chegará uma hora em que ele vai querer se alimentar. E ele também pode ter dificuldade de alojamento ou falta de conforto para dormir. Com o passar do tempo, cria-se um desgaste cada vez maior nele, mesmo com a possibilidade de ele invadir novos locais e se armar com mais munição. Acredito que essa busca terá um fechamento com um confronto ou com ele se entregando à polícia”, opina.

Apesar disso, o especialista acredita que o suspeito esteja agindo de maneira calculada. “Se a polícia não chegou até ele ainda, é porque o Lázaro não deixou pistas mais concretas. Se usassem um aparelho celular dele para rastrear, ajudaria na operação. Se ele não apareceu em um bar ou mercearia da região, é porque sabe o risco que está correndo”, conclui Cássio.

Colaborou Ana Maria da Silva

Experiência na mata

A expressão “mateiro” não representa um grupo social, mas remete a um tipo de habilidade, de sobrevivência, desenvoltura dentro do mato — o que pode ser observado em diferentes grupos sociais. Essa pessoa é alguém que tem habilidades em nível cultural e técnico que permitem não só sobreviver, por não se tratar apenas de questão de sobrevivência, mas, também, de interagir com a mata.

Via de regra, a aprendizagem se dá por uma vivência cultural, que remonta aos antepassados, ou por um conhecimento adquirido por meio da experiência. Diferentemente do que muitos pensam, o indivíduo não aprende o que deve ser feito, mas, sim, o que não fazer. As técnicas usadas são várias. No livro Caminhos e fronteiras, Sérgio Buarque de Holanda detalha que os bandeirantes usavam diferentes técnicas nos processos (de exploração de territórios). Entre elas, havia a capacidade de observação.

Via de regra, pessoas com essas habilidades em processo de fuga operam técnicas para despistar o oponente. Há vários relatos de indivíduos que passaram dias como náufragos, perdidos, e que sobreviveram cerca de 15 ou 20 dias.

O caso de Lázaro é um tanto diferente, uma vez que ele não está perdido na selva. Ele está em fuga, mas, segundo relatos e do ponto de vista da sobrevivência, ele está confortável e pode passar muito mais tempo do que uma pessoa que não se expõe a esse tipo de experiência. O fato de haver mais de 200 policiais à procura dele mostra que ele não é um simples sobrevivente. Ele não está perdido, está em casa.

Em minha opinião, Lázaro conhece a área. Além de ter essa experiência cultural, ele, provavelmente, nasceu em zona rural e criou essa relação com o mato. Ele não tem um conhecimento genérico, é um conhecimento geográfico. É possível que ele ande por rios e matas com uma espécie de memória geográfica, desenvolvida durante trabalhos do passado.

José Inaldo Chaves, professor do departamento de história da Universidade de Brasília (UnB)