A Copa América, a Copa Covid, é uma crônica da morte anunciada. Surpreendi-me com a notícia da possibilidade de um boicote dos jogadores da Seleção Brasileira. Porque os nossos craques são de uma alienação cósmica. Vivem dentro da bolha das redes sociais, exibem os carrões com cascata artificial e filhote de jacaré, relógios de ouro e as fotos de selfies com duplas breganejas ou com o presidente negacionista.
Em pronunciamento, o presidente argumentou que a Taça Libertadores está sendo realizada com todos os protocolos sanitários, sem nenhum problema. Pelo que se vê a insciência enciclopédica de sua excelência não exclui sequer o futebol, pois, em rodadas recentes do torneio, o River Plate, da Argentina, teve 25 jogadores infectados pela covid.
Numa das partidas, um jogador da linha teve de atuar na posição de goleiro. O presidente também alegou que não se tratava de uma decisão individual, pois os seus 22 ministros concordaram em fazer o campeonato continental em nosso país. Não se sabe em que planeta vivem as excelências. Como acreditar na seriedade e na coragem de ministros tão subservientes, que tomam vacina escondidos para não desagradar ao chefe negacionista?
São misteriosas as razões que nos impelem a torcer por um time e a se identificar com ele de corpo e alma. Eu comecei a me tornar corintiano por causa do Rivellino. Era interessante: o Corinthians ficou sem ganhar um título mais de 10 anos e, em vez da torcida minguar, o bando de loucos só aumentou. Mas, na verdade, só passei a torcer pelo Timão, com toda a convicção, depois da geração da democracia corinthiana comandada por Sócrates, Casagrande, Zenon e Vladimir.
Era uma dupla alegria pelas vitórias em campo e pelas batalhas a favor da democracia. Nos tempos da seca de títulos, que durou mais de uma década, os donos dos mercadinhos e dos botecos escreviam nas tabuletas: “Fiado, só quando o Corinthians for campeão”. Todavia, aquela geração nos brindou com tantas taças que os pragmáticos comerciantes logo tiveram de reescrever as tabuletas e inscrever a nova frase: “Fiado, só quando o Corinthians não for campeão”.
Como bem disse Casagrande, os craques são os donos do espetáculo. No entanto, os jogadores atuais desprezaram totalmente a lição da democracia corintiana e amarelaram em um momento crucial da história do país. Infelizmente, o que Glauber Rocha dizia vale plenamente para os jogadores da seleção: “No Brasil, os jogadores de futebol têm uma bola de capotão número 5 na cabeça, se der um furo sai apenas ar”.
É um desrespeito aos quase meio milhão de mortos realizar a Copa Covid precisamente no instante em que pandemia recrudesce, as UTIs voltam a lotar, a negligência na compra de vacinas arrasa a economia e os pobres se alastram nas ruas suplicando comida. Eles não tomam partido em relação à pandemia ou ao desmatamento de nossas florestas. Isso transcende esquerda ou direita. É um absurdo que Brasília sedie uma competição nestas condições.
O problema dos nossos jogadores era Rogério Caboclo, presidente da CBF, não era a tragédia do povo brasileiro. Caboclo saiu e acabou o problema. A única atitude digna a tomar seria recusar-se a jogar. Espero que a tragédia sanitária desperte a consciência de uma nova geração de craques que honrem novamente aquela camisa amarela.