O consumo consciente e o reúso de materiais recicláveis estão longe do patamar ideal para uma cidade mais sustentável. No Distrito Federal, são produzidas, em média, 63.445,88 toneladas de lixo por mês. De acordo com dados do Serviço de Limpeza Urbana (SLU), no primeiro trimestre deste ano, foram coletadas 190.337,65 toneladas de resíduos sólidos domiciliares. Desse total, apenas 39% foram aproveitados para a reciclagem nas Instalações de Recuperação de Resíduos (IRR) do SLU. Segundo o órgão, o descarte correto é essencial para melhorar esse índice, principalmente com a separação dos rejeitos orgânicos dos materiais que podem ser reaproveitados (leia Para saber mais).
Cleber Alho, professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB) e Ph.D em ecologia, destaca que as mudanças de comportamento são urgentes nos dias atuais. “Dificilmente o ser humano encontra, por exemplo, água pura ou ar puro, devido ao impacto das nossas ações. E mesmo as medidas domésticas, e tidas como pequenas, são altamente positivas. Há projetos que podem ser feitos na casa de cada um e, claro, outros que podem ser cobrados do governo. O importante é que as pessoas percebam o que cada casa pode fazer pelo seu bairro. Pois essa mudança é capaz de transformar a cidade, e a cidade pressiona o governo para que ele elabore estratégias mais amplas de conservação do meio ambiente”, explica.
No entanto, Cleber ressalta alguns desafios na adesão dos moradores. “A desigualdade torna difícil alcançar parte da população sobre hábitos de mudança, porque a prioridade deles, muitas vezes, é ter o que comer, onde morar, ter o mínimo que vestir. Por isso, falar em educação ambiental para essa parcela mais vulnerável é algo fora da realidade, porque vivem em uma situação de miséria. Para isso mudar, é necessário iniciativas sociais que possibilitem um acolhimento dessas pessoas. No fim, o casamento de todas as políticas é o que torna viável uma postura cidadã mais consciente”.
Pequenas ações
No Condomínio Ouro Vermelho 1, no Jardim Botânico, os moradores conseguem dar a destinação correta a mais de 90% do lixo produzido. As ações foram implementadas por Rose Marques, 52 anos, síndica do condomínio. “De maneira geral, percebemos que os moradores já tinham essa preocupação, mas faltava as condições adequadas para eles aderirem a esse tipo de iniciativa. Por isso, fazemos campanhas de conscientização e chamamos os trabalhadores da reciclagem para ensinar como os produtos devem ser descartados”, destaca.
Rose pontua que a questão ambiental é vital para a sobrevivência humana e ressalta a importância da humanidade produzir menos lixo. “As ações de reciclagem ajudam também os catadores, porque a separação dos resíduos possibilita que eles ganhem alguma renda, então, além do aspecto ecológico, há o aspecto social dessas medidas”. No condomínio, a síndica revela que os moradores usam um sistema de três formas de descarte: “Temos um baldinho em cada casa destinado para a compostagem, então tudo que é orgânico é jogado nele. O saco verde usamos para o lixo reciclável e o preto para rejeito. Com o adubo que conseguimos com a compostagem, cuidamos da horta do condomínio e cada morador pode tanto colher os alimentos da horta e também receber adubo para a sua casa”.
Moradora de Águas Claras, Carolina Madalozzo Poletto, 37, e servidora pública, também começou a adotar mudanças de hábitos em 2017, quando fez um curso de cosmética natural. “Depois que fiz o curso, um novo mundo se abriu para mim. Em casa, substituí produtos de higiene pessoal que antes comprava no supermercado por produtos naturais, óleos essenciais, vegetais, ceras e manteigas. Hoje, faço meu próprio xampu, condicionador e outros produtos. Comecei, principalmente, a evitar o consumo de produtos que vinham em embalagens plásticas. Quando não consigo fazer em casa algum produto de limpeza para a roupa, por exemplo, faço a escolha pela versão vegana, pela embalagem de papel ou biodegradável”, conta.
Eletrônicos
Alguns produtos, no entanto, requerem um cuidado especial quando são descartados, é o caso dos eletroeletrônicos. Por isso, motivados pelo mês do meio ambiente, a OSC Programando o Futuro, em parceria com a Green Eletron e a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do DF, organizam a ação Drive-thru do Resíduo Eletroeletrônico. O objetivo é evitar o descarte incorreto desses materiais. Os pontos de coleta serão colocados em diversas regiões do Distrito Federal e os moradores poderão entregar eletroeletrônicos de uso doméstico de pequeno e médio porte, como computadores, telefones, impressoras e pilhas gastas. A iniciativa seguirá as medidas de prevenção contra a covid-19.
Ademir Brescansin, gerente-executivo da Green Eletron, gestora sem fins lucrativos de logística reversa de equipamentos eletroeletrônicos e pilhas, alerta que em 2020 a gestora percebeu uma queda no descarte desses resíduos. “Provavelmente isso aconteceu por causa da pandemia, as pessoas estavam seguindo o isolamento e não podiam deixar as casas. Devido a isso, pensamos no drive-thru, uma medida que possibilita às pessoas dar a destinação correta a esses produtos sem correr o risco de se contaminar. A ideia é que todos os materiais que compõem o eletroeletrônico sejam mandados para empresas especializadas e reciclados”, detalha.
Incentivo
Fazer o reuso da água que sai da máquina de lavar roupa para limpar piso ou regar o jardim, além de contribuir para o uso mais consciente do recurso hídrico, principalmente no período da seca, também tem um peso no final do mês com a conta de água. A Agência Reguladora de águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (Adasa) oferta um desconto-bônus de 20% para a economia anual de cada consumidor. Mesmo sem o incentivo, o reaproveitamento da água para outros fins minimiza os gastos e, também, alivia a pressão nos reservatórios, que tendem a baixar cada vez mais durante o período da estiagem.
O superintendente de Recursos Hídricos da Adasa, Gustavo Antonio Carneiro, afirma que, para este ano, a projeção dos níveis dos reservatórios durante a seca é positiva. “Todo ano lançamos a curva de acompanhamento, com as projeções de junho até setembro. A deste ano, ainda não está pronta. Está em fase de finalização, mas como o período de chuva passou, posso dizer que será um ano tranquilo. Choveu bem e a projeção é satisfatória, não tem nenhum alerta vermelho. No entanto, se no ano que vem, tiver pouca chuva, podemos enfrentar situações mais difíceis”, destaca.
Gustavo explica que quanto mais baixo o reservatório fica no fim da estiagem, maior a dificuldade de recuperação dele. Foi o que ocorreu em 2016, quando iniciou a pior crise hídrica do DF, que durou três anos. E o sistema de reaproveitamento de água instalado no bloco O, da quadra 309 na Asa Norte, foi o alívio para os moradores dos 72 apartamentos que não sofreram com a falta de água durante o período mais crítico da crise.
A síndica do prédio, Ana Celes Malvar Marçal, 73, conta que a ideia de instalar a máquina que coleta a água dos canos ligados às máquinas de lavar e do tanque para a lavagem do pilotis, garagem e rega no jardim surgiu como uma solução para diminuir a fatura gasta com a Caesb. “A nossa conta era muito alta, chegou a R$ 14 mil, em 2013. Claro, tinha muitos vazamentos que foram arrumados e aliviou um pouco. Mas com o reaproveitamento, teve mês que a gente pagou R$ 4,7 mil”, afirma Ana Celes. O sistema junta todo o volume de descarte dos apartamentos em um reservatório, onde a água é tratada com produtos químicos e depois destinada a outros usos. O prédio também tem práticas de descarte e separação do lixo de forma correta.