Valdemir Pereira da Silva Júnior, 30 anos, acusado de matar a facadas a namorada, Leidenaura Moreira Rosa da Silva, 37, teve a prisão em flagrante convertida em preventiva. O crime ocorreu no domingo (6/6), em Planaltina, e a decisão pela mudança do tipo de detenção ocorreu durante a audiência de custódia. O agressor é acusado de feminicídio e lesão corporal. O inquérito policial sobre o caso será encaminhado para o Tribunal do Júri de Planaltina. A vítima foi enterrada nessa terça-feira (8/6), no Cemitério de Planaltina.
Na decisão, o juiz considerou que o contexto do crime demonstra “especial periculosidade, desprezo pela vida humana e ousadia ímpar”, o que torna necessária a manutenção da prisão. “Os fatos apresentam extrema gravidade concreta, porquanto o custodiado, com intenção homicida, teria desferido diversas facadas na vítima, sua companheira”, argumentou. Valdemir é reincidente e tem passagem pela polícia por tráfico de drogas. O magistrado destacou ainda que a condenação anterior “não bastou para frear” o “ímpeto delituoso” do acusado.
O caso está na 16ª Delegacia de Polícia (Planaltina). Em depoimento, o acusado deu uma versão, mas nada ficou comprovado sobre a motivação do crime, segundo os investigadores. O delegado-chefe da unidade, Diogo Cavalcante, afirmou que a vítima havia registrado um boletim de ocorrência em julho passado contra Valdemir, por violação à Lei Maria da Penha e por ameaça. No entanto, ela não chegou a pedir medidas protetivas.
Ao Correio, um dos filhos de Leidenaura contou que ele e os irmãos precisavam intervir nas brigas do casal para proteger a mãe. Cinco das seis crianças, frutos de outro relacionamento da vítima, haviam perdido o pai em um acidente de carro há oito anos. O caçula é filho dela com Valdemir.
Seriedade
Para Lia Zanotta Machado, professora do curso de antropologia da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em direitos das mulheres, é essencial tratar com a devida seriedade os casos de violência de gênero. "Passam-se anos e ainda tratam como se fosse uma ocorrência eventual, sobre uma pessoa desconhecida da vítima, como acontece em um roubo ou algo do tipo. Mas é uma ameaça feita entre pessoas que se conhecem, que estão envolvidas por afeto e ódio. Portanto, a vulnerabilidade das mulheres é enorme", destaca. Ela acrescenta que boa parte das mulheres assassinadas por companheiros não chega a fazer denúncias de agressões sofridas durante o relacionamento.
A professora também defende campanhas de incentivo ao registro e à busca por ajuda: "Antes do feminicídio, há a violência crônica, com agressões e humilhações. É preciso acabar com ela. O sistema judicial precisa aprender que a violência contra a mulher não pode ser combatida com uma simples prevenção, como é feito com crimes menos complicados. Se a sociedade considera isso normal, os homens vão continuar sentindo que podem tudo com as mulheres".
Por fim, Lia Zanotta ressalta que as autoridades não podem aceitar facilmente o pedido pela revogação de ações restritivas definidas pela Justiça. "O pedido tem de ser levado a sério. É necessário envolver atendimentos de promotores, psicólogos e assistentes sociais. (Pedir para) retirar a medida protetiva significa que há medo do outro. É preciso entender o que a mulher vive. Ela tem de ser ouvida. O fato de ir à polícia indica que ela precisa de apoio. É muito mais fácil uma pessoa ir à delegacia contra alguém que roubou uma bolsa, por exemplo, porque não há relação com o ladrão", exemplifica a especialista.
Colaborou Ana Maria da Silva
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Problema endêmico
No feminicídio, não faz diferença a classe social das pessoas envolvidas nem a duração do relacionamento. É uma questão de educação: os homens acham que têm a propriedade de mulheres com quem se relacionam, seja de forma permanente ou menos duradoura. As leis aprovadas ainda são ineficientes para conter a onda de violência contra elas. Com contenções de atos anteriores a casos de violência física e feminicídio, pode-se evitar a morte de mulheres, mas o Brasil ainda caminha nesse sentido. É preciso difundir a cultura da denúncia. As mulheres têm medo e sofrem em relacionamentos, mas não chegam a denunciar nem recebem medida protetiva. E, muitas vezes, mesmo com medidas, são vitimadas, porque não temos um sistema eficiente de fiscalização pelo Poder Executivo. Elas são coagidas emocional e psicologicamente pelo agressor a retirar queixas e, por vezes, não se sentem seguras de prosseguir com o processo, porque são dependentes financeiramente do companheiro e não conseguem mudar de vida depois da denúncia. Por isso, o apoio institucional, de abrigamento e inserção no mercado de trabalho, é tão fundamental quanto o incentivo às denúncias. O Estado brasileiro precisa se debruçar sobre esse problema — que é endêmico, mas tem solução. Os programas não são eficientes, senão as mulheres denunciaram mais.
Renata Gil, juíza e presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)