Segundo especialistas, a possibilidade de presença da variante indiana da covid-19 no Distrito Federal acende um alerta para uma possível terceira onda da pandemia que pode, inclusive, ser pior do que a segunda. Apesar do resultado negativo do primeiro teste da única pessoa que está sendo monitorada pela Secretaria de Saúde, médicos e pesquisadores afirmam que, uma vez que a nova cepa chegou ao Brasil — casos foram confirmados no Maranhão —, ela deve se espalhar rapidamente pelas unidades da Federação caso não sejam adotadas medidas de contenção. O governador Ibaneis Rocha (MDB), neste primeiro momento, não vai adotar barreiras sanitárias. “Por enquanto, só o acompanhamento dos casos”, disse ao Correio. Caso haja confirmação, a medida será estudada com apoio da Anvisa. Na terça-feira (24/5), o Ministério da Saúde anunciou que o deve receberá, nesta semana, 88,5 mil doses de vacina.
O caso em monitoramento foi revelado no início desta semana pelo secretário de Saúde Osnei Okumoto. A pessoa mora no país asiático e veio ao DF no mesmo voo de um passageiro que testou positivo para a covid-19 ao desembarcar no aeroporto de Guarulhos (SP). Na próxima sexta-feira, ele fará um novo exame do tipo RT-PCR para detecção do coronavírus e, independentemente do resultado, outro exame será realizado na sexta-feira seguinte, em 4 de junho, quando se encerrará o período de quarentena do paciente.
Segundo o epidemiologista e professor da Universidade de Brasília (UnB) Mauro Sanchez, ainda não há estudos conclusivos sobre as características da variante, mas, se ela for mais transmissível que as outras e tiver uma capacidade de infecção semelhante, o DF pode voltar a sofrer como nos momentos mais drásticos da pandemia até então. “Podemos ter uma terceira onda tão violenta quanto a que acabamos de ter, com mais casos e grande número de pessoas necessitando de unidades de terapia intensiva (UTI)”, explica.
Sanchez afirma que o ideal seria evitar que a mutação chegue ao DF. “Para isso, é preciso cortar o mal pela raiz com barreiras sanitárias em todos os pontos de entrada, como aeroporto, e acelerar a vacinação. E as barreiras precisam ser implementadas com rapidez, pois, no meio tempo, o vírus pode chegar. E depois que chega, remediar pouco adianta”, completa.
Procurada pela reportagem, a Inframérica, responsável pela gestão do Aeroporto de Brasília, afirmou que trabalha dentro das atuais atribuições com medidas de higienização e que, até o momento, “não há orientação diferente dos órgãos competentes das ações que já vem sendo aplicadas pela concessionária”. Enquanto o poder público não define diretrizes de possíveis barreiras sanitárias, quem passa pelo Aeroporto de Brasília encontra álcool em gel, balcões com barreiras de acrílico para proteger passageiros e funcionários, câmeras termográficas e agentes que orientam a população a utilizar máscaras. A limpeza do terminal foi reforçada.
Ontem, o DF registrou 839 casos e 31 mortes pela doença, totalizando 400 mil infecções confirmadas e 8,5 mil óbitos. Com a atualização, a média móvel de mortes chegou a 21,14, com queda de 43,6% em relação a 14 dias atrás. A mediana de casos está em 852,14, valor 1,5% menor que o registrado há duas semanas. Apesar das quedas e da abertura dos hospitais de campanha para pacientes com covid-19 (ver mais na página 14), o DF operava, na tarde de ontem, com 86,969% de ocupação das UTIs para covid-19 na rede privada e 93,62% na pública e tinha 26 pessoas com suspeita ou confirmação de infecção pelo coronavírus na fila aguardando por um leito.
Estudo
Desde janeiro, a Secretaria de Saúde do DF, para identificar e monitorar o surgimento de novas cepas da covid-19, faz, por meio da equipe de Biologia Molecular do Laboratório Central de Saúde Pública do Distrito Federal (Lacen-DF), estratégias de sequenciamento genômico do coronavírus. Os primeiros resultados saíram no início de fevereiro. No último boletim divulgado pela pasta, 60 amostras foram selecionadas e evidenciaram a predominância da variante amazônica (P.1) na população analisada. Também foi evidenciado um caso de infecção por variante inglesa, além de seis casos relacionados à variante P2, do Rio de Janeiro.
Cientistas da Universidade de Brasília (UnB) também realizam o sequenciamento genético em parceria com o Lacen-DF. De acordo com o professor Bergmann Morais, um dos coordenadores do projeto, atualmente, os pesquisadores podem realizar o sequenciamento de 25 a 30 amostras por semana, por meio de uma máquina que faz a leitura do material genético em tempo real (Veja em Como funciona o sequenciamento genético). “A partir dos exames do Lacen-DF, eles escolhem as amostras deles, e das outras restantes nós fazemos o estudo completo”, diz.
“O sequenciamento consiste em conhecer a informação genética do vírus, ou seja, o que determina as características dele. O vírus é feito de RNA e proteínas, basicamente”, explica o professor. Segundo Bergmann, apesar da variante indiana ainda não ter sido confirmada no DF, neste momento, é importante avançar na vacinação e fazer de tudo para evitar que mais mutações do vírus cheguem ou se formem. “Quanto mais o vírus circula, mais ele se modifica e se adapta ao organismo humano. Aquelas mutações que forem favoráveis se perpetuam”, esclarece. Nesta semana, deve ser divulgado o resultado de um novo estudo do Lacen-DF, no qual foram analisadas 301 amostras, e um da UnB, em que foram avaliadas 40 genomas.
Eficácia
Até o momento, foram identificadas no DF casos de infecção pela B.117 (da Inglaterra); P1 (de Manaus); P2 (do Rio de Janeiro); B.1.1.28 e B.1.1.143 (mutações presentes desde o início da crise sanitária). De acordo com o GDF, quem atesta a eficácia das vacinas em circulação para as variantes são os próprios fabricantes. Um estudo conduzido por pesquisadores da NYU Grossman School of Medicine e do NYU Langone Center, ambos nos Estados Unidos, sinaliza que as vacinas da covid-19 desenvolvidas pela Pfizer/BioNTech e pela Moderna são eficazes contra a mutação indiana.
Saiba Mais
Outro estudo desenvolvido pela agência de saúde pública do Reino Unido, Public Health England (PHE), atesta a eficácia da Pfizer e atesta que a AstraZeneca também protege contra a cepa indiana. Ainda não há estudos sobre a eficácia da CoronaVac/Sinovac contra essa variante. Atualmente, no DF, apenas a Moderna não está em aplicação.
Entre as que estão em uso na capital federal, a Pfizer e a AstraZeneca também têm eficácia contra a variante inglesa. O Instituto Butantan (SP), produtor da CoronaVac no Brasil, informou que o imunizante é capaz de neutralizar a variante de Manaus, e um estudo mostrou que a Pfizer e a AstraZeneca também protegem contra a cepa.