Como na França, onde a alta gastronomia se espalha também para fora de Paris, Brasília tem seus refúgios para comer bem e descansar, e ainda oferecem a deslumbrante vista da Chapada dos Veadeiros. Um deles, e o mais estelar, capaz de reunir a um só tempo dois chefs — Marcelo Riella e Wesley Batista — é a Pousada Inácia, distante 23 quilômetros de Alto Paraíso, entrando à esquerda, no km 159 da rodovia GO-118.
A pousada pertence ao advogado, poeta e gastrônomo Luís Carlos Alcoforado, que batizou o local em homenagem à avó. Já o restô se chama L´Alcofa, numa referência ao nome de família precedido pelo artigo francês, afinal, o empresário é um notório colecionador de obras de arte, a ponto de ostentar na propriedade rural uma galeria de quadros, que leva o nome da mulher Gabriela.
Inaugurado há quatro anos, o bucólico empreendimento em meio ao cerrado oferece, além de conexão com a natureza, luxo e beleza em suas instalações. “A proposta inicial era fazer uma casa para passar o fim de semana, mas, depois, transformamos o espaço em pousada. Cada quarto tem uma decoração, e a ideia é que a pessoa se sinta em casa”, conta Gabriela Alcoforado. São 10 chalés e, até o inicio do segundo semestre, estarão concluídos mais cinco.
Outono roxo
Nesta época do ano, logo após as chuvas, o lugar ainda mantém o verde pontilhado pela magnífica cor roxa (atualmente, o tom da moda) da quaresmeira, um arbusto de médio porte plantado pela mão de Deus. “Se você tirar daqui e replantar, ela morre”, informa o proprietário. Cartazes chamam a atenção do visitante para o bioma, onde se destacam plantas nativas como buriti, ingá, cagaita, pequi, mama-cadela, paineira, angico, jatobá, canela-de-ema e ipê, além da quaresmeira.
Outra informação se refere à existência de animais que povoaram a região e estão ameaçados de extinção, como a onça-pintada, o tatu-canastra, o lobo-guará, o cachorro-do-mato-vinagre e outros. O que não falta lá é água, limpa, refrescante e cristalina. Graças ao córrego Almécegas, que, na propriedade Inácia, não economizou cachoeiras. O banho é tudo de bom!
Pop, mas nem tanto
Depois de usufruir um dia em contato com as delícias ecológicas e se deparar com o Morro da Baleia, uma das mais belas vistas da Chapada, chega a hora de curtir a gastronomia. Por seis meses, o baiano Marcelo Riella, 44 anos, formado pela escola de culinária Le Cordon Bleu, de Otawa, no Canadá, e o brasiliense Wesley Batista, 27 (ex-Gero e À Mano), que desde os 17 anos atua na área, pilotam as caçarolas do L´Alcofa, cujo jantar tem um cardápio incrível. Aos sábados, há ostras frescas vindas de Santa Catarina por R$ 90 a dúzia.
Apreciadora que sou das carnes orgânicas produzidas por Ricardo Secchis, que conseguiu importantes certificados para a grife Beef Passion, optei pela rabada, um corte outrora estigmatizado e completamente reabilitado para frequentar as mesas mais requintadas. “Quando o boi é bom, toda a carne é de primeira”, proclama o produtor.
Feita de acordo com a técnica de cocção francesa, a rabada vem com polenta trufada e molho de agrião (R$ 126). Outra delícia é o carré de cordeiro em crosta de baru ao molho de frutas vermelhas e purê rústico com grana padano, além da costela suína grelhada com baião de dois e farofa de flocos de milho com couve e bacon. Não faltam t-bones, anchos e prime ribs assados na parrilla. Enquanto as aves, que dão origem aos pratos (magret e confit de pato, codorna desossada e galinha caipira) são criadas lá mesmo.
Conceito próprio
Do mesmo modo que as folhas e legumes vêm da horta orgânica, onde alfaces, couve, agrião, tomate-cereja e rúcula crescem sadios, com adubo natural produzido no galinheiro. “Nós temos, aqui na cozinha, um sistema de coleta de lixo biodegradável, que transforma dejetos em material orgânico e se reaproveita como nutrientes do solo”, diz o chef Riella.
Quando algum comensal quer saber que tipo de cozinha se pratica na pousada, se italiana, francesa ou brasileira, antes que o dono explique, o experiente chef se antecipa: “É ‘alcoforadiana’ mesmo”. Riella se refere à quantidade de pratos do menu que guardam o toque do gastrônomo e importador de vinhos, cuja adega tem mais de 600 rótulos, quase todos exclusivos e comercializados pela sua empresa Vinalla.
Para Luís Carlos, o Brasil é o único país do mundo que conseguiu interagir com outras culturas e abriu a sua gastronomia, com base nas influências do índio, do branco e do negro para se misturar a de outros países, numa troca efetiva de forma integrada à terra e às riquezas que aqui produzimos. Com esse conceito, ele leva ao pé da letra o conselho de um dos maiores chefs do mundo, Juan Mari Arzak, do País Basco, que costuma dizer: “O pior que pode acontecer a uma cozinha é ela se tornar internacional”. Telefones para reservas: 3328-9464 e 99811-1962