Crônica da Cidade

Um manda, o outro obedece

O ex-ministro Eduardo Pazuello passou mal, em depoimento na quarta-feira, e a sessão teve de ser interrompida e adiada. Não deve ser fácil a pressão para mentir o tempo todo visando salvar o presidente. E com o peso de tantas questões envolvendo 440 mil brasileiros mortos.

Para livrar o presidente, Pazuello faz uma série de malabarismos retóricos, possivelmente ensaiados com um media training. Mas os fatos estão amplamente documentados. Basta dar um Google para constatar que Pazuello assinou intenção de comprar vacinas do Instituto Butantan; que, no dia seguinte, o presidente desautorizou o ex-ministro e disse que quem mandava era ele e não compraria a vacina; que, de pois de humilhado, Pazuello proferiu a sentença histórica: “um manda, o outro obedece”.

E mais: que o Ministério da Saúde inventou uma metodologia estatística estapafúrdia que negava o número de mortos e enfatizava o de curados para agradar o presidente; que o governo nunca fez campanhas de verdade para defender o isolamento social, a máscara ou o álcool em gel; que o presidente fez campanha contra as vacinas; que o governo não comprou as vacinas em tempo hábil.

Pazuello subestima a inteligência dos outros; mente descaradamente. Minimiza as lives, os tuítes e as aglomerações do presidente, sem máscara, como se fosse uma ação de um personagem político das redes sociais e não do chefe da nação. Pesquisa realizada em parceria do Insper, o Ibmec e a Universidade de Toronto (Canadá) mostra que as cidades que são redutos bolsonaristas são as que registraram o maior número de contaminações pela covid.

Segundo a pesquisa, nas cidades brasileiras que votaram em mais de 50% no segundo turno das eleições de 2018, o risco de contaminação chega a 299%; e o de morte atinge o percentual 415% maior do que nos municípios onde ele perdeu a eleição. Não é uma questão de travar um embate entre direita e esquerda. O fato é que os eleitores que obedecem cegamente às orientações médicas do presidente se expõem a um risco muito maior de se contaminar ou de morrer.

Com a decisão do senador Omar Aziz de não prender o ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten, os depoentes pinocchios fizeram fila na CPI da Covid para mentir. Se Wajngarten tivesse sido detido, a história seria outra. Antes de mentir, cada um pensaria duas vezes, todos ficariam temerosos de ser presos. Aziz vem conduzindo bem os trabalhos, mas, a sua hesitação custou caro para a CPI.

Os integrantes da CPI criticam a omissão das autoridades do governo federal. No entanto, eles também se omitiram em punir a inverdade com a prisão. Não se trata de ato arbitrário ou de medida extrema, está inscrito na letra da lei. Esse governo acha que resolve tudo com uma fake news.

Agora, a CPI precisa encontrar medidas alternativas para cercear a falácia: contratar uma firma de checagem das mentiras, promover a acareação entre os depoentes e decretar a abertura do sigilo bancário e telefônico dos depoentes.

Durante o depoimento, ao ser indagado sobre a razão de ser demitido, Pazuello fez a espantosa declaração: “Missão cumprida!”. A afirmação é desmentida de maneira fulminante pelos 440 mil mortos pela covid-19 no Brasil. Não há media training capaz de abafar uma tragédia humana, social e econômica de tamanha magnitude.

O fracasso retumbante da missão tem vários responsáveis, mas a responsabilidade maior é a do comandante da operação desastrada. Esse é um governo em que generais precisam tomar vacina escondidos para não desagradar ao chefe. Como ensinou o ex-ministro para o Brasil inteiro: um manda, outro obedece.