Crônica da Cidade

O voto impresso

E vem aí a última sandice da vanguarda do atraso: a proposta de instituir o voto impresso. Realmente, não dá para entender porque, sem apresentar nenhuma prova, fizeram coro a Trump na acusação de que as eleições para presidente dos Estados Unidos, vencidas por Biden, eram fraudadas. Mais de 50 ações de fraude movidas por Trump foram derrotadas nos tribunais.

O jornalNew York Timesentrou em contato com 50 autoridades eleitorais de todos os 50 estados americanos e nenhum deles relatou qualquer problema nas eleições. Todos nós acompanhamos como o sistema eleitoral norte-americano é uma carroça se comparado ao sistema eleitoral brasileiro. O voto impresso se presta às maiores falcatruas. A confusão armada por Trump é a maior prova de que, neste quesito, os norte-americanos estão atrasados. Em 2000, durante a eleição de George Bush, o resultado das urnas demorou mais de um mês para sair.

Pois bem, é precisamente esse sistema que a nossa vanguarda do atraso pretende implementar no país, em um claro retrocesso em termos de transparência. Ora, se supostamente, o voto impresso provocou todos os problemas nas eleições dos Estados Unidos, por quê adotá-lo no Brasil? A lógica é mais ou menos essa: se eu perder, só pode ter havido fraude.

Só é possível impor essa proposta absurda por meio das fake news nas redes sociais. Segundo uma dessas versões, o Brasil seria o único país do mundo a adotar a votação eletrônica. É fantástico, mas muita gente acredita na mentira. Na verdade, 46 países utilizam o sistema eletrônico no mundo, entre eles, França, Canadá, Austrália, Índia e Nova Zelândia. O sistema brasileiro é um dos nossos raros motivos de orgulho neste momento tão distópico do país.

O Brasil utiliza o sistema de votação digital desde 1996 e, desde essa época, não foi constatada nenhuma fraude. Diferentemente do que ocorre com a internet, o sistema não está conectado a nenhuma rede de dados passível de invasão. Com as cédulas de papel, é muito mais fácil alterar ou adulterar o voto.

Em todas as eleições, o TSE realiza testes públicos para assegurar a segurança do sistema. Pesquisa Data Folha realizada em janeiro deste ano mostrou que 73% dos brasileiros são favoráveis ao voto eletrônico. Querem desmantelar o nosso sistema eleitoral de maneira semelhante a que pretendem destruir as nossas florestas, o nosso sistema de educação e o nosso sistema de saúde. O voto impresso favorecerá a pressão das milícias sobre os eleitores.

Quem quiser entender porque uma ideia tão estapafúrdia prospera na Câmara dos Deputados é só cruzar o voto de suas excelências e as verbas para emendas no orçamento visível e no secreto. Os que se submetem a essa proposta ridícula são os mesmos que aprovam a dispensa de licença ambiental, sonegam verba para realizar o Censo do IBGE e acenam com a possibilidade de liberar o garimpo em terras indígenas.

Não representam os cidadãos brasileiros. Só representam os baixos interesses pessoais do balcão de negócios a que se reduziu o Congresso Nacional com seus pactos fáusticos. O voto impresso é o máximo de atraso. Se é para tocar pra frente mesmo o voto impresso, eu sugiro também a volta da carroça, da calça boca de sino, da fita cassete, do topete na testa, do espartilho, do cinto de castidade e da varíola.

PS:O Senado Federal está realizando uma consulta pública para avaliar o voto impresso. Não se omita, entre no site e vote.