Há um ditado antigo em Sobradinho que diz: “Sobradinho é a cidade que reluz; de dia, falta água e de noite, falta luz.” A segunda parte da rima, feita quando faltavam investimentos e infraestrutura na cidade, não faz sentido nos dias de hoje. Acolhedora e aconchegante estão entre os adjetivos que os moradores usam para definir a região ao norte do Plano Piloto, que, nesta quinta-feira (13/5), completa 61 anos. A origem do carinho que os habitantes sentem pela cidade pode estar no nome, no diminutivo, com ares de intimidade, quase como um apelido.
Com população urbana de 69.363 pessoas, segundo a Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), Sobradinho é a única cidade serrana do DF. Foi fundada no mesmo ano da inauguração de Brasília, para abrigar os candangos que participavam da construção da nova capital federal e da ampliação da produção agrícola do DF. No entanto, desde o século XIX, a região já contava com atividades agropecuárias.
Aliás, ainda no século XVIII, a cidade escreveu sua participação na história com um posto de contagem, em um sobrado, para controlar o transporte de ouro e cobrar impostos. Segundo a Codeplan, a origem do nome estaria nessa relação e no ribeirão Sobradinho, que assim foi chamado porque passava na fazenda onde ficava o posto de contagem. A denominação como região administrativa surgiu em 1964, quando passou a ser a RA V.
Cidade onde a cultura ferve, Sobradinho encontra espaço para abrigar artes e talentos no Centro de Tradições Populares, Biblioteca Van Gogh, Teatro de Sobradinho, Polo de Cinema do DF, Espaço Cultural e Parque dos Jequitibás. Mas as intervenções artísticas não ficam limitadas a espaços fechados e podem ser vistas também nas vias da cidade, em paradas de ônibus e espaços verdes.
Segunda cidade
A empreendedora Lorena Sodré, 35 anos, chegou a Sobradinho em 2004, vinda de Patos de Minas (MG) em busca de realizar o sonho de cursar direito. Sem condições, morou em um barraco de tábua, passou fome e sentiu frio. Mas foi tão bem recebida pela cidade que, em uma semana, estava trabalhando em uma imobiliária. Hoje, além de formada e pós-graduada na área de direito, apesar de não exercer a profissão, Lorena é Cidadã Honorária de Sobradinho.
“Fui convidada pelo Conselho de Lideranças Comunitárias da cidade para ser homenageada. Me senti muito honrada, principalmente por não ter nascido aqui, mas por ter como minha cidade do coração. Me sinto filha de Sobradinho, é uma cidade muito acolhedora, tem crianças brincando na rua e soltando pipas nas áreas verdes. Sou apaixonada pela cidade”, orgulha-se a empreendedora.
Desde 2011, Lorena tem um grupo no Facebook voltado para mães da cidade com o objetivo de incentivar o empreendedorismo entre mulheres e fortalecer as relações com a comunidade a partir de ações sociais. Hoje, são 42,6 mil membros e mais de 90 mil interações por mês. “Eu sempre entreguei cestas básicas e fiz ações sociais. Na pandemia, junto a outro grupo, entregamos duas toneladas de alimentos a quem precisava na cidade, além de oportunidades de empregos, que já conseguimos para quem pediu ajuda no grupo”, conta.
Para Lorena, uma das ações mais marcantes que o grupo possibilitou foi a compra de dois aparelhos auditivos. “Conseguimos os aparelhos, com valores muito altos, para duas pessoas que estavam há 10 anos sem ouvir. Elas não poderiam pagar pelo tratamento. Postei no grupo e os integrantes ajudaram porque conheciam meu nome. Me sinto um passarinho tentando apagar o incêndio com a água no bico. Faço a minha parte”, completa a mãe de Samuel, 9 anos, e Luiza, 4.
Ajuda que cura
Foi também com ajuda do grupo que a pedagoga Leinha de Paula, 48 anos, começou o processo de cura contra a depressão. O primeiro encontro presencial das internautas, em 2011, foi quando a também empreendedora conseguiu sair de casa pela primeira vez em mais de um ano. E o Parque dos Jequitibás, local do evento, ficou marcado para Leinha como o lugar preferido em Sobradinho.
“Sempre gostei de cozinhar. Quando entrei no grupo, comecei a divulgar meus pratos e receitas. Conheci muitas pessoas, que me acolheram muito bem, e consegui sair de casa. Estava fazendo tratamento contra a depressão e, mesmo medicada e fazendo terapia, desenvolvi síndrome do pânico. Parei de falar com pessoas próximas, logo eu, que sempre fui dinâmica e extrovertida. A doença me pegou de surpresa e me transformou em outra pessoa. No grupo, fui muito bem aceita e voltei a ser eu mesma”, relembra Leinha, que nasceu em Sobradinho e hoje tem uma filha de 17 anos, também nascida na cidade.
“Esse encontro foi um dia muito especial, chego a me arrepiar só de lembrar, foi o pontapé da minha cura. Foi muito importante receber o abraço delas todas, eu não tinha noção do tamanho do carinho que elas tinham por mim, essa lembrança me faz bem. A partir de então, comecei a melhorar. Eu amo Sobradinho, amo criar minha filha aqui, ela nasceu no mesmo hospital que eu. A gente sai da cidade e, quando vemos a entrada, na volta, já nos sentimos abraçados”, descreve a pedagoga, que tem a empresa de comida Delícias da Leinha.
Sobradinho é minha casa
O músico João Victor Dutra, 28 anos, nasceu em Sobradinho. Aos dois anos, foi morar com a família em Natal (RN), retornando à cidade em que nasceu em 2000. "Minha família mora na mesma casa em Sobradinho há 61 anos, idade da cidade. Crescer aqui foi a minha escola de vida. Acho que as noções e parâmetros que tenho hoje vieram através da minha experiência com Sobradinho”, reflete.
Fã de futebol, as quadras poliesportivas, onde cresceu jogando bola, são seus lugares favoritos na cidade. “Minha relação com a cidade é de infância. Aqui tem cheiro de vida, família, respeito, garra e refúgio. Tem um ar diferente, que nunca senti em nenhum outro lugar que já fui. Sobradinho reúne todos os pontos relevantes da minha vida”, sintetiza o músico.
Para João Victor, não há lugar melhor do que a própria cidade. “Sobradinho é o motivo de eu ser o ser humano que eu sou, moldou as minhas opiniões e construiu os parâmetros que tenho nas minhas relações até hoje. Isso aqui significa noção, é meu chão, teto e propriedade. Sobradinho é minha casa”, arremata.
Curiosidades sobre a cidade
- Sobradinho abriga o ponto mais alto do DF, o Pico do Roncador, com 1.341 metros.
- Segundo a Codeplan, 95,08% dos habitantes estão conectados à internet.
- 54,83% dos moradores de Sobradinho se autodeclaram pretos ou pardos.
- A frequência escolar da RA é uma das mais altas da capital federal, superior, inclusive, às taxas do Plano Piloto. Em Sobradinho, o índice nas faixas etárias de 4 a 5 anos, 6 a 14 e 15 a 17 é de, respectivamente, 93,93%, 99,57% e 97,65%. No Plano Piloto, as frequências são de 94,48%, 97,39% e 88,01%.
Comemorações
A Administração Regional de Sobradinho organizou algumas ações pelo aniversário da cidade. Confira:
- Desde 5 de maio, está em exposição permanente o projeto Arte na Via, que contempla pintura artística de alguns pontos de ônibus da cidade.
- Nesta quinta (13/5), pela manhã, haverá hasteamento da bandeira, execução do hino nacional e apagar das velas de 61 anos sobre um bolo de cestas básicas, que serão distribuídas à população carente da região. A solenidade será transmitida pelas redes sociais da Administração Regional.
- Também nesta quinta (13/5), serão veiculados testemunhos dos artistas da cidade no projeto Meu Presente nas redes sociais da administração.
- Na sexta (14/5), será inaugurado, na Biblioteca Pública Van Gogh, o Espaço da Juventude, projeto da Secretaria da Juventude do DF, que disponibilizará computadores e acesso à internet gratuitos. O local estará disponível na próxima semana à comunidade.
- No domingo (16/5), às 14h, haverá a Carreata Antigomobilismo, saindo do Ginásio de Esportes, com arrecadação de donativos para grupos em situação de vulnerabilidade.