Mais um Dia das Mães diferente, o momento de comemorar com a família precisará ser novamente adaptado. A tradicional data ganhou novos contornos desde 2020 por conta do isolamento social que surgiu com a pandemia da covid-19. Mas o amor de mãe não cessa, não diminui, principalmente para aquelas que ainda têm que seguir trabalhando. Seja ela uma pessoa que duplica a jornada de trabalho em casa, com o home office; seja uma profissional da saúde, motorista ou varredora, que arrisca a vida para levar o alimento e cuidar dos seus; ou, até mesmo, mulheres reclusas, que levam em seus corações a saudade de filhos e netos, que precisaram se afastar para resguardar a saúde e vida das mães.
Carinho, mesmo que distante
A saudade virou parte da rotina da aposentada Leila de Carvalho Lima, 63 anos. “Eu sempre gostei muito de receber, de agregar. Dentre as minhas irmãs, sempre fui aquela que procura, nos momentos de comemoração, estar junto com quem ama e gosta”, diz. A residência, localizada na Asa Norte, que sempre tinha um dos três filhos e netos para encher a rotina de alegria, passou a ficar vazia. “Não tem como não sentir saudades. Antes da pandemia, com três filhos, tinha sempre um rodízio. Sempre tinha alguém aqui em casa, e eu me sentia mais livre para ir, encontrá-los, dar um oi, tomar um café”, explica.
Agora, a família se reúne em poucos momentos, com o distanciamento e o uso de máscaras. “Faz muita falta esse toque, esse estar junto, e ficamos na esperança de que vai passar”, ressalta Leila. Para matar a saudade, a aposentada diz que a família recorre às redes sociais. Mas, às vezes, recebe a visita de uma das netas, como Isabela, para aliviar o estresse.
Mãe é sinônimo de preocupação, sentimento que também faz parte da rotina de Leila. Ela conta que tomou a primeira dose da vacina Astrazeneca e aguarda os três meses para receber a segunda. Mas a preocupação não mudou. “Mesmo estando no grupo de risco, parece que eu tenho mais medo por eles. É como se eu estivesse em uma contagem regressiva para que todos possam se imunizar, para que não corram tanto perigo”, pontua. “Percebi também o quanto sou importante para eles. O quanto se preocuparam comigo, para que eu ficasse bem. Ver esse amor mútuo, que existe entre mãe e filho, é especial”, diz.
Multitarefas diárias
A jornada tripla que envolve atividades domésticas, profissionais e cuidados na educação dos filhos faz parte do dia a dia de muitas mães que, com a pandemia, precisam alcançar a produtividade durante o home office. Servidora pública, doula, estudante de enfermagem, mãe de gêmeas de 4 anos e casada. O currículo de Vanessa da Silva Dias, 31, impressiona. Para dar conta do recado, ela explica que utiliza, como ferramenta, o horário flexível, que surgiu com o home office. “Meu chefe é bem consciente e compreensivo em relação à demanda”, agradece.
Além disso, Vanessa conta com uma rede de apoio. “Minha família mora perto, quando preciso, eles me ajudam. No caso da faculdade, estou em ensino remoto. Então minha rotina precisa ser bem organizada. Além disso, precisei virar professora das meninas, porque estão sem ir para a escola. O jeito é dormir pouco e aproveitar o horário que elas dormem para estudar e trabalhar”, diz. De acordo com a funcionária pública, dentre as diversas tarefas, o maior desafio é ser professora das crianças. “Depois que a gente tem filho, percebe o quanto essa profissão precisa ser bem valorizada”, destaca.
Moradora do Jardim Botânico, a brasiliense conta que cursou direito há alguns anos, mas o coração sempre bateu forte pela área da saúde, sonho esse que tinha ficado adormecido com a chegada das filhas. “Sei dos desafios de conciliar a maternidade, trabalho e estudos”, pontua. Durante a pandemia, as portas se abriram para cursar enfermagem. “Amo a profissão, mas ainda tenho o sonho de cursar medicina com especialização em obstetrícia.”
Apesar das inúmeras tarefas, Vanessa explica que pretende ser exemplo para as filhas. “Transmitir valores e contribuir para formação de cidadãos de caráter, com uma educação sempre baseada no amor”, pontua. “A maternidade vem acompanhada de inúmeros desafios, sem dúvida é a maior mudança na vida de uma mulher, mas vem acompanhada do maior amor que alguém pode experimentar”, completa.
Ficando mais juntos
Mãe de um jovem de 20 anos, Viviane Dias, 42, trabalha como motorista de aplicativo há três anos. Ficar trancada dentro de um veículo transportando outras pessoas pela cidade em plena pandemia faz da motorista alvo fácil do novo coronavírus. Na luta pela sobrevivência, a moradora de Ceilândia se arrisca nas ruas da cidade. “É uma preocupação, porque não é só o risco de ser contaminada, mas também de transmitir para o meu filho”, diz. “Eu tive pessoas próximas que faleceram de covid-19. É muito ruim a sensação de não ter controle”, afirma.
Ela conta que a disponibilidade de horário e o tempo maior em casa ajudaram a estreitar os laços com o filho. “Ele está na faculdade, e acompanha as aulas on-line. Então temos mais tempo juntos e estamos aproveitando. Já éramos muito próximos, então tínhamos o hábito de fazer muitas coisas juntos. Mas agora isso virou costume.”
Na direção, com muito orgulho
Todos os dias, elas deixam suas casas e filhos para garantir o direito constitucional de ir e vir de centenas de pessoas. As trabalhadoras do transporte público urbano vestem o uniforme e vão para as ruas carregar vidas e desempenhar um papel fundamental na dinâmica da cidade. Orgulhosa do trabalho que realiza, com muita garra, Cheila Félix de Sousa, 41, trabalha há 19 anos no ramo. Ela conta que começou como cobradora e demorou alguns anos para tornar-se motorista, ganho de maior orgulho em sua vida.
Mãe de duas meninas, de 20 e 21 anos, e de um menino de 6 anos, ela explica que hoje é a responsável por cuidar da família, e ressalta as dificuldades que tem vivido na pandemia. O medo e a insegurança deram espaço à preocupação com os filhos. Moradora de Valparaíso de Goiás, ela conta que a parte mais difícil foi quando o caçula, de 6 anos, corria para abraçar a mãe, e chorava quando não era retribuído. “Eu chegava em casa, virava uma paranoia. Tirava a roupa antes de entrar, corria para o banheiro, o pequeno da casa não entendia, brigava, chorava. Questionava se eu não gostava mais dele. Ele não aceitava no começo, doía muito, chegava a chorar, mas eu explicava que era preciso aquele afastamento momentâneo”, recorda.
A dor no coração deu espaço à compreensão do caçula, que atualmente pede para a mãe se cuidar. “Hoje em dia ele aprendeu que é perigoso e que tem que se cuidar”, diz. A relação criada com os filhos ao longo da pandemia se transformou, e a casa virou espaço de compreensão e amor. “Ser mãe é cuidar. Eu tenho que cuidar da minha mãe e dos meus filhos. Tenho que ser supermãe. É sofrer, porque isso acontece, achando que pode levar o vírus para dentro de casa. Ser mãe é uma luta diária”, acredita.
Grávida durante a quarentena
Nada de chá de bebê, visitas na maternidade ou entrar e sair de várias lojas para comprar o enxoval. O ano de 2020 foi desafiador para todo mundo, mas para quem ficou grávida no meio de uma pandemia, as preocupações foram bem específicas. É o caso de Luciana Cardoso do Nascimento, 43, enfermeira da unidade de terapia intensiva (UTI) covid-19, do Hospital Regional de Santa Maria. Mãe de uma menina de nove meses, ela conta que, além de encarar de perto as incertezas da pandemia, precisou enfrentar medos, projetos alterados e privações.
Mas o sonho de engravidar foi maior do que a pandemia. “Quando descobri que estava grávida, fiquei em regime de teletrabalho. Eu tive hipertensão na gravidez, e daí minha filha nasceu prematura, com sete meses”, recorda. Após quase dois meses com ela em tratamento na UTI neonatal de Santa Maria, Luciana, moradora do Gama, conta que pegou licença-maternidade e férias.
Ao voltar para o trabalho, na linha de frente, a angústia tomou conta, devido à saúde frágil da filha. “Ela ainda não tinha todas as vacinas. Eu chorava bastante, porque não queria voltar, mas precisava”, diz.
O amor pela filha é o que dá forças a Luciana, para lidar diariamente com as dificuldades. “Ser mãe na pandemia é uma mistura de felicidade e medo. Sair todos os dias para cuidar do amor de alguém e deixar o meu amor é algo que muitas vezes me parte o coração, é uma mistura de sentimentos”, completa.
Fabiana da Silva e a filha: força e determinação
Amar o que faz pode resultar em um bom exemplo para os filhos. Esse é o pensamento da frentista Fabiana da Silva, 35. Moradora de Taguatinga, ela conta que foi uma das vítimas do desemprego na cidade em 2020. Foi nesse momento que precisou lidar com os medos pessoais e ser forte para a filha de 16 anos. Após alguns meses sem trabalhar, ela conta que conseguiu uma vaga como frentista. “Foi um ano de muita dificuldade, lidando com gente que não sabemos se está contaminado. Durante a pandemia, o medo de levar o vírus para nossa casa, amigos, é muito grande”, afirma.
Mas Fabiana é forte. Por isso, conseguiu ser exemplo para a filha e ensinou grandes valores. “O que eu posso passar para ela é a educação, ser uma pessoa de carácter, digna, sabendo respeitar as pessoas”, garante.
Exemplo
A rotina para quem é varredora no DF também é difícil. Para Simone Bispo de Oliveira dos Santos, 38, sua função ganhou um novo sentido, uma vez que a limpeza da cidade é ainda mais fundamental em tempos de pandemia. Simone é responsável pelo cuidado com os filhos em casa. “Essa pandemia está difícil, mas o que posso fazer é trabalhar para manter a casa. Se eu não tivesse emprego, não tinha como sustentá-los”, conta.
Moradora do Sol Nascente e mãe de dois meninos, de 14 e 8 anos, e uma menina de 18 anos, ela conta que é difícil, mas gratificante. “Sair todo dia é um risco para a saúde dos nossos filhos, mas mantenho os cuidados para não levar a pandemia para casa. A gente fica com o coração na mão, mas tem que ir trabalhar pra dar o sustento”, pontua. É por meio do exemplo que Simone procura ser espelho para as crianças. “Eles me ensinam também. Ficamos mais unidos, nos entendemos mais, conversamos, brincamos mais. Ser mãe é uma graça, eles são minhas joias preciosas”, diz.
Na linha de frente
Seja por vocação, seja por necessidade, ficar em casa não é uma opção para as profissionais da saúde. Além de enfrentar a crise sanitária, precisam, ainda, lidar com as angústias de pacientes, a carga de trabalho doméstica e a saudade dos filhos. O fato é que o combate à covid-19 mudou a vida de muitas mães. É o caso de Regina Soares Vasconcelos, 40, clínica geral do Hospital de Base Vivian. Moradora da Asa Norte e mãe de dois meninos, com 9 e 12 anos, ela compartilha as dificuldades que tem enfrentado.
“A carga de trabalho está muito grande, exaustiva, porque temos muita demanda, é difícil, principalmente para quem é mãe”, argumenta. A médica conta que, no ano passado, a família foi contaminada pelo vírus. “No começo, a gente acha que é super-herói, e que vai dar conta de tudo. Que não vai trazer essa doença pra dentro de casa. Mas fiquei doente e levei a doença para dentro de casa. Foi um baque emocional muito grande, porque você quer cuidar dos seus filhos”, lembra.
Enquanto alguns gostariam de sair de casa e ir para as ruas, a médica ressalta que o maior aprendizado que teve com a pandemia foi o de valorizar os momentos em casa, com a família. “Eles me mostraram o quanto é gostoso ficar só com eles. Antes da pandemia, a gente chegava em casa e já saía para fazer algo. Agora, eles me ensinaram a importância de ficar junto. Eles me ligavam sempre dizendo que estavam com saudade. Mãe e filho se completam”, destaca.