Três dias depois de completar o primeiro ano de vida, Yasmim Sophia Moura Boudoux entrou para a triste estatística de crianças que morreram vítimas de maus-tratos no Distrito Federal. A bebê faleceu por traumatismo craniano na tarde de 13 de fevereiro. Inicialmente, a queda do berço teria provocado o óbito, mas o laudo cadavérico do Instituto de Medicina Legal (IML) descartou a hipótese e confirmou que a menina faleceu em decorrência de ação humana. O padrasto e a mãe foram presos, na terça-feira, temporariamente, mas negaram as acusações em depoimento.
O Correio teve acesso às informações do laudo cadavérico, onde constatou-se que os maus-tratos contra a bebê eram contínuos e ocorreram em períodos distintos. Yasmim apresentava cinco marcas de hematomas no pescoço, supostamente causadas por dedos, e na parte frontal da coxa; lesão no olho direito; fraturas nas costas, no crânio e no ombro; e feridas na região das nádegas, com resquícios de fezes. “Os médicos legistas concluíram que os hematomas apresentavam uma escala de cor diferentes, o que determinou que havia lesões antigas. Só não sabemos precisar o tempo exato”, afirmou o delegado-chefe da 26ª Delegacia de Polícia (Samambaia Norte), Rodrigo Larizzati.
No dia do ocorrido, a equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi acionada até o endereço da família, na QR 427 de Samambaia, e encontrou a criança sem vida. O laudo do Instituto de Criminalística (IC), que reuniu provas acerca do local, derrubou a tese de que a bebê morreu ao cair do berço. Peritos concluíram que a distância entre o móvel e o chão não causaria os graves ferimentos à Yasmim, muito menos a morte.
Em depoimento, o padrasto afirmou que Yasmim teria morrido após o outro filho da mulher, de 2 anos, ter derrubado a criança acidentalmente ao tirá-la do berço. A versão não convenceu os policiais. Os dois negaram as acusações e alegaram que nunca bateram ou agrediram a bebê. Em audiência de custódia, a mulher declarou que estava grávida de 1 mês do marido. A jovem é mãe de outro menino, de 5 anos, fruto de um relacionamento anterior. O casal permanecerá preso por 30 dias e prestará novo depoimento à polícia. “As investigações continuam para saber se foi homicídio ou maus-tratos que resultaram em morte. Uma coisa podemos confirmar: não foi acidente. Mataram a Yasmim”, declarou o delegado. As duas crianças estão sob a guarda da avó materna.
Em dezembro do ano passado, Yasmim fraturou a costela e precisou ser encaminhada ao hospital da região. Chegando à unidade de saúde, ela passou por exames de raio-x e a mãe foi informada pela médica de que a criança precisaria ser internada. Após saber disso, a mulher fugiu do hospital com Yasmim, sob a alegação de que tinha outros dois filhos para cuidar e não tinha com quem deixá-los.
Rotina conturbada
Com um ano de relacionamento, o casal mudou-se há pouco mais de quatro meses para um barraco dentro de uma casa, na QR 427 de Samambaia, dividido com uma vizinha dos fundos. Em entrevista ao Correio, a moradora, que preferiu não revelar a identidade, relatou que ouvia discussões e o choro da criança constantemente. “Ele batia muito neles. Era impossível não ouvir, porque incomodava bastante. Achávamos que era fome ou algo parecido”, contou.
A mãe era dona de casa, enquanto que o homem trabalhava como vigilante em um supermercado da região. Uma vizinha relata que as crianças eram colocadas para dormir o dia inteiro. “Assim que elas acordavam, ele já falava: ‘vai dormir, menina’. Parecia que ela (mãe) não se preocupava e deixava o marido fazer o que quiser, mandar nas crianças, e não interferia em nada”, relembra.
Com 1 ano, Yasmim ainda estava aprendendo a engatinhar e não falava sequer uma palavra. Com o peso abaixo da média, a vizinha conta que as crianças estavam desnutridas e passavam necessidades. “Cansei de ajudá-los com cestas básicas”, completou.
Na tarde de 13 de fevereiro, a moradora contou que estava em casa quando ouviu um barulho alto vindo da casa da família, mas não escutou choro ou qualquer pedido de socorro. “Descemos para ver o que era e só encontramos a neném toda molinha, sendo levada para o Samu. Ele (padrasto) não demonstrava qualquer reação, nem desespero e nem choro. A mãe não estava em casa no dia”, lembra.