Crônica da Cidade

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A estrada pela frente

Saudades de uma viagem, né, minha filha? O meme do doutor Drauzio Varella que virou clássico em meio à pandemia resume o meu estado de espírito. Aprendemos a ressignificar muitas coisas nesse período com o objetivo de manter a sanidade. Uma delas são as viagens canceladas ou adiadas. Nas horas de aperto, outro mantra muito comum nesses posts e mensagens enxutas de autoajuda vem à mente: respira, inspira, não pira!
Uma amiga compartilhou pelas redes sociais uma mudança interessante que esse contexto trouxe para a família dela. Antes apaixonados e curiosos por conhecer destinos internacionais, passaram a valorizar e se interessar cada vez mais pelos endereços espalhados no país e rodeados por belezas naturais. Tudo funcionou como um chamado para desacelerar e perceber a riqueza de outras formas de relaxar. Assim, refizeram os planos para as viagens do pós-pandemia.
Recentemente, ao pegar um curto trecho de rodovia para uma fazenda também de família, afastada do epicentro em ebulição do cotidiano, me lembrei o tanto que é bom viajar. Encontramos uma playlist inusitada e bem elaborada, batizada sugestivamente de “Retrôvisor”. Perfeita ideia para uma lista de músicas que atendeu exatamente às nossas expectativas, cantar, espantar os males e seguir sem pressa pela estrada.
Ao mesmo tempo que as condições nos levam a uma desaceleração — de planos, expectativas e tudo o mais —, elas nos servem de bandeja a uma realidade virtual que há muito se anunciava. E não como bruma leve das paixões que vêm de dentro. Ah, mas como foi possível ouvir seus sinais. Sabíamos dos riscos e navegamos mesmo assim, sem salva-vidas.
Não à toa talvez minha amiga tenha percebido a importância de uma conexão maior com a natureza e mudado de rota. Incluir a tela como interlocutora das nossas relações é cada vez mais inevitável, é certo. Mas não precisamos nos tornar reféns dessa necessidade do nosso mundo real. Buscar alternativas é preciso, e pode ser mais simples se deixarmos um pouco de lado a necessidade de estar no controle o tempo todo.
Mas pular na tempestade sem salva-vidas não é perigoso? Certamente. A liberdade que é fruto desse “descontrole”, porém, pode se ancorar na conversa com o outro durante um cafezinho (mesmo que com transmissão on-line), encontrar abrigo no pôr do sol ou conforto na mais intensa das literaturas. Se me permitirem uma sugestão, permita-se procurar no fundo do baú, entre os discos preferidos de anos atrás. As canções são uma companhia infalível para seguir a estrada que há pela frente.