A reciclagem é importante para aumentar a vida útil de materiais como vidro, plástico, metal e papel, além de diminuir o impacto da ação do ser humano no meio ambiente e reduzir a quantidade de lixo nos aterros sanitários. No entanto, esses não são os únicos benefícios: o descarte consciente dos diversos materiais consumidos diariamente transformam a vida de muitas pessoas, principalmente a dos catadores, que desempenham um papel fundamental no ciclo de sustentabilidade do planeta.
Presidente da Associação de Catadores Recicla Mais Brasil, Cristiane Pereira, 34 anos, é um dos exemplos. A moradora do Paranoá encontrou no “lixo” uma oportunidade para levar sustento para casa. A jornada de Cristiane na reciclagem começou em 2010, quando ela perdeu o emprego como doméstica, a única fonte de renda da família, pois o esposo estava desempregado após sofrer lesões no joelho. Sem alternativa, o casal começou a recolher materiais recicláveis para sobreviver. No entanto, como moravam de aluguel, quando algum vizinho descobria que os materiais eram guardados dentro de casa eles reclamavam com o dono do imóvel, e Cristiane e o marido precisavam se mudar.
“Nossa rotina era passar a noite recolhendo materiais e o dia separando. Mesmo com todo o trabalho, no fim do mês o que a gente conseguia era algo em torno de R$ 100”, relata. Cristiane, então, decidiu procurar ajuda com a administração e o governo, e recebeu a dica de montar uma cooperativa com outros catadores. Em 2010, ela fundou, com dez colegas, a Associação Recicla Mais Brasil. Mas foi apenas em 2017, com o contrato de coleta seletiva em um condomínio do Jardim Botânico que a vida de Cristiane realmente se transformou.
“Uma síndica de um condomínio no Jardim Botânico tinha o sonho de fazer do lugar um residencial sustentável. Ela já havia adotado a compostagem com os moradores, mas faltava a coleta seletiva. Então, ela propôs que a gente fizesse esse serviço. A associação, que começou em 2011 com 10 catadores, hoje possui 56 cooperados que conseguem ter uma renda digna. Realmente, olhando para trás, foi um projeto de Deus em nossas vidas”, pontua.
União
Paula Beatrice Gomes, 48 anos, subsíndica do Condomínio Mansões Entre Lagos no Itapoã, percebeu a necessidade de trabalho em equipe para tornar o condomínio mais sustentável. “Começamos em 2019, e até hoje temos uma adesão muito grande das pessoas com a reciclagem. O que falta é alguns moradores seguirem o calendário, pois há o dia certo de descarte de rejeitos, recicláveis e também de poda. Eles separam os resíduos, mas colocam todos do lado de fora no mesmo dia”, pondera.
Em uma tentativa de chamar a atenção sobre o cuidado com o descarte do lixo, Paula desenvolveu no condomínio um projeto de humanização dos profissionais. “Estamos mostrando fotos dos motoristas que recolhem esses materiais, seus nomes e quem são as pessoas envolvidas nesse processo, justamente para os moradores perceberem que existe alguém do outro lado, que retira desse material uma renda para suas vidas”, explica a subsíndica.
Paula, agora, pretende diminuir a produção de resíduos dos moradores — no condomínio de quase 15 mil pessoas, são produzidas 140 toneladas por mês. Para alcançar esse objetivo, ela já utiliza parte do resíduo orgânico na horta residencial. “O nosso objetivo é que cada casa adote também o uso de composteira. Para isso, quando algum morador demonstra interesse, disponibilizamos até mesmo a minhoca necessária para o processo”, explica.
Edileia da Silva Ala, 43 anos, moradora de Ceilândia, é uma das pessoas beneficiadas no ciclo da reciclagem. Catadora há mais de 20 anos, ela começou a trabalhar no setor após ficar desempregada e ter de conseguir dinheiro para pagar o aluguel. “Encontrei nisso uma oportunidade para sobreviver”. A catadora destaca que os gestos simples dos moradores fazem muita diferença para o trabalho feito por elas e pelos colegas.
“Eu nunca me machuquei, mas já houve amigos meus que se feriram devido às pessoas que descartavam o lixo incorretamente, misturavam diversos materiais com cacos de vidros e objetos cortantes. Mas aos poucos as pessoas estão aprendendo. Hoje está muito mais fácil convencer alguém a mudar sua forma de descartar o lixo. Agora, tem campanhas e as pessoas estão mais informadas”, acredita.
Consciência
A coordenadora de Mobilização do Serviço de Limpeza Urbana (SLU), Luana Sena, pontua a importância dessa parceria entre sociedade civil, governo e trabalhadores das cooperativas de reciclagem. “Quando materiais como latinha, papelão, plástico e garrafas pet voltam para a cadeia produtiva da reciclagem, eles podem virar novos produtos, novas embalagens. Assim, reduzimos o número de resíduos que enviaríamos para o aterro sanitário. Economizamos, também, com a extração de matéria-prima para criar produtos e, principalmente, contribuímos com a geração de emprego e renda para as cooperativas de catadores”, explica.
Professora do Centro de Desenvolvimento da Universidade de Brasília (UnB), Izabel Zaneti explica que, para o melhor desempenho da reciclagem, o ser humano precisa se sentir parte do meio ambiente. “As pessoas precisam ter consciência do pertencimento à natureza, saber que só existe um planeta e não existe ‘fora’ do planeta”.
Apesar da evolução, Izabel destaca que o DF ainda tem um longo caminho pela frente. “A coleta seletiva na capital poderia ser ainda melhor, temos apenas 3% da reciclagem do que produzimos. Avançamos em alguns aspectos, como o fechamento do lixão da Estrutural, mas ainda precisamos de campanhas educativas para conscientizar os moradores. A mudança de hábito acontece aos poucos, mas precisa ser implementada desde já”.
O caminho, contudo, não envolve apenas a reciclagem, mas também a redução do consumo. “Na política nacional de resíduos sólidos, a primeira ação que encontramos é a redução, ou seja, evitar consumir materiais desnecessários. Ir para o supermercado com uma sacola reutilizável, por exemplo, diminuir o consumo de copos plásticos, preferir embalagens de papel no lugar de isopor. São ações pequenas e simples, mas fazem a diferença”, explica a professora.