Luto

Arquiteto da Catedral e do Palácio do Planalto, Carlos Magalhães era a cara de Brasília

Ex-secretário de Obras, presidente do Iphan e integrante do Conselho Técnico de Preservação do DF, o arquiteto Carlos Magalhães, genro de Oscar Niemeyer, morreu neste sábado, aos 88 anos

Sarah Paes*
Alan Rios*
postado em 30/05/2021 06:00
 (crédito: Marcelo Ferreira/CB)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB)


O Distrito Federal perdeu um dos grandes responsáveis pela magnitude da arquitetura da capital. O arquiteto Carlos Magalhães morreu ontem, aos 88 anos, em decorrência do estouro de uma hérnia. Considerado os olhos e as mãos de Oscar Niemeyer em Brasília, ele foi responsável pela construção da Catedral, do Palácio do Planalto, de alguns ministérios e de prédios da Justiça. A ligação com Niemeyer também era familiar, pois Carlos foi ex-marido de Anna Maria, única filha de Oscar. A conexão com Brasília, ainda maior.


Magalhães carregava no currículo cargos como secretário de Obras, presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e integrante do Conselho Técnico de Preservação do DF. A atuação dele por onde passou fez com que fosse nomeado “guardião da preservação de Brasília”, como destacavam matérias antigas do Correio. Carlos chegou a Brasília em 1959 e morou quase a vida toda na cidade que ajudou a construir, fazendo questão de defendê-la. Para isso, não colocava políticos ou figuras poderosas da capital acima de uma das maiores paixões, a arquitetura. Pelo contrário, sempre criticou o que chamava de “gente graúda”.


Em entrevista no ano de 2000, Carlos Magalhães afirmou que o desrespeito ao patrimônio de Brasília se devia a dois grupos. “Tem gente graúda que só pensa nos lucros, não importa se destrói ou se constrói, e que sabe o que é preservação porque conhece lugares fantásticos preservados. [...] A segunda parte, o resto da população, realmente desconhece o que é o patrimônio, o projeto de Brasília e, por isso, não preserva. Não sabe a qualidade de vida que se tem aqui, que é a melhor das cidades brasileiras”.
A informação da morte foi confirmada por Ana Lúcia Niemeyer, enteada de Carlos. “Há uns 8 meses, ele caiu e quebrou o ombro, ficou internado e chegou até a pegar covid-19, mas se recuperou e voltou pra casa. Agora, há uns dois dias deu esse problema na hérnia e ele não aguentou”, disse. Ana chegava a chamar o arquiteto de pai, tamanha consideração. “Tenho muitas lembranças boas com ele. Carlos foi meu padrasto, mas o considero meu pai, até o chamava assim. Vou sempre me lembrar de sua braveza, mas, ao mesmo tempo, também, que sempre foi muito carinhoso comigo. Ele deixou um legado importante de luta desta cidade. Lutou bravamente por Brasília até o fim”, conta a neta de Niemeyer.


Formado pela Faculdade Nacional de Arquitetura, do Rio de Janeiro, Carlos trabalhou na Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) e chegou a assumir um cargo de chefia, comandando a divisão responsável por construir hospitais e escolas do Plano Piloto. Chefe dos departamentos de Edificações e de Obras Complementares, foi preso na época da ditadura militar e deixou a Novacap. “Fui apanhado no meu trabalho, levado à delegacia de camburão. Só saí porque chegou Dom Newton (Dom José Newton de Almeida Batista), com aquela farda dele, para me ajudar, porque eu tinha feito a Catedral”, detalhou ele mesmo ao Correio, em 2017.

Luz

Dom José Newton era um dos grandes admiradores do arquiteto. Carlos Magalhães relatou ao jornal uma conversa com o arcebispo em que o cristão havia dito: “Desde que o mundo é mundo, não tem um profissional na sua área, no mundo inteiro, em todos os tempos, que tenha começado e terminado uma catedral. Você fez isso. Você tem alguma coisa de Deus, que quer você perto dele”. Em 1972, Magalhães foi morar no Rio de Janeiro, mas voltou ao DF em 1980, com a redemocratização do país. Na época, brincou sobre uma retribuição de Brasília ao trabalho dele, que sofria de uma doença autoimune e estava com apenas 10% de visão em cada olho. “Vim e fiquei bom. Tenho mais essa dívida com Brasília".

Pesar

O governador Ibaneis Rocha lamentou a perda e emitiu uma nota de pesar. “A morte do arquiteto Carlos Magalhães deixa a todos nós que amamos Brasília uma sensação de orfandade. Sua intransigente defesa das características originais de nossa capital deve seguir inspirando a todos que olham para o futuro, com respeito ao passado e ao trabalho dos nossos pais fundadores. É com pesar que externo minhas condolências à família e amigos neste momento de dor, esperando que seu exemplo seja seguido pelas novas gerações”.


O ex-vice-governador do DF Paulo Octávio também manifestou tristeza. “Carlos Magalhães foi um grande amigo e um pioneiro de destaque na história da nossa capital. Defensor do tombamento de Brasília, ele participou ativamente da criação da cidade imaginada por JK, com colaborações importantíssimas para os projetos de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Tivemos uma intensa convivência na época da recuperação do Brasília Palace, uma das joias da nossa cidade. É desses tempos as melhores memórias que guardo desse grande arquiteto que nos deixou hoje (ontem)”.

 

 

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Carlos Magalhães, a cara de Brasíli

CARLOS MAGALHÃES, A CARA DE BRASÍLIA


O arquiteto Carlos Magalhães da Silveira sempre teve a cara de Brasília. Tanto na hora de construir prédios e monumentos como na hora de criticar governantes, combater invasões de áreas públicas, grilagens de terra e especulações imobiliárias.
Alagoano formado pela Faculdade Nacional de Arquitetura, no Rio de Janeiro, Carlos Magalhães foi amigo pessoal e companheiro de escritório de Oscar Niemeyer. Morava em Brasília desde 1959. Pode-se dizer que é um dos maiores responsáveis pela Brasília monumental.
Sem papas na língua, inimigo dos eufemismos, amistoso quando lhe convinha e incisivo quando precisava, Carlos Magalhães sempre jogou pesado quando o tema era a preservação de Brasília.
Fomos companheiros de secretariado no Governo José Aparecido de Oliveira (1985 a 1988). Magalhães na Secretaria de Obras Públicas do DF e eu na Secretaria de Comunicação. Participamos de um governo que retomou o ritmo monumental de Brasília. Com um senão: sempre achamos que tínhamos o poder de estancar as grilagens e o clientelismo em Brasília. Infelizmente, este estancamento durou enquanto durou o governo José Aparecido.
Como Secretário de Obras, Carlos Magalhães terminou a Praça dos Três Poderes, fez o Panteão da Pátria, levou obras de Niemeyer para as cidades-satélites, plantou a cidade de Samambaia, iniciou a despoluição do Lago Paranoá, fez os primeiros estudos para o Metrô e mandou destruir cercas e muros para construir a ciclovia do Lago Paranoá. Inusitado, foi ele que construiu mais de 30km de passeios pelas ruas do Lago Sul.
Hoje, quem anda no bairro mais nobre de Brasília até se esquece de que há 35 anos nem havia passeio público no Lago Sul. Vale destacar um marco importante no governo que tinha a cara do Carlos Magalhães: notificou 140 processos de loteamentos irregulares, denunciou empreiteiros e invasões.
Para Carlos Magalhães, o arquiteto responsável pela construção de uma joia da capital, a Catedral Metropolitana de Brasília, não interessava quem era o governante de plantão. Seus compromissos com a cidade sempre foram além. E ele tinha suas próprias regras para criticar. A qualquer agressão ao plano original de Lucio Costa, ao menor ato de incompetência, provincianismo ou corrupção, ele começava a brigar.

“O velório ocorrerá hoje (30) no Cemitério Campo da Esperança, capela 6, a partir das 12h.”

“Brasília foi o maior canteiro de obras que este país já viu. Quem vinha trabalhar aqui era gente moça, gente limpa, idealista. Quem ficou milionário aqui ultrapassou os limites da decência. Ouço essa gente muito rica dizer que eles ajudaram Brasília. Nada disso. Brasília é que os fez encher os bolsos de dinheiro’’

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