Uma das principais raízes brasileiras ganha destaque nesta semana com uma programação intercultural que celebra o Dia da África. O evento promovido pela Associação dos Estudantes Africanos (AEA) da Universidade de Brasília (UnB) expõe a pluralidade do continente com uma série de palestras on-line ministradas por estudantes nativos. A ideia é mostrar para o público a riqueza e a diversidade cultural e histórica de países africanos pela ótica de quem veio de lá. Os debates estão sendo transmitidos ao vivo pelo canal no Youtube (Estudantes Africanos) e conta com espaço aberto para a interação com perguntas. A programação segue até sexta-feira, com a divulgação de nove países da África.
Para Chouraqui Serge Tiaboua, 32 anos, estudante de relações internacionais da UnB e secretário-geral da AEA, este é um momento que os universitários africanos têm para mostrar a sua cultura. “Não há ninguém melhor para falar sobre a África do que os próprios africanos. Durante os debates, vamos apresentar para a comunidade acadêmica e para a população em geral quem somos, de onde viemos. Os pontos fortes e fracos de cada país”, explica o graduando que é oriundo da Costa do Marfim.
Esta é a terceira edição da Semana da África promovida pela AEA que conta com a parceria da Secretaria de Assuntos Internacionais (INT) do Centro de Convivência Negra (CCN) e do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Neab/Ceam) da UnB. Neste ano, em razão da pandemia da covid-19, o evento ocorre, inteiramente, de forma virtual. “Nos anos anteriores, a programação era mais extensa com desfile de moda africana, degustação da culinária africana e vivência cultural. Nesta edição, em respeito aos decretos e protocolos de prevenção à covid-19, limitamos só nos debates on-line”, afirma. Ao todo, nove países serão abordados na Semana da África, com palestras de uma hora cada.
Chouraqui Serge Tiaboua destaca que o seminário contribui para a desmistificação de esteriótipos africanos. “Essa troca cultural ajuda a diminuir os preconceitos e proporciona uma maior inclusão social, além de explicar a cultura africana”, pontua o costa-marfinense. De acordo com Chouraqui, o Brasil tem agregado — de forma positiva — cada vez mais elementos da cultura africana. “Atualmente, temos a Kizomba, uma dança da Angola que tem feito muito sucesso entre os brasileiros. O vestuário, com os vestidos e camisas coloridas, as pulseiras de couro e de tecido. E as tranças que têm, cada vez mais, ganhado destaque”, enumera o universitário que mora no Brasil há cinco anos. Sobre os elementos da Costa do Marfim, que é visto entre o dia a dia dos brasileiros, Chouraqui ressalta a culinária com o cuscuz de farinha de mandioca (atiekie) e a banana frita (aloco) que é muito usada no país de origem.
Herança
A pós-graduada em Gestão de Políticas Públicas de Gênero e Raça da UnB, Joceline Gomes, 33, ressalta que o legado dos descendentes africanos está em todos os aspectos do cotidiano brasileiro. “Tem uma frase que eu costumo falar, não sei de quem é, mas representa muito isso. ‘Portugal colonizou o Brasil, mas a África civilizou o Brasil’. O idioma, o traço físico, a cultura. O legado cultural artístico se deve em grande parte ao continente africano. Se não fossem os africanos, que vieram parar, aqui, em condição de violência, não existiria o Brasil”, argumenta a também pesquisadora em danças afro-brasileiras pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
“Mãos pretas que construíram o Brasil e, até hoje, não são valorizadas. O nosso país deve muito aos povos africanos, e datas como a de hoje são importantes para ressaltar a abundância da África”, afirma Joceline. Para ela, a África precisa sair desse lugar de miséria que é sempre retratada. “Como falar que o pai da trigonometria é grego, se, antes, já existiam as pirâmides do Egito? Existe muita riqueza que a gente não tem acesso, pelo sistema racista. E só as pessoas que moram lá que podem falar com propriedade sobre essa cultura”, destaca.
Na avaliação de Joceline, o tambor africano é um dos grandes legados. “Está presente em todas as formas de manifestação cultural. No tamborzão do funk, no samba, na capoeira, no jongo, nas religiões de matriz africana. Essa célula mínima é a maior contribuição da África no nosso país. Como diz o Emicida: ‘tudo que bate é tambor, todo tambor vem de lá’”, defende.
Culinária
Um dos primeiros restaurantes de culinária africana em Brasília, está localizado na Quadra 412 da Asa Sul. O Simbaz — Culinária Afro e Bar, resgata os sabores de 20 países da África pelas mãos do chef nigeriano Chidera Ifeany, 32. O espaço, inaugurado em agosto de 2017, é resultado de um sonho antigo de Chidera que veio para Brasília em 2014, para ser o cozinheiro oficial da delegação da Nigéria na Copa do Mundo. “Depois da Copa do Mundo, eu tive esse desejo de criar meu próprio restaurante, mas muitas pessoas diziam que não ia dar certo e acabei não levando para frente por medo. Em 2017, resolvi seguir com meu sonho, e estamos até hoje abertos”, conta o chef nigeriano.
O lema do Simbaz é Hakuna Matata, que significa “tudo vai dar certo”. E tem dado para Chidera, que tem orgulho do espaço que criou. A referência ao continente africano está por toda a parte do estabelecimento, desde a decoração até o cardápio, que traz nomes de deuses africanos e de montanhas da África nos pratos. “Antes da pandemia, no nosso espaço, tinha apresentação de danças africanas e aula de iorubá — língua falada na Nigéria. Com a crise sanitária, as atividades foram suspensas, e estamos apenas com o restaurante aberto para almoço e jantar, além do delivery”, explica Chidera.
Para ele, o 25 de maio é especial. “Traz uma representatividade muito importante para a gente. Marca a libertação da África e é celebrado como unidade africana. Conhecendo a riqueza, é o dia que a gente mostra a nossa cultura”, ressalta. O Simbaz fica aberto de terça-feira a sábado, das 12h às 23h e, no domingo, das 12h às 17h.
Mostra de cinema
O instituto Nicho 54 atua no desenvolvimento de carreira de profissionais negros no audiovisual e promove, entre 4 e 13 de junho, a mostra on-line América negra: Conversas entre as negritudes latino-americanas. Com acesso gratuito, a programação conta com a exibição de 35 filmes de 10 países diferentes, divididos entre ficções, documentários e obras experimentais. A seleção contempla produções desenvolvidas ao longo dos últimos 20 anos, que convidam o público a mergulhar num imaginário cinematográfico racial em territórios da América Latina.
Os filmes serão exibidos na plataforma exclusiva www.sala54.com.br. Cada título ficará disponível para acesso por 43 horas, a partir da data de estreia no site. “A programação convida o público a fazer um ‘mochilão’ cinematográfico pela América Latina, tendo a negritude como acompanhante privilegiada dessa jornada. Esta mostra possibilita que a plateia acesse manifestações culturais da diáspora e paralelos entre as experiências de racismo e resistência à opressão na América Latina”, explica Heitor Augusto, co-diretor do Nicho 54 e diretor curatorial da mostra.
Hoje, o doutor e mestre em Linguística pela Universidade de Brasília, André Lúcio Bento lança o site www.baobabrasil.com, que reúne todo o material de pesquisa relacionado às árvores baobás. “Quando eu fiz a minha pesquisa sobre os baobás, tudo estava muito disperso. Então, resolvi reunir, em um só lugar, textos acadêmicos, reportagens e fotografia dos baobás, como uma forma de auxiliar quem queira saber mais sobre a planta de origem africana”, destaca. A data foi escolhida em homenagem ao Dia da África. “Lançar o site sobre um produto muito importante para a cultura negra no dia 25 de maio, marca simbolicamente esse legado”, ressalta.
Semana da África
Pluralidade de um continente único
25 de maio
Samuel Milambu e Junior Musafiri falam sobre o Congo às 11h
26 de maio
Rodolfo Cabral fala sobre a Angola às 11h
26 de maio
Ariana Rodrigues fala sobre Cabo Verde às 15h
27 de maio
Darel Mavoungou fala sobre Congo Brazzaville às 11h
27 de maio
Jeff Batista e Diocleciana Cá falam sobre Guiné-Bissau às 14h
28 de maio
Gedeon Chabi e Yann Amoussou falam sobre Benim às 10h
28 de maio
Mustafa Gnandi fala sobre Togo às 15h
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