Entrevista

"Devemos vacinar quem se expõe", defende o infectologista José David Urbaez

Ao CB. Saúde, o diretor científico da Sociedade de Infectologia do DF, José david Urbaez, fala sobre os efeitos da AstraZeneca em gestantes e destaca que o risco de trombose é raríssimo. Para ele, trabalhadores em contato direto com outras pessoas devem ter prioridade na campanha, a fim de diminuir a circulação do vírus

» LUANA PATRIOLINO
postado em 14/05/2021 06:00
"Em torno de uma pessoa a cada 1 milhão pode ter um processo de ativação de trombose com plaqueta baixa, que é mais ou menos um contrassenso, mas é o que acontece. Esse processo é muito raro, inclusive, em grávidas. O maior risco delas não é morrer de trombose, é morrer de covid-19" - (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

Com a suspensão da aplicação da vacina Covishield — Oxford/AstraZeneca — em gestantes, surgiram muitas dúvidas sobre os efeitos do imunizante contra a covid-19. Ao CB. Saúde — parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília —, nessa quinta-feira (13/5), o diretor científico da Sociedade de Infectologia do DF e infectologista do Laboratório Exame, José David Urbaez, explicou que reações adversas depois da aplicação são exceções. Ele comentou, também, sobre o uso de diferentes vacinas combinadas como alternativa às grávidas que tomaram a primeira dose da AstraZeneca. “O maior risco delas (grávidas) não é morrer de trombose. É morrer de covid-19”, alerta o médico, em entrevista à jornalista Carmen Souza.

 

Estamos percebendo uma baixa procura por vacinas. Tanto da gripe quanto da covid-19. Quais são os desdobramentos desse fenômeno?
Temos uma sazonalidade, em termos da vacina de influenza. É fundamental (a vacina), porque a onda de influenza começa nos meses de outono, antes do inverno. No momento que estamos na pandemia de um outro vírus respiratório, como o Sars-Cov-2, a vacina de influenza funciona, inclusive, para proteger as pessoas e ter um manejo muito melhor da situação e não agravar a pandemia. Em relação à vacina da covid-19, isso reflete toda a incoerência e essa maneira irregular que o programa de vacinação tem caminhado no Brasil. É um processo técnico que se chama hesitação vacinal. As pessoas são bombardeadas por tantas informações desfavoráveis que desmobilizam.

Os hospitais podem ter atendimento impactado por conta das infecções por gripe ou covid-19 pelos vulneráveis aos vírus?
Doenças infecciosas sempre vamos ter. Das pessoas que se infectam, um percentual que não é desprezível vai evoluir para casos graves. E, sem dúvida, vão aumentar a demanda de serviços hospitalares. Isso é uma bola de neve que nós, infelizmente, vivenciamos ao longo da pandemia. Não há nenhuma outra medida melhor, mais eficaz, mais eficiente, que protege pessoas e sistemas do que a vacinação.

Uma questão que tem se falado muito nos últimos dias é a das grávidas e a recomendação para que a aplicação da AstraZeneca seja suspensa. Para a gestante que já tomou a primeira dose, quais são os cuidados?
A gestação é uma condição humana pró-coagulação. A mulher fica com um peso absurdo, com alterações hormonais e menos móvel. Outra questão é o que se viu como um efeito adverso raríssimo da aplicação de vacina de vetor viral. Em torno de uma pessoa a cada 1 milhão pode ter um processo de ativação de trombose com plaqueta baixa, que é mais ou menos um contrassenso, mas é o que acontece. Esse processo é muito raro, inclusive, em grávidas. O maior risco delas não é morrer de trombose, é morrer de covid-19.

O senhor acha que a suspensão era necessária?
A suspensão é de bom tom. Porque dá tempo para as pessoas respirarem, para não colocar medo nas grávidas. Se tivéssemos em um mundo ideal, a vacinação não seria parada, porque escolheriam um outro imunógeno. Mas é muito relevante que as pessoas entendam: o risco associado à gestação, mesmo sem vacina ou sem covid-19, é um risco conhecido, várias vezes maior que a população geral. Mas isso que acontece com a vacina de vetor viral é um fato raríssimo.

Um grupo da Universidade de Oxford, que participou do desenvolvimento da AstraZeneca, divulgou um estudo de combinação das vacinas. Essa combinação de doses poderia ser uma alternativa para grávidas?
A intercambialidade de vacinas sempre foi uma proposta quando se tem várias plataformas. No mundo real normal, isso se coloca em um ensaio e faz a criação da evidência. Habitualmente, dá certo. Mas não posso recomendar fazer isso como uma medida de saúde pública, porque nós não temos nenhuma evidência.

Outro problema que temos enfrentado é de pessoas que não estão tomando a segunda dose da vacina pela falta do imunizante. O que isso pode acarretar?
Faltar a vacina e demorar de uma a três semanas para a segunda dose, baseado na experiência que se tem na vacinologia, você sabe que não acontece grande prejuízo do desenvolvimento de defesa imunológica. Agora, para além disso, é um campo desconhecido. Pode até ser melhor, inclusive. Pode até ter um processo de amadurecimento da resposta imunológica, com a primeira dose e a segunda dose mais tarde. Isso é hipótese. E, para que tenhamos isso, temos que ter um ensaio.

Nesse sentido, essa proposta do governo de espaçar a Pfizer por três meses pode ser perigosa?
Eu diria que é ousado propor um modelo de gestão de vacinação sem um suporte mínimo em ensaio clínico. Pode ser que seja o esquema ideal, mas não é para fazermos isso em uma situação de saúde pública e sem ter dados, porque o risco é que você possa diminuir esse efeito benéfico. Em um momento de pandemia, não podemos diminuir nada que não seja letalidade ou hospitalização.

Há pessoas se recusando a tomar determinada vacina em detrimento de outra. Qual é o seu pensamento sobre isso?
Esse é um pensamento mecanicista. Quando tentamos comunicar as coisas na pandemia, temos muita dificuldade. Primeiro, porque são coisas relativamente complexas e, segundo, porque tudo é atropelado. Eficácia de vacinas é uma proporção entre indivíduos vacinados e não vacinados. Tem que se vacinar com qualquer imunógeno disponível e que tenha eficácia acima de 50%. O que estamos procurando é uma ferramenta coletiva. Não é individual.

E o que fazer depois da vacina?
Quando você vai ter o certificado de alforria? Quando a coletividade estiver protegida. Infelizmente, falta muito tempo. Isso vai acontecer quando tivermos 80% das pessoas vacinadas. Depois que já não tiver fresta para o vírus circular, teremos o nosso objetivo alcançado. Atualmente, o percentual de vacinados é baixo. E não há perspectiva que isso aumente.

Algumas categorias pedem prioridade na vacinação. Como conduzir para essa nova etapa?
Devemos vacinar quem se expõe. Quem são eles? Os que se expõem para ir trabalhar. Acho importante que esse plano de iniciações seja revisto. Temos que vacinar condutor e cobrador de ônibus; caixas de supermercado; pessoas que trabalham na limpeza. Enfim, um exército que não pode fazer isolamento porque é obrigado a sair de casa e que tem condições sociais muito vulneráveis.

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