Educação

Professora da UnB eleita para academia nos EUA defende ciência brasileira

Considerada uma das maiores autoridades do país em estudos de mudanças climáticas, a professora do departamento de Ecologia da UnB Mercedes Bustamante representa a capital na Academia Nacional de Ciências dos EUA

Ana Maria da Silva
postado em 11/05/2021 06:00
 (crédito: Secom/UnB)
(crédito: Secom/UnB)

Em meio à falta de incentivo e à desigualdade de gênero no ramo da ciência no Brasil, a professora do departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB) Mercedes Bustamante, 57 anos, serve de exemplo e é destaque na capital federal e no mundo. Considerada uma das maiores autoridades do país em estudos de mudanças climáticas, fez história mais uma vez: foi eleita, no fim de abril, para a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.

Mercedes transformou em meta o sonho de se tornar uma grande cientista. Nascida no Chile, mas também com nacionalidade brasileira, a professora conta que a atração pelo ramo da biologia surgiu na escola. “Eu tive a sorte de ter excelentes professores de biologia. Quando se tem um mestre com domínio, que consegue atrair o interesse dos alunos, há um impacto na trajetória profissional. Sempre tive esse interesse, mas fui impulsionada por eles”, pontua.

Cursou ciências biológicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro em 1984, e o desejo de entender como as mudanças do ambiente afetam os organismos também estava presente desde o início dos estudos. A partir disso, começou a trabalhar com pesquisas que abordavam o tema. “Comecei a estudar mais a mudança do clima quando fiz meu doutorado na Alemanha, no início da década de 1990. Depois, esse tema começou a ganhar mais atenção, sobretudo devido à necessidade de entendermos o impacto da mudança do clima sobre os sistemas tropicais, que possuem uma grande diversidade de organismos”, explica.

Após terminar o doutorado, resolveu vir para Brasília. Em 1993, entrou no corpo docente da UnB como professora visitante no Departamento de Botânica. Em 1994, participou de um concurso para tornar-se professora efetiva da instituição e começou a trabalhar no Departamento de Ecologia da universidade. Hoje, busca transmitir a mesma paixão pela biologia que, no colégio, professores passaram a ela. “É algo que tento transmitir para os meus alunos para que, por meio das aulas, eles possam perceber não só a importância do tema, mas também a beleza que existe nesse tipo de estudo”, diz.

Mãe de Helena e Ana, 24 e 17 anos, Mercedes não viu a maternidade como empecilho para trilhar o caminho de sucesso: concluiu o mestrado em ciências agrárias e o doutorado em Geobotânica, além de atuar em temas como o cerrado, mudanças no uso da terra, biogeoquímica e mudanças ambientais globais. Coordenou a produção de artigos e trabalhos, tornou-se membro em comitês científicos e foi diretora de programas.

Com um currículo extenso, a professora afirma que o trabalho não é somente mérito dela. “Eu só pude fazer o trabalho que faço porque tenho um grande grupo de colaboradores. Meu trabalho só existe porque os alunos trabalham comigo, me ensinam. Eu tenho uma série de parcerias dentro e fora do Brasil”, pontua. “A ciência é um esforço coletivo, não individual, sobretudo na área que trabalho, de ecossistemas, que exigem coletas de dados por muito tempo, avaliar várias áreas. Esse esforço coletivo precisa ser reconhecido”, ressalta.

E foi por meio do esforço que Mercedes alcançou a indicação de honraria. Para ela, o título é de extrema importância, não só pessoal, mas também nacional. “Neste momento de dificuldades que temos vivido no Brasil, com cortes drásticos no investimento de bolsas de pós-graduação, na pesquisa, na manutenção de nossas instituições, é importante mostrar que a ciência brasileira aparece lá fora, que o investimento feito tem um retorno para o país. E, ao mesmo tempo, é uma marca para mostrar que o país tem grupos de pesquisa que são competitivos também no exterior”, acredita.

Indicação
A indicação para a cadeira na instituição é feita por membros da academia, de acordo com o site. Entre os integrantes que faziam parte do grupo, seis são brasileiros, sendo eles: Aloisio Araujo, Vanderlei Bagnato, Luiz Davidovich, Ivan Izquierdo, Carlos Nobre e Jacob Palis. Para Mercedes fazer parte do grupo, foi feito um processo de eleição e votação. “Eu até fiquei surpresa pela indicação, não estava esperando. Recebi a notícia quando foi feita a publicação no site da academia”, conta.

De acordo com a professora, a iniciativa é uma nova forma de incluir a ciência brasileira em discussões de nível nacional. “Permite participar de grupos de trabalho, discussões que envolvam a cooperação internacional ou temas de pesquisa que possam ser interessantes para os diferentes países”, acrescenta.

Mais citada
Referência em bioma do Cerrado, Mercedes está entre os 18 brasileiros mais citados, em 2020, no portal Web of Science, que divulga os nomes dos pesquisadores mais mencionados em trabalhos científicos no mundo. A professora apareceu na lista de um total de 6.389 pesquisadores, de mais de 60 países. A docente destacou-se pelo impacto crossfield de suas citações, ou seja, por ser muito citada em estudos de diversas áreas do conhecimento.

As diferentes conquistas de Mercedes são consequência de longos anos de trabalho e dedicação, que ela deseja que sirva de exemplo para outras mulheres. “Eu espero que seja um estímulo para que tenhamos cada vez mais mulheres dentro da carreira acadêmica. Hoje, já vemos que há mais mulheres nos cursos de graduação em relação aos homens. A dificuldade vem nas etapas posteriores da carreira acadêmica, pelas dificuldades no mercado de trabalho, de conciliar isso com a maternidade, por exemplo. Eu acho importante mostrar que isso é possível e que as instituições devem colaborar”, reforça. “Podemos perder cinquenta por cento do potencial que o país tem em fazer ciência se excluirmos as mulheres da carreira acadêmica”, completa.

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