Infância

Morte de criança em Samambaia e abandono de bebê comovem o DF

Menina de 1 ano sofreu várias lesões provocadas por ação humana, aponta laudo. Versão inicial de acidente foi descartada, e a mãe e o padrasto estão presos. Nesta quarta-feira, uma recém-nascida foi encontrada em um papa-lixo no Sol Nascente

Darcianne Diogo
postado em 06/05/2021 06:00
 (crédito: Lucas Pacífico/CB/D.A Press)
(crédito: Lucas Pacífico/CB/D.A Press)

Três dias depois de completar o primeiro ano de vida, Yasmim Sophia Moura Boudoux entrou para a triste estatística de crianças que morreram vítimas de maus-tratos no Distrito Federal. A bebê faleceu por traumatismo craniano na tarde de 13 de fevereiro. Inicialmente, a queda do berço teria provocado o óbito, mas o laudo cadavérico do Instituto de Medicina Legal (IML) descartou a hipótese e confirmou que a menina faleceu em decorrência de ação humana. O padrasto e a mãe foram presos, na terça-feira, temporariamente, mas negaram as acusações em depoimento.

O Correio teve acesso às informações do laudo cadavérico, onde constatou-se que os maus-tratos contra a bebê eram contínuos e ocorreram em períodos distintos. Yasmim apresentava cinco marcas de hematomas no pescoço, supostamente causadas por dedos, e na parte frontal da coxa; lesão no olho direito; fraturas nas costas, no crânio e no ombro; e feridas na região das nádegas, com resquícios de fezes. “Os médicos legistas concluíram que os hematomas apresentavam uma escala de cor diferentes, o que determinou que havia lesões antigas. Só não sabemos precisar o tempo exato”, afirmou o delegado-chefe da 26ª Delegacia de Polícia (Samambaia Norte), Rodrigo Larizzati.

No dia do ocorrido, a equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi acionada até o endereço da família, na QR 427 de Samambaia, e encontrou a criança sem vida. O laudo do Instituto de Criminalística (IC), que reuniu provas acerca do local, derrubou a tese de que a bebê morreu ao cair do berço. Peritos concluíram que a distância entre o móvel e o chão não causaria os graves ferimentos à Yasmim, muito menos a morte.

Em depoimento, o padrasto afirmou que Yasmim teria morrido após o outro filho da mulher, de 2 anos, ter derrubado a criança acidentalmente ao tirá-la do berço. A versão não convenceu os policiais. Os dois negaram as acusações e alegaram que nunca bateram ou agrediram a bebê. Em audiência de custódia, a mulher declarou que estava grávida de 1 mês do marido. A jovem é mãe de outro menino, de 5 anos, fruto de um relacionamento anterior. O casal permanecerá preso por 30 dias e prestará novo depoimento à polícia. “As investigações continuam para saber se foi homicídio ou maus-tratos que resultaram em morte. Uma coisa podemos confirmar: não foi acidente. Mataram a Yasmim”, declarou o delegado. As duas crianças estão sob a guarda da avó materna.

Em dezembro do ano passado, Yasmim fraturou a costela e precisou ser encaminhada ao hospital da região. Chegando à unidade de saúde, ela passou por exames de raio-x e a mãe foi informada pela médica de que a criança precisaria ser internada. Após saber disso, a mulher fugiu do hospital com Yasmim, sob a alegação de que tinha outros dois filhos para cuidar e não tinha com quem deixá-los.

Rotina conturbada

Com um ano de relacionamento, o casal mudou-se há pouco mais de quatro meses para um barraco dentro de uma casa, na QR 427 de Samambaia, dividido com uma vizinha dos fundos. Em entrevista ao Correio, a moradora, que preferiu não revelar a identidade, relatou que ouvia discussões e o choro da criança constantemente. “Ele batia muito neles. Era impossível não ouvir, porque incomodava bastante. Achávamos que era fome ou algo parecido”, contou.

A mãe era dona de casa, enquanto que o homem trabalhava como vigilante em um supermercado da região. Uma vizinha relata que as crianças eram colocadas para dormir o dia inteiro. “Assim que elas acordavam, ele já falava: ‘vai dormir, menina’. Parecia que ela (mãe) não se preocupava e deixava o marido fazer o que quiser, mandar nas crianças, e não interferia em nada”, relembra.

Com 1 ano, Yasmim ainda estava aprendendo a engatinhar e não falava sequer uma palavra. Com o peso abaixo da média, a vizinha conta que as crianças estavam desnutridas e passavam necessidades. “Cansei de ajudá-los com cestas básicas”, completou.

Na tarde de 13 de fevereiro, a moradora contou que estava em casa quando ouviu um barulho alto vindo da casa da família, mas não escutou choro ou qualquer pedido de socorro. “Descemos para ver o que era e só encontramos a neném toda molinha, sendo levada para o Samu. Ele (padrasto) não demonstrava qualquer reação, nem desespero e nem choro. A mãe não estava em casa no dia”, lembra.

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Recém-nascida é encontrada em contêiner

Uma bebê recém-nascida foi encontrada, nesta quarta-feira, dentro de um contêiner de lixo perto da chácara 5, no Sol Nascente. A mãe da criança, uma adolescente de 16 anos, contou em depoimento que deu à luz sozinha, dentro do banheiro de casa, por volta das 23h de terça-feira. Após o parto, ela colocou a criança dentro de um balde e a deixou no contêiner.

De acordo com os investigadores, a adolescente relatou ter escondido a gravidez da família por medo da mãe, que tem problemas cardíacos, morrer. “Ela afirmou que o pai do bebê não quis saber nada sobre a gravidez e a abandonou”, contou o delegado-adjunto da 19ª Delegacia de Polícia (P Norte), Thiago Peralva.

A criança, que mede 48 centímetros e pesa 2,380 kg, foi levada por uma equipe do Corpo de Bombeiros ao Hospital Regional de Ceilândia (HRC). Ela está estável e fora de perigo. A partir de agora, será acompanhada pelo Conselho Tutelar. A adolescente foi encaminhada à Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA 2) e em seguida liberada.

Às 7h55 de ontem, um catador de material reciclável que passava ao lado de um contêiner papa-lixo no Sol Nascente ouviu o choro de uma criança. A menina ainda tinha o cordão umbilical atado ao corpo quando foi encontrada.

Ele retirou a criança do local, que estava a dois metros de profundidade, e pediu ajuda aos moradores da região. Um bombeiro que mora próximo ao local foi chamado pelos vizinhos para ajudar no resgate. Enquanto isso, uma das vizinhas acolheu a criança e deu um banho na menina, até a chegada de outros três militares e a viatura. A bebê foi levada para o HRC onde passou por uma avaliação.

Entrega voluntária

Abandonar uma criança é crime previsto no Código Penal, que pode levar à prisão de seis meses a dois anos. Se houver lesão grave, a pena sobe para três anos. Se a criança morrer, o tempo de detenção pode chegar a seis anos. Contudo, entregar de forma voluntária o recém-nascido para adoção é um procedimento legal, que faz parte da Lei de Adoção (nº 13.509/2017). A Vara da Infância e da Juventude (VIJ) é que dá seguimento ao processo. Neste ano, de 16 mulheres que procuraram serviço, cinco confirmaram a entrega.

Primeiro, a VIJ procura outros parentes que possam ficar com a criança. Se não forem encontrados, o bebê fica sob os cuidados de um adotante ou instituição. A iniciativa acolhe mulheres grávidas, mães e familiares que não querem ou não têm condições de criar os bebês recém-nascidos e que desejam entregá-los à adoção. Elas recebem atendimento multidisciplinar com psicólogos, assistentes sociais e pedagogos e são orientadas sobre o procedimento. É possível fazer contato com a VIJ pelos telefones 3103-3313 e 9 9272-7849.

O processo é sigiloso para resguardar as mulheres. A ação de Extinção do Poder Familiar, como é chamada, só é concluída depois de uma decisão judicial, tomada após os depoimentos dos pais ou parentes. As mulheres parturientes podem ainda acionar o serviço social do hospital para alertar que querem fazer a entrega voluntária para adoção.

(Colaborou Jéssica Moura)

Bebês abandonados

Setembro de 2020

Bebê é encontrada ao lado de uma caixa d’água que pertencia a um orfanato em Sobradinho. O choro da menina de apenas cinco dias de vida foi ouvido por funcionários da instituição e que acionaram o Conselho Tutelar.

Outubro 2020

Um menino foi achado em uma caixa de isopor na BR 040, entre os municípios de Luziânia e Cristalina. A criança tinha poucas horas de vida e ainda estava ligada à placenta. Ele foi resgatado após uma denúncia. Depois da alta, foi levado para um abrigo.

Outubro 2019

Recém-nascida foi encontrada dentro de uma sacola plástica e foi deixada em uma calçada, na QNB 13, em Taguatinga, e foi encontrada por uma mulher que trabalhava nas proximidades. Como o resgate do Corpo de Bombeiros demorou, populares a levaram ao hospital.

Em queda

Dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) indicam redução em 28,4% nos crimes de maus-tratos às crianças e adolescentes, comparando o primeiro trimestre deste ano ao de 2020. Foram 73 ocorrências entre janeiro e março de 2021, contra 102 no mesmo período do ano passado.

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