Jornal Correio Braziliense

'Sem auxílio econômico, isolamento social é ficção', afirma professor da UnB

O professor Tarcísio Marciano da Rocha, do Instituto de Física da Universidade de Brasília (UnB), elencou, ontem, as principais falhas no combate à pandemia no Brasil. Em entrevista ao CB.Poder — parceria do Correio com a TV Brasília —, o especialista afirmou ao jornalista Vicente Nunes que, desde o início, a crise não contou com uma coordenação central, pautada por pareceres da ciência, que auxiliasse governantes dos estados e do Distrito Federal na luta contra o novo coronavírus. Além disso, a vacinação em marcha lenta contribui, segundo ele, com a iminência da terceira onda da pandemia.

Esses problemas, segundo o pesquisador, contribuem para a situação alarmante que o país vive. Outro ponto avaliado por Tarcísio diz respeito às medidas adotadas pelo Governo do Distrito Federal (GDF) no combate à covid-19. Para o professor, inicialmente, as propostas foram satisfatórias. No entanto, a partir do início da segunda onda de casos, no ano passado, o isolamento social ficou aquém do verificado no início da crise. Acompanhada de um relaxamento no respeito às normas de segurança sanitária, a doença se manifestou de forma mais agressiva, como previam estudos.

Este ano, no Brasil, morreram mais pessoas por covid-19 até abril do que em todo 2020. Por que chegamos a esse quadro?
No começo da pandemia, em março do ano passado, houve uma reação boa por parte dos governadores, que mantiveram um nível de isolamento social razoável e, com isso, conseguiram conter a primeira onda. Mas era muito claro que a segunda onda viria inevitavelmente, porque, primeiro, no mundo inteiro, vimos isso acontecer. Segundo que boa parte da população não havia tido contato com o vírus e não tinha imunidade, portanto, ficou suscetível a pegar a doença. Era claro que, durante uma segunda onda, a chance de não conseguir um isolamento social mais restrito era muito maior. É triste ver, mas (não há) surpresa nenhuma que isso tenha acontecido. O que tinha de ser feito lá atrás era uma planificação melhor das atividades que podem abrir e fechar, a depender dos índices: todo um planejamento que era possível fazer.

Quais foram os maiores erros cometidos pelo Brasil?
A falta de uma coordenação central apoiada em pareceres da ciência. Poderiam ter montado um comitê científico, como há em outros países que conseguiram um bom combate à pandemia. Os governadores tiveram de agir individualmente em cada estado e no DF, e (isso) torna o enfrentamento muito mais difícil. A falta de atendimento hospitalar adequado também é muito complicada, porque aumenta a mortalidade. Vimos o que aconteceu em Manaus. Foi terrível. No DF, estamos há bastante tempo com 100% das UTIs (unidades de terapia intensiva) ocupadas. A falta de planejamento, decisão e transparência mina a credibilidade e confiança da população.

O senhor falou sobre a falta de planejamento e transparência. Mas também há a questão política, que embaralhou o cenário. Até que ponto a política tem culpa nessas mortes?
O problema é que não se pode levar discussão para o terreno que não é científico. O exemplo clássico é achar que existe tratamento precoce e defender isso. Há provas científicas de que ele não funciona. Esse tipo de politização, que não é baseada na evidência científica, é nocivo. Acredito que a discussão é técnica, científica e, claro, há outros aspectos que têm de ser levados em conta, como a questão econômica. Quando falo de isolamento social não é simplesmente mandar as pessoas para casa, mas (o governo) tem de dar apoio econômico para os mais vulneráveis, (bem como) para os pequenos e médios empresários, que também sofrem com a situação. É toda uma política e organização bem pensada em vários setores da administração pública.

Vimos, no fim de semana, mais uma vez, o presidente da República promover aglomeração no Entorno de Brasília. E vemos o governo demorar para botar em prática o auxílio emergencial. Como isso atrapalha todo o combate à covid-19?
O ideal é que tenhamos um bom exemplo de gestor público. O bom exemplo é aquele baseado nas análises técnicas que o país tem muita condição de fazer. O que sinto mais falta é ter coordenação central. Isso facilitaria o uso de recursos. O fato de não haver auxílio emergencial empurra e obriga a ir para a rua a pessoa que trabalha de dia para poder jantar. Sem auxílio econômico, isolamento social é ficção. O país tem condições de dar apoio econômico para conter essa fase da pandemia. Ou se faz isso ou você diz que a vida das pessoas não vale grande coisa.

O senhor acredita em uma terceira onda da covid-19 no país?
Possível sempre é. Porque, primeiro, em nenhum lugar do país alcançamos a imunidade de rebanho — supondo que quem teve o vírus está protegido, porque também não é muito claro se todo mundo tem proteção contra uma possível reinfecção. Sabemos que há casos de reinfecção, mas não é um número muito grande, não se sabe quanto tempo essa proteção natural dura. Se ela durar seis meses, podemos ter ondas que se repitam. A expectativa é de que a vacinação seja uma forma efetiva de controle. E ela só vai controlar a pandemia se vacinarmos quase toda a população.

Como avalia as medidas tomadas pelo GDF?
No primeiro momento, no ano passado, foram corretas. Posteriormente, não se conseguiu fazer um isolamento. Chamam de lockdown, mas não é, porque é algo muito mais rigoroso e nunca tivemos lockdown em nenhum lugar do Brasil. Temos medidas de isolamento social, (para) fechar atividades não essenciais. (Mas,) pelo que vimos dos indicadores de mobilidade das pessoas, esse último isolamento no Distrito Federal ficou muito aquém do primeiro. Deveria ter sido mais intenso. Se conseguissem isso (manter as pessoas em casa) quando começou a segunda onda, evitaríamos um número razoável de mortes.