Quem vai nos salvar
O lote ao lado de minha casa foi vendido, a compradora vai construir casa e nós entramos em um acordo para cortar árvores frutíferas que nasceram, sem serem plantadas, na divisa do terreno. Em poucos minutos, dois caboclos, armados de motosserra, reduziram goiabeiras, pitangueiras, amoreiras e outros arbustos a um monte de galhos esparsos.
Com os rostos grudados na porta de vidro da sala, meus dois netos, Aurora, de 7 anos, e Judá, de 3, assistiram a tudo e ficaram revoltados. Aurora pediu: “Vocês poderiam me emprestar o celular um minuto, pois eu quero ligar para a polícia para denunciar os moços?”. Para uma criança, derrubar uma árvore é crime, não importa o motivo.
E é importante que eles construam uma nova consciência sobre o meio ambiente ante a ameaça do aquecimento global. O incidente no quintal me levou a pensar em termos mais amplos. As árvores da Amazônia têm de 200 a 1.400 anos de idade, com uma margem de erro de 80 anos, estimam os cientistas. São verdadeiros monumentos da natureza.
Em minutos, elas são derrubadas para serem vendidas no exterior pelo preço de eucalipto ou de compensado. O paciencioso e milagroso trabalho centenário e milenar da natureza é destruído de maneira irreparável. Uma árvore é um sistema sofisticado de purificação do ar, de produção de água, de regulação das chuvas e de controle da temperatura da atmosfera. Desmatar é um crime contra a vida e contra o futuro das novas gerações.
Na série Coreografia da violência, o artista plástico brasiliense Wagner Hermusche pintou um quadro com a imagem impressionante de uma turba sinistra de parlamentares em passeata pela Esplanada dos Ministérios, embrulhados em ternos e tailleurs impecáveis, armados de surreais motosserras ligadas em alta voltagem, desfechando fagulhas elétricas na noite brasiliana.
Suas excelências do Congresso Nacional são as personagens omissas no projeto de destruição sistemática do meio ambiente desencadeado por esse governo. A tal ponto que compactuam até com a presença de um ministro do Desmatamento no governo. Esta frescura de “subiu o tom” ou “baixou o tom” não vai nos salvar.
A canção Matança, autoria do compositor Jatobá, antecipa o futuro muito próximo do planeta caso não sejam tomadas as providências cabíveis. Ninguém escapará dos efeitos apocalípticos da devastação ambiental. Vai sobrar para todo mundo. Vender a consciência em troca de uma emenda do orçamento será fatal: “Quem hoje é vivo corre perigo/E os inimigos do verde dá sombra ao ar/Que se respira e a clorofila/Das matas virgens destruídas vão lembrar”.
A canção alerta que, quando chegar a hora, não adianta clamar por nenhum santo: “É certo que não demora/Não chame Nossa Senhora/Só quem pode nos salvar é/Caviúna, Cerejeira, Baraúna/Imbuia, Pau-d’arco, Solva/Juazeiro e Jatobá/Gonçalo-Alves, Paraíba, Itaúba/Louro, Ipê, Paracaúba/Peroba, Massaranduba/Carvalho, Mogno, Canela, Imbuzeiro/Catuaba, Janaúba, Aroeira, Araribá/Pau-Ferro, Angico, Amargoso, Gameleira/Andiroba, Copaíba, Pau-Brasil, Jequitibá/Quem hoje é vivo corre perigo.”