O médico psiquiatra do Hospital Santa Lúcia e também membro titular da Sociedade Brasileira de Psiquiatria Fabio Aurélio Leite destacou, ontem, em entrevista ao CB.Saúde, comandado pelo jornalista Vicente Nunes, os problemas mentais decorrentes da pandemia causada pelo novo coronavírus. “É importante ficar de olho para sinais de perda de energia, perda de disposição e achar que a vida não faz mais sentido”, destaca ele no programa, uma parceria do Correio com a TV Brasília.
Nós temos visto uma onda de casos de pessoas que têm dificuldade em lidar com as emoções, como a depressão. Como o senhor observa essa situação e como podemos analisar o quadro dramático em que vivemos hoje?
É uma situação muito grave, porque tudo aconteceu muito rápido. As pessoas não poderiam imaginar. Quando você tem uma expectativa de algo, pode até dar um tempo para você se preparar mentalmente, mas nessa forma surpreendente, até parece uma coisa de ficção científica, as pessoas de máscaras e tendo que se afastar. Outra coisa também é o número de óbitos, há famílias que foram atingidas e que continuam sendo, o luto, seja pela perda do trabalho, de renda ou do contato social é fator que gerara vários problemas em um curto período de tempo.
Que público está sendo mais atingido? São os idosos, adolescentes ou é uma situação que abrange a todos?
Na verdade, atinge a todas as pessoas de maneira geral, mas de forma muito específica. Os idosos, no primeiro momento, eram um público de maior risco e que ficou bastante isolado, até os parentes procuravam não visitar presencialmente e preferiram manter contato pelo telefone e por videochamada. Nesta segunda onda, temos percebido que o grupo de pessoas que tem perdido a vida são, infelizmente, jovens de 30 a 40 anos, e isso também gera desconforto, medo e apreensão na população. As crianças e os adolescentes sofrem muito pela falta do convívio escolar, social e das brincadeiras, fica muito difícil brincar no ambiente tão tenso e sem ter com quem. Os adolescentes sentem muito por não ter oportunidades de ir para festas, sem comemorar algo ou um aniversário, e tudo isso é muito ruim.
Os especialistas citam este momento como um tsunami, que varreu todos os conceitos e desestruturou todas as famílias.
Nós sabemos que as famílias têm um papel importante no equilíbrio emocional das pessoas. É preciso, neste momento, de ajuda profissional, seja de psicoterapia ou medicamentosa, com auxílio do médico psiquiatra. É importante que as pessoas também entendam que é um momento atípico, que nossas forças e o emocional vêm sendo bombardeados há muito tempo. É importante ficar de olho para sinais de perda de energia e perda de disposição.
As pessoas ficam resistentes em procurar ajuda? Por que é difícil se mostrar vulnerável e admitir que precisa de ajuda?
Se você fizesse esse questionamento há dois anos, eu te diria que ainda existe muito preconceito com a psiquiatria, e as pessoas têm receio em tomar remédios. Hoje, esse preconceito existe numa escala bem menor, e o medo de tomar remédios também tem diminuído. As pessoas baixaram muito a guarda e diminuíram bastante esse olhar em relação ao tratamento psiquiátrico, porque a pandemia fez com que as pessoas realmente percebessem que precisam de ajuda. É algo geral e que elas não se sentem descriminadas ou estigmadas, porque elas vão ao psiquiatra ou porque precisam de um psicólogo ou psicoterapia.
É difícil lidar com essa vulnerabilidade causada pela covid-19?
É difícil porque o ser humano gosta de ter controle sobre suas ações. Quando aparece algo que rouba o seu controle, as pessoas ficam apreensivas. A covid nivelou a todos, não há uma religião ou raça que seja imune ao vírus. O fato de deixar as pessoas ainda mais apreensivas é a questão de não saber onde o vírus está ou onde será esse encontro. Por isso que as medidas de restrição são importantes, pois, como ele é um inimigo que não se vê, ele não avisa quando irá te encontrar.
* Estagiária sob a supervisão de José Carlos Vieira