“O depoimento humano e sincero de um servidor discreto, arguto e fiel, que longe da Academia reescreve a história do Brasil contemporâneo.” É assim que Maria Estela Kubitschek Lopes, filha de Juscelino Kubitschek e Dona Sarah, descreve o livro Dutra — Memórias de um garçom de Juscelino, mordomo em Brasília, escrito por José Dutra Ferreira, antigo funcionário da Presidência da República à época da construção da capital federal. Falecido em 2014, aos 82 anos, Dutra não viu o sonho das memórias publicadas ser realizado. A filha Jussara Dutra Izac, 60, e a viúva, Edna Maria Dutra, 83, deram continuidade ao desejo do garçom e lançaram o livro em parceria com a escritora e jornalista Rosalba Ribeiro da Matta Machado.
Testemunha da história, o próprio Dutra, que chegou a Brasília em 1957, dá, em uma das páginas, o tom de seu dever e a importância de seu ofício. “Trabalho duro e suave. Não sei se as pessoas compreendem o que eu digo. Mas é quando a gente trabalha e, ao encerrar, tem a sensação de que tudo saiu bem, que contribuímos e que o ambiente era feliz.” Igual orgulho é possível observar em uma entrevista que o mineiro de Araxá concedeu ao Correio em 2009, ao falar sobre JK. “Ele não era um presidente. Era um amigo. Parecia da família. Tratava todo mundo com intimidade, sem cerimônia.”
A costureira Edna Maria, que depois viria a ser telefonista da Novacap, chegou à nova capital dois anos após o marido. “Vivenciei tudo. Quer dizer, a primeira parte do livro não, porque ele estava solteiro ainda. Mas presenciei e participei de tudo o que ele narrou para a Rosalba”, relembra. “Esse livro representa nossa vitória e a glória do meu marido. Ele merecia muitos troféus desde aquela época, ainda mais um desses, que era o sonho dele. Ele morreu sem ser coroado com essa alegria”, lamenta a viúva, acrescentando que o livro é a trajetória da vida do casal com muito dos traços de Brasília.
“É uma história muito interessante, e a leitura é cativante, porque o livro foi escrito de um jeito muito inteligente”, elogia Edna. No dia da inauguração da nova capital, tanto Dutra como a esposa trabalharam e não puderam acompanhar a cerimônia de perto. “Ele estava servindo no Palácio da Alvorada, e eu estava na Novacap, atendendo as ligações de gente do país todo querendo saber da inauguração. Eram três linhas e 50 ramais, os telefones não paravam de tocar. O serviço era contínuo, com uma chamada atrás da outra”, relembra.
Histórias cruzadas
Com 400 páginas, 32 desenhos e 44 fotos, o livro reúne momentos importantes da história de Brasília e do Brasil, como a festa de inauguração da cidade e a renúncia do presidente Jânio Quadros, misturando relatos históricos e lembranças afetivas. “Valorizei a história dele. Era importante aproveitar o material, que era muito bom. Apresentei o Dutra e as histórias numa tessitura da construção de Brasília: em tudo que escrevi, sobre qualquer aspecto da construção, eu inseri o Dutra, nas lembranças, nas descrições, em tudo. O livro acabou sendo sobre ele, na ambientação da construção de Brasília”, relata a escritora Rosalba. Além de Dutra, da própria família e do clã Kubitschek, figuram nos relatos personagens que se destacam não apenas na história da nova capital, mas também do Brasil, como Darcy Ribeiro, Getúlio Vargas, Jânio Quadros, João Goulart e Tancredo Neves.
É impossível não ligar a história de Brasília da trajetória pessoal do garçom. Inclusive, Jussara, a segunda filha do casal Edna e Dutra, foi a quarta criança a nascer na capital federal. O nome da menina foi dado em homenagem a Juscelino e Sarah, combinando as primeiras letras do presidente com o nome da primeira-dama. Jussara também é o nome da primeira mulher nascida em Brasília e da primeira neta de JK, filha de Maria Estela.
Jussara Dutra é tão ligada à história da nova capital, que a ideia de compilar os relatos em um livro partiu dela. “Já tínhamos tentado fazer com ele gravando e alguém decupando depois, mas não tinha dado certo, por ser trabalhoso. Foi então que procuramos a Rosalba”, conta a filha. Devido à pandemia da covid-19, o lançamento presencial do livro ainda não pode ser feito, mas Jussara garante que, em momento oportuno, a estreia será comemorada. “Aproveitamos o gancho do aniversário de Brasília, mas temos muitos lugares para fazer o lançamento, falta só a data”, elenca a servidora pública e advogada aposentada.
"Apresentei (José) Dutra e as histórias numa tessitura da construção
de Brasília: m tudo que escrevi, sobre qualquer aspecto da construção,
eu inseri Dutra, nas lembranças, nas descrições, em tudo”
Rosalba Ribeiro da Matta Machado, escritora
Como comprar
Dutra — Memórias de um garçom
de Juscelino, mordomo em Brasília
Outubro Editora, 400 páginas
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