Crônica da Cidade

Ministro do desmatamento

No ano passado, fundos globais de investidores que administram US 3,75 trilhões (cerca de 20 trilhões de reais) enviaram uma carta-aberta a embaixadas brasileiras em oito países, manifestando a preocupação com a escalada do desmatamento nas florestas brasileiras e com os direitos dos povos indígenas.

Eu achei muito alentador esse sinal de inteligência, de consciência e de lucidez sobre o futuro do planeta. E espero o dia em que os mercados se alinhem com uma agenda mais ampla de desenvolvimento. Talvez não esteja longe o dia em que as bolsas fiquem nervosas com o risco-ignorância, o risco-antieducação, o risco-anticiência e o risco-anti-Brasil.

Mas, pelo menos o risco-desmatamento preocupa o mundo e será tema da próxima Cúpula Mundial do Meio Ambiente, a ser realizada nesta semana. Pois bem, às vésperas do evento internacional, com os olhos do mundo atentos ao Brasil, estamos assistindo a uma cena kafkiana. Ser competente, ser íntegro, cumprir as obrigações públicas e ter compromisso com o país é um perigo no governo atual. O servidor que ostentar essas qualidades corre o sério risco de ser demitido e talvez até punido.

E foi o que aconteceu com o superintendente da Polícia Federal do Amazonas, Alexandre Saraiva. Ele comandou uma operação que resultou na maior apreensão de madeira na Amazônia. Foram 200 mil metros cúbicos de toras extraídas de maneira ilegal em áreas griladas na Amazônia. A carga é avaliada em 130 milhões de reais.

Enquanto isso, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a quem caberia fiscalizar os delitos, saiu em defesa dos infratores. Alexandre enviou uma notícia-crime contra Salles ao STF. Uma das madeireiras acumula 20 infrações no valor total de mais de R$ 8 milhões.

Em vez de ser elogiado, condecorado e receber uma promoção pelos bons serviços prestados, Alexandre foi exonerado do cargo. Ele acusa Salles, o presidente do Ibama do Amazonas, Eduardo Bim, e o deputado Temário Mota (PROS-RR) de conluio para defender os madeireiros.

Dizem que o delegado Alexandre tem a fama, nos bastidores do governo, de ser um “xiita”, pela defesa aguerrida que faz do meio ambiente. Que maravilha ter um servidor com essa consciência coletiva e destemor no cumprimento do dever público. Em compensação, o ministro do meio ambiente é um xiita da destruição de florestas. Na verdade, ele atua como um verdadeiro ministro do Desmatamento.

O que ocorre agora é muito semelhante ao que aconteceu com o ministro Luiz Henrique Mandetta no ministério da Saúde na crise sanitária. Ele tomou as atitudes corretas, seguiu o que ordenava a lei, agiu com responsabilidade pública, era competente, alertou os governantes e, por tudo isso, foi, sumariamente, demitido. Na época, o Congresso Nacional se omitiu inteiramente da questão.

Se não tivesse se omitido, com certeza, não estaríamos na situação atual de colapso do sistema de saúde. Agora, está em jogo a crise ambiental. Não é possível que o Congresso Nacional assista calado à inversão de todos os valores e dê sinal verde para a destruição das florestas brasileiras e para o agravamento do aquecimento global.

Os servidores realmente públicos não podem ser punidos enquanto os meliantes são condecorados. Nada disso ocorreria se suas excelências não fossem omissas. Passou da hora de parar os irresponsáveis que destroem o futuro do país. Que país as excelências legarão para seus filhos e netos?