O homem que matou a ex-companheira a tiros na Quadra 8 do Paranoá, na noite desta sexta-feira (16/4), Paulo Augusto dos Santos Rodrigues, 31 anos, chegou a ser preso em 22 de março por ameaçar a vítima, Gabriela Cardoso de Brito, 35, e foi solto dias antes de cometer o feminicídio, na segunda-feira (12/4). A mulher morreu após levar por dois tiros na porta de casa, no Conjunto Q, enquanto conversava com uma vizinha, que também foi baleada.
Gabriela e a vizinha, identificada como Maria Gilene, 62, estavam conversando na porta de casa, quando foram surpreendidas por Paulo. O homem efetuou dois disparos contra a ex-companheira, que atingiram o rosto e o ombro. A colega da vítima também acabou baleada no fêmur. A idosa foi socorrida pelo Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBM-DF) e encaminhada ao Hospital da Região Leste (Paranoá) consciente, orientada e estável. Maria recebeu alta médica e deve prestar depoimento na 6ª Delegacia de Polícia — unidade que investiga o caso — nos próximos dias.
Após matar a ex-mulher, o agressor caminhou por aproximadamente 10 metros e tirou a própria vida com a mesma arma que cometeu o feminicídio. “Tivemos um homicídio qualificado pelo feminicídio, tentativa de homicídio e um suicídio”, disse o delegado-chefe da 6ª DP, Ricardo Viana. Segundo relatos de conhecidos, Maria trabalhava em um salão da região e deixa um filho de 15 anos, fruto de outro relacionamento.
O Correio conversou com a filha de Maria, Ingrid Silva, 40. Ela conta que a mãe estava na porta da casa de Gabriela conversando, como de costume. “Minha mãe relata que foi tudo muito rápido. Ela estava de cabeça baixa, quando ele (Paulo) chegou atirando. Minha mãe levou um tiro de raspão na perna e fraturou o osso. Agora, ela está se recuperando”, detalhou. Ingrid conta, ainda, que dona Maria chegou a presenciar o agressor ameaçando Gabriela de morte. “Eles estavam alguns meses separados, mas ele vivia a perturbando”, completou.
Ocorrências
Paulo acumula uma extensa ficha criminal na Lei Maria da Penha contra Gabriela e por outros delitos, como furto. “Ao chegarmos ao local do crime, tomamos ciência de que o autor era um ‘velho’ conhecido nosso e tinha nove ocorrências por Maria da Penha”, frisou o delegado.
Mesmo separados por quase seis meses, o autor continuava a ameaçar e a perturbar Gabriela. Em 22 de março, Paulo recebeu sentença condenatória de ameaça contra a ex-companheira e chegou a ficar detido no Complexo Penitenciário da Papuda por 22 dias. Na última segunda-feira, recebeu alvará de soltura e foi posto em regime domiciliar. Na sexta-feira, ele matou Gabriela e tirou a própria vida em seguida.
Levantamento da SSP-DF mostra que, em 2020, houve redução de 46,8% dos feminicídios. Em todo o ano passado, 17 mulheres perderam a vida vítimas desse tipo de crime. Entre janeiro e março deste ano, 5 mulheres mortas foram mortas, mesmo número de 2020, se comparado o mesmo período.
Quanto às tentativas de feminicídio, comparando os consolidados de 2020 e 2019, a redução foi de 32,6%. Sendo 60 registros no ano passado, contra 89. No primeiro trimestre desse ano, foram registradas 14 ocorrências desse tipo, quatro a mais do que em 2020 (10 casos).
Entre as medidas da SSP-DF para reduzir os índices desse tipo de crime estão o programa do Dispositivo de Monitoramento de Pessoas Protegidas (DMPP) e a disponibilização mensal do estudo realizado mensalmente pela Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídio e Feminicídio (CTMHF). Uma nova Delegacia de Atendimento Especial à Mulher (Deam), da Polícia Civil do DF, foi inaugurada durante a pandemia no DF. Situada em Ceilândia e atende, também, a população do Sol Nascente/Pôr do Sol. A Deam II funciona 24 horas por dia com uma série de serviços essenciais, como um posto descentralizado do Instituto Médico Legal (IML) e seções especializadas. Além disso, vale ressaltar a campanha #MetaaColher. Com o slogan “A melhor arma contra o feminicídio é a colher”, o movimento busca incentivar a denúncia como ferramenta de prevenção a este crime.
Três perguntas para
Soraia Mendes, pós-doutora em Teorias Jurídicas Contemporâneas pela UFRJ, advogada criminalista especialista em Direitos das Mulheres
Por que as autoridades não conseguem manter os agressores afastados das mulheres? O que é preciso mudar para garantir maior segurança dessas vítimas?
É preciso compreender que uma polícia que diga respeito à violência contra a mulher, doméstica e familiar demanda um complexo de ações. No caso, o que podemos ter é a concessão de uma medida protetiva proibindo a aproximação daquele agressor da vítima. Em última instância, a decretação de uma prisão preventiva. Mas, por outro lado, nós não temos no DF uma política efetiva de segurança pública que compreenda essa complexidade de violência. Em outros estados do país, temos a chamada ronda Maria da Penha, que seria um determinado grupo da PM com alguns integrantes responsáveis por monitorar a segurança das mulheres que estão com medidas protetivas. É necessário que se tenha de um lado as ações da Polícia Civil, mas também o policiamento ostensivo.
Os canais de denúncia e as estratégias de prevenção, como o monitoramento eletrônico são medidas eficazes?
Esses mecanismos acabam trazendo maior estrutura para esses equipamentos que são de proteção às mulheres. O monitoramento eletrônico vai ser determinado judicialmente e os canais de denúncia são formas que se faz para se chegar até as autoridades. É preciso que tudo funcione de forma harmoniosa.
Só esse ano tivemos seis feminicídios no DF. É um número preocupante? Como chamar a atenção das autoridades para esse quantitativo?
Esses números são preocupantes. O Fórum de Mulheres tem feito uma espécie de monitoramento a partir das próprias notícias dos casos e se tem notado que é sempre um quantitativo de mortes muito grande. O número por si só deveria ser suficiente para alertar as autoridades e tratar essa questão com seriedade. Mas temos uma espécie de surdez e cegueira deliberada por parte das autoridades. Estamos falando de ausência de políticas efetivas.