Entrevista Júlia Lucy, deputada distrital (Novo)

'O que foi feito aqui não é lockdown'

Para a parlamentar, o transporte público é foco da infecção, e as medidas de restrições no DF não foram eficazes no combate à pandemia

Em entrevista ao programa CB.Poder — parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília — a deputada distrital Júlia Lucy (Novo) criticou as medidas restritivas adotadas pelo Governo do Distrito Federal. “O realista é estabelecer protocolos que possam ser cumpridos”, disse. A parlamentar ressaltou ao jornalista Alexandre de Paula, ontem, que o lockdown, para ser efetivo, precisa ter planejamento para a população se organizar. Segundo ela, o grande foco de infecção do novo coronavírus é o transporte público.

A senhora tem se colocado como uma crítica do lockdown nos moldes que tem acontecido no DF. O que você acha que deveria ser feito?
São vários os problemas. Primeiro, para que qualquer lockdown pretenda ter algum sucesso é necessário dar um tempo para a população se adaptar. Quando você decreta medida de isolamento e exige que a população cumpra no dia seguinte, é a mesma coisa que você dizer: “não me respeite”. A gente fala de empresários, por exemplo, que fazem compras de gêneros perecíveis para vender no dia seguinte e são surpreendidos de que aqueles gêneros não poderão ser comercializados. Toda uma programação é quebrada. Eu quero dizer o seguinte: o que foi feito aqui não é lockdown. Pra mim, é impossível você falar para uma pessoa ficar em casa se essa pessoa está passando fome. Não existe. Eu não respeitaria isso. Não funciona, e as pessoas continuaram trabalhando na clandestinidade. Eu acho melhor tratar com a realidade das coisas, não com um mundo que a gente sonha.

A discussão sobre o lockdown no Brasil ficou muito binária. Você acha possível buscar
uma alternativa?
Com certeza. Se a gente analisar Minas Gerais, que é governado pelo Romeu Zema (Novo), o estado decidiu, agora, estabelecer a onda roxa, que é o fechamento para todos os municípios mineiros. A diferença é que em Minas Gerais tivemos, desde o início da pandemia, um estudo muito técnico. Então, as pessoas foram comunicadas, foram acompanhando a gestão da crise no estado. Portanto, em Minas Gerais, eles conseguiram aumentar o isolamento social, tiveram resultados positivos. Aqui, no Distrito Federal, não foi isso que aconteceu, nós saímos de uma taxa de isolamento de 32% para 35%. É óbvio que não ia dar certo, é claro que não traria uma repercussão.

Especialistas dizem que é preciso pensar na questão social e dar alternativas tanto para empresários quanto para trabalhadores, como oferecer um auxílio. Como fazer isso?
A melhor alternativa, neste momento, é considerar o fato de que as pessoas vão trabalhar. Não tem jeito da pessoa passar um ano dentro de casa. Isso é impossível para um adulto, para uma criança e até mesmo para um idoso. Eu mesma estou na rua, observei esse movimento de trabalho clandestino. O realista é estabelecer protocolos que possam ser cumpridos. É melhor a gente buscar alternativas para implementar para fazer com que o trabalho possa continuar sendo executado. Neste momento, aqui no DF, o grande foco de contaminação (covid-19) se chama transporte público.

O que pode ser feito, na sua opinião, em relação ao transporte público?
Neste momento, por exemplo, eu defendo a possibilidade de vans escolares atuarem como complementares ao transporte público tradicional. Sempre quando eu proponho isso, os colegas que são contra argumentam que a gente vai abrir brecha para uma situação de bagunça no transporte de clandestinidade. Mas, sinceramente, eu acho que no momento é prioridade salvar vidas e salvar emprego. Depois a gente vê se vai virar clandestino ou não, se as vans vão voltar com força ou não. Em primeiro lugar, a gente tem que ampliar a oferta de transporte público coletivo, colocar mais carros à disposição do povo.

Como a senhora avalia a vacinação?
Eu acho que, obviamente, o governo federal perdeu muito tempo. O governo federal devia ter se antecipado. Defendo o direito da iniciativa privada adquirir as vacinas, porque quanto mais instituições e órgãos comprando a vacina, mais rapidamente a gente vai conseguir imunizar a população. A iniciativa privada, entrando conforme essa última lei aprovada agora, adquirindo as vacinas e doando metade das doses para o SUS, é um adianto. Claro que a vacina não vai ser a resposta milagrosa como muitas pessoas acreditaram que iria ser, mesmo porque estamos diante de um vírus que muda rápido seu DNA, nós já temos várias cepas.