“Era uma noite de lua cheia, céu estrelado e temperatura elevada, ideal para os vestidos longos, ultra-decotados, que foram a tônica preferida pelas elegantes da cidade”, escrevi há 52 anos e quatro meses, me reportando à recepção oferecida nos salões do Palácio dos Arcos (Itamaraty), na qual o príncipe Philip brilhou tanto quanto a Sua Majestade a rainha da Inglaterra Elizabeth II, na primeira e única visita ao Brasil, em novembro de 1968.
Do alto de seus 47 anos, o duque de Edimburgo causou frisson por onde passou, desde a visita ao Jardim da Infância da 308 Sul (modelo no ensino da nova capital), onde até as professoras se alvoroçaram junto de populares, que gritavam “Seu Filipe” até a Catedral. Em toda parte pediam autógrafos (era moda, antes da selfie), que ele, com um aceno, recusava.
Andando, sempre a dois passos, atrás da rainha, como exige o protocolo, o príncipe-consorte não teve qualquer compromisso individual. Nos dois dias que durou a passagem por Brasília, Philip foi visto em todas as ocasiões. Em seu rosto de límpidos olhos azuis, destacava-se o bronzeado obtido durante o périplo marítimo na costa brasileira.
O casal iniciou visita ao Brasil pela Bahia, a bordo do iate real Britannia, que aportou em Salvador para uma estada de três horas e meia antes de zarpar rumo ao Rio de Janeiro que, naquela época, se dizia Guanabara. Ainda na capital baiana, além do Palácio da Aclamação, onde ganhou um quadro do pintor Caribé, oferecido pelo governador Luís Vianna Filho, o casal real participou de um culto na Igreja Anglicana, visitou o Mercado Modelo e o Museu de Arte Sacra.
No Rio, onde o Britannia ficou ancorado, a rainha Elizabeth e o príncipe Philip embarcaram num avião da Royal Air Force, modelo Comet, que pousou na Base Aérea de Brasília, em 5 de novembro de 1968. Precisamente às 12h15, horário previsto no programa para a chegada, o comandante surgiu na porta da aeronave e consultou o relógio para se certificar da tradicional pontualidade britânica, mundialmente conhecida.
Começava ali o espocar dos flashes de centenas de fotógrafos. Comigo, guardo com saudades a lembrança dos colegas Alencar Monteiro, nos cliques, e de Donalva Caixeta, na apuração. Foi ela quem escreveu sobre a visita à escola: “Pena que não houvesse um intérprete para dizer à rainha como funcionava a escolinha, o que as crianças tentavam dizer, para fazê-la compreender o grau de simpatia e até mesmo de forte entusiasmo que ela despertou entre o povo brasiliense”.
Aplausos da rua
À noite, houve memorável recepção no Itamaraty, comandada pelo presidente Arthur da Costa e Silva, após um banquete mais restrito no qual o governante militar cometeu a única gafe que virou notícia. Durante o brinde, falou-se à mesa, naturalmente em inglês, que a rainha tinha uma particularidade muito grande com Brasília, pois aniversariava no mesmo dia da inauguração da cidade, 21 de abril. O general entendeu que era naquele dia e não teve dúvida, ergueu a taça e manifestou os parabéns à Elizabeth II, de 42 anos, na época.
Mais de quatro mil pessoas estiveram na recepção de salões lotados, mas nem todas conseguiram ver a rainha e o príncipe, que, acompanhados pelo presidente da República e dona Yolanda Costa e Silva, levaram quase uma hora para dar uma volta no salão e cumprimentarem a sociedade brasileira. Em certos momentos, o chefe do Cerimonial chegou a se irritar “com a aglomeração dos convidados, sobretudo dos fotógrafos”, escreveu Katucha em sua coluna diária no Correio, informando que “mesmo assim, o casal real chegou até a sacada do salão, recebendo uma calorosa salva de palmas da turma do sereno, a maior que já se encontrou até hoje em torno do mais belo Palácio do Brasil”.
Não se confirmaram, portanto, as previsões do colunista carioca Ibrahim Sued, que escreveu, em O Globo, temer pelas gafes que certamente seriam cometidas pela sociedade brasiliense. Nos salões, o que mais chamou a atenção dos convidados, além da simpatia do casal britânico, foram as joias da rainha. Elizabeth II, num gesto de apreço ao Brasil, usava justamente o conjunto de colar e brincos de águas marinhas, ofertado por Assis Chateaubriand, na época em que foi embaixador brasileiro junto à Corte de St. James, em Londres.
Chateaubriand havia morrido sete meses antes, em 4 de abril de 1968, mas os companheiros e comandados dos Diários Associados publicaram, durante a visita, um anúncio dizendo, “que pena, majestade, que ele não esteja mais aqui — para quebrar, desinibidamente, todos os protocolos...”. Chatô não pôde ver a inauguração do museu que leva o seu nome, na Avenida Paulista, justamente durante a única visita de Elizabeth II e do príncipe Philip ao Brasil, em 7 de novembro de 1968, a São Paulo.