Jornal Correio Braziliense

Semana Santa

Atores e público lamentam cancelamento da via sacra do Morro da capelinha

Católicos lamentam cancelamento da Via Sacra, em Planaltina, que é uma das maiores celebrações religiosas do país. Pelo segundo ano consecutivo, público e voluntários não vão acompanhar a encenação da morte e ressurreição de Jesus Cristo

Uma das tradições da Semana Santa mais conhecidas de Brasília foi cancelada pelo segundo ano consecutivo por conta da pandemia do novo coronavírus. Durante 46 anos, a Via Sacra levou milhares de fiéis ao Morro da Capelinha, em Planaltina, para a encenação da morte de Jesus Cristo, na Sexta-Feira da Paixão. Atores e voluntários lamentaram o cancelamento do evento que movimenta pessoas de todas as regiões do Distrito Federal e, até mesmo, de outros estados.

Nas últimas sete edições do espetáculo religioso, o advogado Marcelo Augusto Ramos, 33 anos, interpretou o papel de Jesus. Ele conta que, no ano passado, o grupo até chegou a se reunir uma vez para debater os ensaios da encenação. “Mas logo em seguida veio o decreto que proibiu qualquer aglomeração na pandemia. E, esse ano, novamente, a gente está aqui, sem poder ensaiar e participar”, relata.

Trabalhando nas atividades da Via Sacra há 14 anos, Marcelo entrou como apoio do evento, passou por alguns papéis e assumiu a personagem de Jesus em 2013. O advogado destaca como a fé movimenta as pessoas da comunidade. “Domingo de Ramos foi muito triste para todo o grupo e para a comunidade. Muitas pessoas dependem emocionalmente desse momento. Para muitos, esse é o início do ano. Está sendo muito difícil ainda para a gente”, lamenta.

Apesar do cancelamento, Marcelo afirma que o grupo de voluntários permanece unido, na esperança de dias melhores. “Adotamos contato via internet. Fazemos nossas reuniões e conversamos por vídeo. Tínhamos expectativa de já estar tudo normalizado neste ano. Esperamos muito que ano que vem a gente possa atuar”, diz esperançoso.

A pedagoga Milena Guimarães, 43 anos, atua no papel de Maria desde 2018. Ela faz parte dos 1,1 mil voluntários no evento e conta do amor pela Via Sacra. “Um presente, uma graça, uma dádiva imensa. Eu amo fazer parte. É a minha história. A minha paixão está aqui”, afirma.

Milena destaca o papel do grupo de evangelizar as pessoas por meio do teatro. A fiel se diz triste com a pandemia e com o cancelamento da encenação. “Essa coisa do público, de estar juntos, é uma coisa muito rica, muito forte. É muito triste ver que mais um ano vamos ficar sem essa graça. Mas é o que a gente tem para hoje”, lamenta.

A intérprete de Maria relata que não usava a roupa da personagem desde que o evento foi cancelado, no ano passado, e não escondeu a emoção ao vesti-lo novamente. “Foi muito dolorido pegar o figurino e lembrar que é mais um ano sem o evento.”

A participação da comunidade é fundamental para o andamento do espetáculo que atraia multidões. Todos os voluntários se envolvem no projeto desde o cenário até a limpeza após a encenação. A servidora pública Gisele Pereira Alves, 36 anos, mora em Planaltina e participa como voluntária da Via Sacra há mais de duas décadas. “Tem 25 anos que sou envolvida. É uma paixão que nasceu comigo. Lá em casa, ninguém tem o contato tão próximo quanto eu. Desde pequena eu queria muito entrar. Participei da Via Sacra quando era criança e depois vim para o Morro. Fiquei muito tempo no apoio e montagens do cenário e depois da encenação”, conta.

Católica, Gisele fala da dedicação à religião e ações da igreja. “Eu vivo muito a quaresma e Semana Santa. Para mim, é o momento mais lindo do ano. É quando as pessoas estão mais próximas”, diz. A servidora também relembra o padre Aleixo Susin, criador da Via Sacra (veja memória). “Padre Aleixo sonhou isso aqui. Então, acho que Deus vai trazer todas as respostas”, afirma.

Memória

Em 1973, Padre Aleixo Susin idealizou e fundou a Via Sacra do Morro da Capelinha, em Planaltina, a mais tradicional da capital. Afastado das funções há alguns anos para tratar o mal de Alzheimer, o religioso morreu no dia 19 de março de 2021, em Caxias do Sul (RS), aos 93 anos.

Patrimônio imaterial

A celebração da Via Sacra é tombada como patrimônio cultural imaterial, desde março de 2008, quando o então governador de Brasília José Roberto Arruda editou um decreto. Fazendo parte do calendário oficial do Distrito Federal desde abril de 1987, o evento cultural religioso, em Planaltina, é consagrado como uma das maiores produções católicas do país.


Saiba mais

Primeiro ano do espetáculo: 12 de abril de 1973
Voluntários: 1,4 mil
Atores: 800
Quantos meses de ensaios: dois meses
Estimativa de Público anual: 80 a 90 mil pessoas
Contato: @viasacraoficial

Ed Alves/CB/D.A Press - Ed Alves/CB/D.A Press
Ed Alves/CB/D.A Press - Dividindo espaço com os trabalhadores da limpeza, os atores relembram os bons tempos da grande celebração da Semana Santa