O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) aceitou um recurso apresentado pelo Governo do Distrito Federal (GDF) contra a decisão que proibia a reabertura de comércios, mantendo as atividades não essenciais liberadas. Com isso, continua a valer o decreto de 19 de março, que autorizava o funcionamento de estabelecimentos como restaurantes, bares e shoppings, com horários específicos e jornadas reduzidas (leia Regras). As atividades se mantêm no momento em que o DF registra superlotação em unidades de terapia intensivas (UTIs) e recordes na quantidade de mortes registradas em 24 horas. Na quarta-feira (31/3), a Secretaria de Saúde (SES-DF) contabilizou mais 117 vítimas.
Na mais recente decisão, a desembargadora federal Ângela Catão entendeu que o Judiciário não pode interferir nas questões administrativas do DF. A justificativa embasou decisões semelhantes no passado, principalmente em relação à flexibilização de atividades na pandemia. A Defensoria Pública da União (DPU), que apresentou ação civil pública contra a reabertura, informou que, até quarta-feira (31/3) à noite, não havia recebido intimação sobre a nova determinação da Justiça. Depois de ter acesso aos argumentos do GDF, a instituição avaliará se cabe entrar com recurso.
Antes de a decisão do TRF-1 sair, comerciantes estavam preocupados com a possibilidade de fecharem as portas novamente. Marcos José dos Santos, 41 anos, é gerente de uma barbearia em Taguatinga e disse que o fechamento do comércio prejudicaria totalmente os autônomos. “Não temos carteira assinada, e isso dificulta muito nosso trabalho. No fechamento (anterior), ficamos em casa, sem ganhar nosso alimento, o pão de cada dia, e isso é muito ruim”, lamentou. Ele acrescentou que perdeu mais de 70% dos clientes devido à pandemia da covid-19.
O presidente do Sindicato do Comércio Varejista do Distrito Federal (Sindivarejista), Edson de Castro, afirmou que não esperava a determinação judicial de terça-feira (30/3). “Todo mundo foi pego de surpresa, ninguém estava acreditando”, comentou. Para ele, caso o fechamento permanecesse, seria necessária uma reformulação: “A única maneira de equilibrar seria com um lockdown de verdade, que não tivesse metrô ou ônibus funcionando, obrigando as pessoas a ficar em casa”, opinou.
Edson de Castro calcula que cerca de 750 empresas fecharam durante a fase de restrições do ano passado. Neste mês, foram mais de 200 estabelecimentos, o que teria levado a uma queda de 80% nas vendas da capital federal. Para ele, com fiscalizações mais rígidas, daria para manter o comércio aberto, mas chegar a esse ponto seria uma desafio. “Temos aqui várias regiões administrativas. Como o governo vai fiscalizar isso? Acaba indo muito da consciência de cada pessoa”, ponderou o presidente do sindicato.
Estoque
Dono de uma papelaria em Ceilândia, João Victor Garcia, 33, explicou que, pelo ponto de vista dos negócios, estava preocupado com os funcionários da loja. “Eles dependem do emprego para sustentar as famílias”, comentou. No primeiro fechamento e no atual, o estabelecimento teve demissões e chegou a perder 80% das vendas. “Nossa empresa é investimento diário. Só de trabalharmos, há um certo volume de pagamentos que temos de fazer. Sem abrir, ficamos sem perspectiva, sem chance de fazer cálculos, de repor mercadorias, pagar salários e todo o resto”, diz.
O presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Distrito Federal (Fecomércio-DF), José Aparecido Freire, considerou “sem cabimento” a decisão de fechar as lojas. “Temos a Páscoa no domingo. As lojas que vendem chocolate, ovos e fizeram pedidos (para o feriado) estão estocadas para vender até lá. Essa data é só uma vez no ano. Se não comercializarem agora, só no ano que vem. Foi uma decisão descabida. Quem tem de decidir se abre ou fecha é o Poder Executivo”, ressaltou José Aparecido.
O presidente da Fecomércio-DF reforçou que o setor não é culpado pela atual situação da pandemia no Distrito Federal: “Podem ir a qualquer estabelecimento comercial, ao shopping. Todas as normas sanitárias, como aferição de temperatura, (manutenção do) distanciamento, uso de máscara têm sido seguidos”, afirmou José Aparecido. “Temos de nos preocupar com a saúde da população, mas, também, com a das empresas e com os empregos. Os negócios estão morrendo, em situação de calamidade, e os empresários, com empréstimos vencendo, sem poder pagar o aluguel e os funcionários”, completou.
Pressão
Em relação aos bares e restaurantes, que pleiteavam a ampliação do horário de funcionamento determinado pelo Executivo local, as restrições resultariam em instabilidade para o setor. “Esse jogo entre (os poderes) Executivo e Judiciário traz grandes prejuízos”, afirmou Jael Antônio da Silva, presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília (Sindhobar). Para ele, se o governador Ibaneis Rocha (MDB) não tivesse entrado com recurso contra a decisão judicial, o sindicato teria recorrido.
Jael Silva acrescentou que a solução é manter os estabelecimentos abertos e aumentar a fiscalização e as sanções para quem não cumprir as normas. “Somos responsáveis pelos procedimentos e protocolos sanitários. Quem não estiver cumprindo deve ser punido. A lei está aí para isso. As festas clandestinas e os bares aglomerados são minoria quando comparados ao setor. Nesses casos, é necessário fechar permanentemente esses locais e aplicar multa”, cobra o presidente do Sindhobar.
Colaborou José Carlos Vieira