No ápice da pandemia, quando alcançamos a marca trágica de 320 mil óbitos, com os hospitais em colapso, com 14 milhões de desempregados, com o auxílio emergencial de R$ 150 (dá para comprar um bujão de gás e sobram 50 merrecas), sem vacinas suficientes, sem vagas nas UTIs, sem oxigênio, sem remédios para intubação e sem espaço nos cemitérios para enterrar os mortos, o presidente muda todo o comando das Forças Amadas.
Não havia nenhum motivo razoável, os comandantes só cometeram o deslize de cumprir as funções constitucionais e se recusarem a funcionar como milícias a serviço de interesses pessoais. Foram punidos por serem corretos. O intento da ação permanece um mistério.
Seria um gesto para tentar esconder o fracasso do negacionismo, a incompetência na gestão da pandemia, a negativa em comprar vacinas oferecidas pela Pfizer, em agosto do ano passado, para chegarem em dezembro de 2020, ou a falta de liderança com os governadores e prefeitos?
Mandar não é liderar; liderar é convencer e conquistar a confiança e o respeito. Liderar é fazer com que todos caminhem juntos, como disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O verdadeiro responsável pelo lockdown é o presidente da República, com os erros crassos em série na gestão da pandemia, na contramão da ciência e do que se faz em todos os países.
Em entrevista ao Correio, o general Paulo Sérgio, antigo chefe do Departamento Geral de Pessoal do Exército e novo comandante da força, destacou que a taxa de mortalidade por covid-19 da corporação é de apenas 0,13%, enquanto na população geral é de 2,5%. Por quê? Porque os militares seguem todos os protocolos recomendados pela OMS.
Ninguém pode ser destituído, punido ou retaliado porque é correto, principalmente quando se trata de uma questão pública que envolve a vida e a morte. Se tais protocolos da ciência fossem adotados pelo presidente, com certeza, teríamos um número muito menor de mortos e menor necessidade de lockdowns. Quando alguém sofre represália por fazer algo certo, é sinal de que a instância que pratica esses atos desrazoados está acometida de alguma doença institucional grave.
Como se não bastasse, o governo tentou, ainda, passar na Câmara dos Deputados a ampliação da lei de mobilização, prevista na Constituição, para o caso de guerras, o que conferiria ao presidente da República poderes de um estado de exceção para impedir os lockdowns e fazer uma intervenção ampla nos estados.
A investida autoritária fracassou, foi barrada pelas lideranças do parlamento. Não dá para entender como invocar uma lei de guerra para combater a covid-19, quando o presidente cansou de dizer que a pandemia era uma “gripezinha”?
Sua Excelência só não foi além em seus desacertos porque as instituições funcionam, mas contou com colaboracionistas em seu projeto insustentável. O tal do um manda e outro obedece. Obediência não pode ser sinônimo de subserviência. Quem acata uma ordem insensata ou insana é cúmplice.
Parece que o presidente só pensa naquilo o tempo todo, mesmo em meio à maior crise sanitária que a humanidade enfrentou. Mas só terá sucesso se contar com a conivência e a cumplicidade de algum Joaquim Silvério dos Reis ou de alguma instituição Joaquim Silvério dos Reis. O alto-comando das Forças Armadas optou pelo respeito à Constituição.
A gente roda, gira e esbarra na questão da falta de vacina. Precisamos da vacina sanitária, para a saúde; da vacina jurídica, para os desmandos; e da vacina política, para os projetos insanos.