Elas são essenciais

Do laboratório ao comércio e dos transportes públicos aos hospitais, as mulheres fazem parte da força de trabalho dos serviços fundamentais durante a pandemia da covid-19. Para fechar o mês delas, o Correio homenageia trabalhadoras de algumas atividades imprescindíveis no enfrentamento à doença

Todos os dias, em diferentes frentes de atuação, as brasilienses vão à luta contra a covid-19 nos serviços essenciais dentro de hospitais, nos balcões de padarias, nos laboratórios de pesquisa e nos vagões do metrô. Apesar do receio e dos riscos que as profissões presentes na linha de frente ao enfrentamento à pandemia apresentam, elas não abaixam a cabeça e resistem ao cansaço, ao medo e ao desânimo.

Sensibilidade é palavra de ordem para Erivania da Silva Oliveira, 33, gestora do serviço de atendimento ao consumidor (SAC) do Grupo Santa. Há sete anos na empresa, ela é responsável por fazer contato com os familiares em estado crítico de internação, conversar, acolher e acalmá-los. “As famílias procuram o nosso serviço para saber como os pacientes estão e às vezes pedem ajuda para entregar pertences pessoais, verificar se podem fazer visitas ou levar um livro”, conta.

De acordo com ela, o último ano foi bem delicado, principalmente nesse suporte às famílias. “Houve um caso de uma mãe que mora em São Paulo e veio visitar o filho que está internado com covid-19 aqui em Brasília. Quando chegou ao hospital, ficou sabendo que não poderia ver o filho em razão dos protocolos. Eu procurei a psicóloga do hospital, que fez uma videoconferência com o paciente e a mãe para que eles pudessem conversar e se ver, mesmo que distantes. Saber que o filho está bem. Esse contato é importante. Fui também paciente e sei o quanto a família faz falta”, relata Erivania, que tem utilizado da própria vivência com a doença como um amparo para as pessoas que a procuram.

“Essa doença veio para termos mais humildade e ajudar. Quando não estava na pandemia, o atendimento era mais rápido, resolutivo. Agora é mais de ouvir, entender o que o outro está passando, de humanização. Não só para os pacientes, mas para toda a equipe. A gente se tornou uma família, um ajudando o outro, dando suporte, conselhos”, conta Erivania. Para ela, um dos momentos mais difíceis foi quando o pai dela foi infectado e ela não podia ajudar. Depois, em agosto de 2020, Erivania testou positivo para a covid-19 e precisou ficar internada 12 dias em unidade de terapia intensiva. Ela conta que uma das coisas da qual mais sentiu falta foi de cozinhar, ato que ela tem feito com maior prazer após a recuperação. “Acredito que tudo isso fez com que a gente aprendesse a viver momentos simples, dar um sorriso e um bom-dia fazem toda a diferença”, avalia.

Um dos confortos que tem tido é com a rede de amigos da vizinhança de onde ela mora. “Todo final de semana, os vizinhos trocam comida e receitas no muro, deixando uma mensagem de carinho. Para mim é mais do que um presente neste momento”, ressalta. Uma forma de amparo mesmo distante. Ela, que já foi agente aeroportuária e trabalhou entregando cartões de uma loja de roupas, afirma que é uma grande felicidade trabalhar para atender e ajudar o outro.

Colocar o bem-estar do próximo à frente da própria segurança define bem o trabalho das atividades essenciais do comércio e dos serviços públicos, como a mobilidade urbana. A baixa remuneração e o preconceito poderiam ser justificativa para não atender bem os clientes, mas a operadora de caixa Lucilene Paiva, 41 anos, é inabalável. “Dentro do que eu consigo fazer, eu faço. Procuro passar para cada cliente um pouco de amor, carinho, atenção e dedicação, porque vejo que estão precisando. Tem sido difícil trabalhar nesse momento, mas não é impossível”, pondera a moradora de Sobradinho 2.

Lucilene notou algumas mudanças de comportamentos na postura dos clientes da padaria com a pandemia. “Alguns agem como se fossem pegar a doença da gente e nos tratam mal. Reclamam até e faltam bater na gente quando pegamos nas sacolas ou nas embalagens. Aí quando vão higienizar com álcool, acaba respingando na gente e muitas vezes pega no olho. Eu me sinto muito triste com essas cenas, as pessoas precisando se afastar umas das outras”, lamenta a funcionária.

Apesar da tristeza, a resiliência de Lucilene chega a ser emocionante. “Não pude parar em nenhum momento, preciso trabalhar — e com alegria”, ressalta a operadora. Ela conta que não contraiu a doença, mas muitos colegas tiveram a covid-19 e se infectaram, principalmente, nos transportes públicos. “A padaria é sempre higienizada. No caixa, limpamos com álcool o balcão e as máquinas de cartão depois de cada uso dos clientes”, descreve Lucilene.

Com dois filhos pequenos, tendo que administrar os afazeres domésticos e ministrar aulas na graduação e na pós-graduação, a pesquisadora e professora de engenharia eletrônica da Universidade de Brasília (UnB) Suélia de Siqueira Rodrigues Fleury, 43 anos, arranjou tempo para desenvolver uma máscara facial que inativa o vírus da covid-19. Ela elaborou um projeto que usa o composto quitosana (material extraído da casca de crustáceos como camarões e caranguejos) que faz com que o Sars-CoV-2 perca o efeito viral e não tenha mais a capacidade de infectar a pessoa. O trabalho passou por fases de testes em laboratório, e, em janeiro deste ano, teve a liberação pelo conselho de ética para os testes clínicos com 60 participantes no Hospital Regional da Asa Norte (Hran).

Todos os esforços para o combate à covid-19 foram impulsionados com a sensibilidade feminina de perceber a urgência de um trabalho dessa forma. “A responsabilidade social impera, mas não é fácil. Sou dona de casa, cuido dos meus dois filhos, de 10 e 14 anos, e dou aulas. Eu me desdobro, mas acredito na importância desse trabalho”, ressalta.“Essas máscaras são capazes de auxiliar no combate à covid-19, mas também podem ser usadas no tratamento de outros vírus como a tuberculose”, explica Suélia Fleury que está desenvolvendo este trabalho com o marido, professor e também pesquisador, Mário Fleury e outros colegas acadêmicos.

Exposição e incerteza na linha de frente

A alta propagação do vírus nos transportes públicos é um dos motivos da insegurança que Lucilene Rosa, 38 anos, sente todos os dias ao chegar ao trabalho. A piloto metroviária conhece bem os sacrifícios que a pandemia impôs a quem está na linha de frente do combate. “Contraí a covid-19 e passei meu aniversário de quarentena, afastada do trabalho por 15 dias. Mesmo assim, me sinto extremamente insegura, ainda mais agora com as novas variantes do vírus, que me dão ainda mais apreensão. Os únicos equipamentos de proteção que temos são a máscara e o álcool em gel”, relata a moradora de Ceilândia.
Apesar de fazer parte dos trabalhadores essenciais — a restrição de circulação vigente no DF manteve o transporte público em pleno funcionamento, com a capacidade máxima, como forma de tentar diminuir a aglomeração das pessoas que precisam usar o serviço — os colaboradores do metrô não estão incluídos nos grupos prioritários da vacinação. “É muito movimento de usuário, o tempo todo, e temos que estar atentos”, desabafa Lidiane, uma das 16 pilotos metroviárias do Metrô-DF, em um total de 180 condutores.

Mesmo com os riscos e a insegurança, a piloto se sente gratificada por fazer parte de um serviço essencial, sem esconder a preferência por ficar em casa se fosse uma opção. “Se puder ajudar de alguma forma a população, a gente se sente importante. Estamos arriscando a vida e não temos a opção de fazer home office nem de não ir ao trabalho. A gente precisa oferecer esse serviço. Não vou mentir, não queria estar me expondo. Se eu pudesse escolher, não continuaria trabalhando presencialmente. Muitas pessoas próximas a mim, jovens, têm falecido nos últimos dias. Mas é minha profissão, é o que eu preciso fazer, então eu faço”, arremata Lidiane.

A guerra contra a covid-19 não se encerra com a morte. Quando, infelizmente, uma pessoa não resiste à doença, é trabalho de Danielle Martimiano, 41 anos, recolher o corpo. A condutora do rabecão, veículo do Serviço de Verificação de Óbitos (SVO) da Secretaria de Saúde do DF, é responsável por coletar o corpo de pessoas que morreram por causa natural em casa ou em vias públicas da capital federal. “Nosso serviço, infelizmente, é um serviço triste. Somos os últimos a serem procurados e ninguém fica feliz em nos ver. É triste, mas ao mesmo tempo, a gente se sente gratificado por fazer nosso trabalho. De um jeito ou de outro, é um alívio para as pessoas quando retiramos o corpo, porque ter um parente ou uma pessoa querida morta dentro de casa é horrível”, avalia Danielle, a única condutora em uma equipe de 11 motoristas.

Serviço desconhecido por boa parte da população, o SVO é responsável pela remoção dos cadáveres desde 2019, quando a função saiu da alçada do Instituto Médico Legal (IML). O serviço funciona 24 horas por dia e conta, na equipe, com técnicos de laboratório, médicos, técnicos de patologia clínica, auxiliares operacionais e motoristas. No momento da remoção do corpo, o SVO passa orientações aos familiares sobre os procedimentos que devem ser adotados em seguida, como o recebimento de exames do corpo e a autorização de necropsia. Os trabalhos internos do SVO ocorrem no Hospital Regional de Ceilândia (HRC).

Danielle, moradora de Águas Claras, reparou que as mortes por covid-19 aumentaram como causa de óbito das pessoas recolhidas por ela nos últimos dois meses. “Em média, buscamos cinco corpos por dia. No ano passado, mesmo com pandemia, costumavam ser um ou dois, no máximo, com a doença. Agora, são três por dia, e pessoas mais jovens”, conta a motorista, que já atuou como condutora de ambulância na Unidade de Pronto Atendimento de Samambaia..

Desabastecimento

Danielle está imunizada com as duas doses da vacina contra a covid-19 e, mesmo antes das aplicações, não contraiu a doença, mas o perigo não deixou de ser constante. “É preciso ter muito cuidado, porque nos foi passado que, mesmo morta, a pessoa pode transmitir a covid-19. A recomendação, inclusive, é de que tratemos todos os pacientes como se tivessem a doença, mesmo antes da confirmação, e de usar dois sacos por corpo”, narra a condutora.

Quando dirigia a ambulância da UPA de Samambaia, Danielle também era a única motorista. Em seus dias de plantão, aos sábados, ela passava doze horas sozinha na função. “Meus colegas sempre foram muito respeitosos, e recebo muitos elogios. Acho que é porque costumamos ser mais calmas e tranquilas e não reclamamos tanto do trânsito como os homens. Quando eu conduzia a ambulância, muitos diziam que preferiam andar comigo. Meu chefe ficava tranquilo em me deixar sozinha no plantão porque sabia que eu dava conta dos rojões. Sinto-me muito honrada porque é a profissão que eu escolhi. Sou licenciada em química, mas não gosto de sala de aula. Gosto mesmo é de dirigir”, orgulha-se.