Ao menos 30 famílias que ocupavam uma região às margens da L4 Norte tiveram as casas derrubadas ontem. A ação no assentamento, próximo ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), partiu de equipes da Secretaria de Proteção à Ordem Urbanística (DF Legal) e da Polícia Militar. A pasta justificou que a maioria dos barracos estava desocupada, mas eles serviam de moradia a famílias de catadores de recicláveis. Houve, ainda, uma tentativa de desmontar a estrutura da Escolinha do Cerrado — construída pela comunidade e onde professores voluntários davam aulas — mas frequentadores do colégio permaneceram no local, para evitar a demolição.
Os agentes da DF Legal chegaram a pedir a saída de todos os alunos, que estavam em aula no período da tarde. No entanto professores e comunidade resistiram. Thiago Ávila, socioambientalista e ativista pelos direitos humanos, contou como o grupo conseguiu impedir a ação. “Enquanto as casas eram derrubadas, os professores continuaram a dar aula. Quando os agentes pediram para todos saírem da escolinha, as crianças foram dispensadas da aula, mas voluntários e famílias se agarraram à estrutura para impedir a ação”, relata Thiago.
Apesar de a comunidade ter resistido, a previsão é de que a ação continue hoje, para recolhimento dos pedaços de madeiras de barracos e, segundo relatos, para impedir a reconstrução das moradias. A deputada Talíria Petrone (Psol-RJ) e um representante da defensoria pública do DF entraram com um pedido de liminar para impedir a ação e manter a escola de pé.
Sem escolha
Enquanto tratores passavam por cima dos barracos, os ocupantes observavam de longe, entristecidos. Depois que a máquina havia reduzido casas a pedaços de madeira esmagados, alguns moradores tentavam revirar os escombros para resgatar uma frigideira, um prato ou uma panela. Contudo Edna Gonzaga de Souza, 27 anos, não teve a mesma sorte. Ela não estava no local quando teve a casa demolida.
“Eu tinha ido ao Cras (Centro de Referência em Assistência Social). Quando voltei, tudo estava destruído. Meu irmão ainda recuperou minhas roupas e um colchão, mas o outro (colchão) foi levado embora com os escombros. O pouco material reciclável que tínhamos também foi levado por eles”, lamentou. “A gente só queria uma casa. No dia em que conseguirmos sair daqui, pode ter certeza que ninguém volta mais. Mas não temos escolha: ou aluguel ou comida, porque o que temos é pouco”, completou Edna.
Michele da Silva, 38, e o filho de 1 mês também ficaram desabrigados. “Eles sequer avisaram que fariam essa ação. Mas somos gente também. Estamos há anos na fila por uma moradia e nunca sai. Fui aprovada, mas ainda não conseguiram nenhuma casa para mim. Eu ainda estava de resguardo de 15 dias (pós-parto) quando meu marido e eu saímos na chuva para entregar os documentos à Codhab (Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal). Hoje (ontem), eles simplesmente mandaram a gente decidir: ou o barraco de pé e perderíamos o cadastro (para conseguir um imóvel) ou derrubavam a casa e não perderíamos o processo. Ninguém teve escolha”, conta Michele.
Elaine Santos Machado, 33, passava pelo mesmo dilema: “Estou há mais de 15 anos aqui e tenho cinco filhos. O que reciclamos, principalmente com a pandemia, mal dá para comer. Se não fossem doações, estávamos passando fome. Sempre fazem isso, destroem tudo. E não podemos fazer nada, só ver o trator passar por cima”, disse.
A Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) informou que promoveu diversas abordagens no local, antes das derrubadas, para acolhimento das famílias. A Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (Codhab) informou que existem processos para inclusão dessas famílias em programas de políticas habitacionais, mas os casos estão sob análise. Em relação à derrubada da escola, o Executivo local não se pronunciou.