Crônica da Cidade

E agora, Brasil?

Próximo de alcançar 300 mil mortes por covid-19, o país sangra. De Norte a Sul, o quadro é desesperador. Faltam leitos de UTI para tratar os doentes mais graves, o oxigênio que permite a eles manter a função respiratória básica é escasso em diversas regiões e prevê-se uma crise no abastecimento de kits de intubação. Morre-se não apenas sobre as macas, mas agora também nas filas, à espera.
O Brasil deixou José na mão mais uma vez. Josés, Joãos, Marias e Clarices. Vai continuar a coleção de corpos estendidos no chão. O pulmão sem sopro. “E agora, José? / Sua doce palavra, / seu instante de febre, / sua gula e jejum, / sua biblioteca, / sua lavra de ouro, / seu terno de vidro, / sua incoerência, / seu ódio — e agora?”, descreve o poema.
Enquanto o José de Drummond se vê sem saída, sem rumo, o anônimo de João Bosco perde a vida no passeio público e entra para a estatística. O de Chico Buarque, típico brasileiro sem privilégios, se perde, sem ar, entre os becos da cidade. No mesmo dia, beijara a mulher como se fosse a última e atravessara a rua com seu passo tímido. E agora, Brasil?
“Com a chave na mão / quer abrir a porta, / não existe porta; / quer morrer no mar, / mas o mar secou; / quer ir para Minas, / Minas não há mais. / José, e agora?” O poeta questiona, com firmeza. “Se você gritasse, / se você gemesse, / se você tocasse/ a valsa vienense, / se você dormisse, / se você cansasse, / se você morresse… / Mas você não morre, / você é duro, José!”
A atualidade dos versos não para por aí. E, não se engane, mesmo décadas mais tarde, será impossível responder às perguntas. “Sozinho no escuro / qual bicho-do-mato, / sem teogonia, / sem parede nua / para se encostar, / sem cavalo preto / que fuja a galope, / você marcha, José!/ José, para onde?”
Se tem algo que a pandemia nos mostrou é que não caminhamos sozinhos. Nem vacinação, nem UTI, nem remédio milagroso bastará se continuarmos pensando de maneira egoísta, idealizando um Brasil que caiba apenas no nosso mundo. Globalizar-se significa ir além, mas também dar as mãos. Ninguém sairá sozinho desta crise.
Perdoe-me, leitor, se a digressão foi longa e confusa. Perdoe-me se veio aqui encontrar sossego e acalento em meio aos caos e à amargura. Mas hoje a tristeza me aplaca. Não restam sorrisos na alma.